Nova presidente da UNE vê “rede de ódio” na esquerda

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Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

Nos anos 1990, a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi às ruas pelo “fora, FHC”, com ataques ao que chamava de agenda neoliberal tucana. Na última década, chamava líderes do MBL (Movimento Brasil Livre) de golpistas diante da mobilização pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Há três meses sob novo comando, a UNE agora virou vidraça na esquerda. Primeira mulher negra e da região Norte a presidir a entidade, Bruna Brelaz, 26, filiada ao PC do B, é uma árdua defensora de ampla aliança, inclusive com a direita e antigos inimigos, pelo “fora, Bolsonaro”.

Desde julho, além de quatro encontros com Lula, decidiu se reunir com Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e subiu no palanque do MBL no ato de 12 de setembro pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Foi chamada de “nazista”, “fascista” e recebeu mensagens com incitações para que fosse agredida. Temeu participar da manifestação organizada pela própria esquerda em 2 de outubro.

“Fiquei com medo de sair na rua. E não fiquei preocupada por conta do bolsonarismo”, diz Bruna em entrevista à Folha. “Essa rede de ódio precisa ser refletida pela esquerda. As pessoas que são lideranças desses campos precisam falar sobre isso”, afirma. “Não podemos nos comportar como bolsonaristas.”

Apesar de admitir “um balde de água fria” depois da timidez do último protesto contra Bolsonaro, a líder estudantil diz não ter perdido a esperança. Cobra menos debate eleitoral e mais gestos do PT e de Lula pelo impeachment, além de olho no “Brasil real”.



A UNE fez campanha pelo “fora, FHC”. Sob Dilma, chamava o MBL de golpista. E você esteve com FHC e subiu no palanque do MBL. O que mudou ou quem mudou nesse período: a UNE, o FHC, o MBL? Quem mudou foi o inimigo central, que é Bolsonaro. Para que a gente consiga a articulação desse impeachment, precisa fazer uma reunião dos mais amplos setores. Até mesmo os setores que nós combatemos.

A defesa da democracia é primordial para que a gente consiga fazer o embate das nossas diferenças. Para que limpe de campo esse obscurantismo e projeto antidemocrático. Reconhecendo que temos inúmeras diferenças. Não deixamos de discordar do MBL, não deixamos de discordar do Fernando Henrique Cardoso e nem da política neoliberal que ele implementou.

Já foi chamada de direitista na UNE? Fui chamada de coisa mais pesada, de nazista, fascista. As redes são um campo aberto. Mas não tenho medo de sentar na mesa com os diferentes, desde que eles estejam para debater a pauta comum da democracia.

A esquerda fez campanha para que as pessoas não fossem ao ato do MBL, inclusive lembrando que eles promoviam a Escola sem Partido. Como foi estar com eles na manifestação? O MBL fez um gesto de tentar construir um dia 12 [de setembro] mais amplo. Vi uma oportunidade de dialogar com essas figuras que não estavam nas outras manifestações. Sem elas, não conseguimos articular de fato o impeachment.

Fiquei muito preocupada porque não sabia qual seria a reação das pessoas. Fui com uma blusa neutra para chegar lá e trocar pela blusa branca com a frase da UNE [O Brasil se UNE pela democracia].

Ali dialogamos com figuras que votaram no Bolsonaro e que estão arrependidas. Nós, de todos os campos, precisamos estar preparados para dialogar com o Brasil real. O Brasil que elegeu Bolsonaro. Nem todas as pessoas que votaram no Bolsonaro são fascistas.

O MBL continua sendo o nosso rival político, discordamos profundamente sobre o projeto de país, mas eu estava ali exatamente para garantir que nós continuemos a discordar.

O MBL não foi no dia 2 de outubro. Essa última manifestação não alcançou amplitude. O que deu errado?​Essa engrenagem de frente ampla é muito difícil. Primeiro porque tem um debate eleitoral ainda muito forte. Enquanto não dermos uma trégua sobre o debate eleitoral, as coisas vão ficar difíceis de construir. Enquanto isso, Bolsonaro vai deslanchando. É um inimigo forte, por isso a gente precisa fazer essa junção.

​A falta de disposição de alguns setores precisa ser sincera também. O debate do “fora, Bolsonaro” não pode ser bravata. Se nós queremos o “fora, Bolsonaro” de verdade, a gente precisa abrir o coração e se colocar à disposição para sentar com essas figuras antagônicas. Isso vale para todos os lados, para o MBL, para alguns setores da esquerda.

​Por mais que exista aí um balde de água fria depois do dia 2, eu não perco a esperança.

Quando diz que o “fora, Bolsonaro” não pode ser uma bravata, está se referindo ao PT, diante do cenário de Lula à frente nas pesquisas? Não estou falando especificamente do PT, até porque acho que não é somente o PT o responsável pela construção do impeachment. Acho que a frase vale para todos os setores que colocam o debate eleitoral na frente da articulação pelo “fora, Bolsonaro”. Todos, sem exceção. Da esquerda, da direita, do centro.

O PT cumpre um papel de mobilização importante, é um dos setores que podem se responsabilizar mais com a construção [do impeachment]. O próprio PSDB. São partidos importantes que precisam se posicionar melhor nesse campo.

Desde que me tornei presidente da UNE já encontrei com Lula quatro vezes. Mais do que com FHC, com Ciro [Gomes, PDT]. Nós faremos um chamamento ao Lula para a frente ampla, falaremos que as questões eleitorais precisam ser deixadas de lado para que esse inimigo da democracia seja derrotado.

Sobre as críticas pesadas de setores da esquerda que você citou, acha que existe um bolsonarismo na esquerda, no sentido de uma milícia digital agressiva? Eu fiz um tuíte questionando se de fato uma parte da esquerda minoritária tem essa rede de ódio. Bolsonaro se elegeu assim. Essa rede de ódio foi que proporcionou, por exemplo, diversos ataques a Lula.

O problema não é discordar de mim. O problema é quando as pessoas passam a agir de forma misógina. É impressionante como as mulheres que estão fazendo esses movimentos sofrem muito mais ataques do que homens. Eu fiquei muito mal, não queria que minha mãe visse esses comentários. Pessoas desejando que eu apanhasse no dia 12, por exemplo.

Essa rede de ódio precisa ser refletida pela esquerda. Será mesmo que vamos continuar fechando os olhos para isso? As pessoas que são lideranças desses campos precisam falar sobre isso. Por que às vezes é conveniente, né? Às vezes essas redes ajudam a alavancar uma figura em detrimento de outras.

Eu fiquei com medo de sair na rua. E o mais interessante é que eu não fiquei preocupada por conta do bolsonarismo. Eu fiquei preocupada porque esses setores me conhecem, eu sou da esquerda. Então, no dia 2, fiquei preocupada de chegar perto dessas figuras e ser violentada, como aconteceu especificamente com o Ciro. Eu fui vaiada, beleza. Por um grupinho assim, era só homem branco. E eu falei: “gente, por que isso?” Só porque estou falando de frente ampla.

Quando você diz que as pessoas precisam falar e debater isso, a quem está se referindo? O silêncio de Lula te incomoda? Não é só o Lula. Acho que ele precisa falar sobre isso, mas todo mundo precisa colocar o debate na linha de frente. Não podemos nos comportar como bolsonaristas.

Por conta dessas situações, eu passei a dialogar de forma mais profunda com a deputada estadual do PSOL Isa Penna, de São Paulo, passei a falar sobre isso com a deputada federal Tabata Amaral [PSB-SP], conversei um pouco com a senadora Simone Tebet [MDB-MS], que passou por uma situação de violência no Parlamento. A Isa Penna me mostrou o que mandaram para ela, é assustador.

Qual o papel do PT no processo do impeachment? Existem gestos de construção da frente ampla pelo PT, mas acho que, assim como em outros setores também, o debate eleitoral ainda é maior. Eu entendo que seja maior, porque o primeiro colocado é o Lula. Isso é interessante para o PT, só que não acho interessante para o Brasil.

Ter Bolsonaro em 2022 é um erro enorme, porque é subestimar Bolsonaro. É acreditar que ele vai respeitar a democracia e as eleições. Eu tenho a convicção de que ele não vai.

Eu tenho muito respeito pelo PT, que contribui com o Brasil, mas eu acredito que, por ser um partido maior da esquerda, é preciso fazer gestos maiores. Eles podem articular a partir dos seus parlamentares o impeachment, junto com partidos da esquerda e de centro. Fazer uma movimentação com os campos da direita também, com os campos antagônicos, e acho que Lula faz isso muito bem, dialoga com todo mundo.

As pessoas me criticam por eu estar conversando com o FHC, mas o Lula já conversou com o FHC. E ele está correto. Só acho que ele poderia utilizar a grande influência política que tem para a frente ampla.

Já foi alvo de racismo dentro da esquerda ou preconceito pela sua origem do Norte do país? Não senti essa resistência por parte dos campos da esquerda que a gente constrói. Mas eu senti isso dentro Parlamento. E sou do Norte do país. Percebo visivelmente o quanto as pessoas passam a não te dar tanta credibilidade. ​Acho que o povo do Norte sofre muito com isso, somos invisibilizados.

Tenho muito respeito por todo mundo que internacionalmente faz o debate da Amazônia, mas existem povos e lideranças que estão na linha de frente desse debate e não recebem esse mesmo destaque.

Mas é óbvio que já passei por inúmeros casos de racismo, principalmente na escola. E existe um racismo também misturado com um preconceito de classe muito forte.

Os partidos de muitos presidenciávels da terceira via e grande parte da centro-direita não encampam a pauta do impeachment. Há viabilidade sem esse grupo? Esse campo mais direitista precisa ser convencido. Eles também não estão satisfeitos com Bolsonaro. Se essa retranca não for destravada, esses setores serão esmagados pelo bolsonarismo. Quando a gente vai conversar com FHC, é para chamá-los à responsabilidade.

Vocês estão nas ruas contra Bolsonaro desde maio e nada aconteceu. Essa mobilização chegou a um limite? Quando a gente vai na periferia, percebe que tem muita gente a favor do “fora, Bolsonaro”. Mas essas pessoas às vezes querem se organizar de outra forma ou não têm a prática militante. E tem gente indecisa. Além de fazer com que as ruas se encham mais, a discussão do impeachment passa pelo diálogo com o Brasil real, que está desempregado, passando fome. Somente chamar a mobilização de rede não funciona.

O ensino remoto é visto como algo que deve acentuar as desigualdades educacionais. Mas parte da esquerda é resistente à volta às aulas mesmo com os profissionais já vacinados? Por quê? É preciso fazer esse retorno às aulas, estamos percebendo esse agravamento das desigualdades. O estudante que não tem um computador para ter acesso às aulas é o maior prejudicado. É o estudante mais pobre, negro e indígena do país.

O Estado brasileiro precisava ter se responsabilizado no planejamento de um retorno seguro. E isso não significa só álcool em gel e máscaras. As universidades passam por uma retenção de recursos gravíssimas. A gente acha que é preciso ter a recomposição do Orçamento das universidades. E precisa ter planejamento sobre as doses de reforço da vacinação.

Mas se a condição para a volta às aulas for a retomada de recursos, a possibilidade de isso ocorrer até 2022… A gente não tem dúvida de que as aulas vão voltar. Não vamos ser contra as aulas presenciais. Vamos fortalecer a fiscalização e cobrar do governo federal.

Vocês pressionaram pela saída de outros ministros da Educação de Bolsonaro. A pressão contra MIlton Ribeiro agora é menor? O ministério virou pauta de deboche na comunidade internacional e em setores científicos. Mas não vejo nenhum tipo de caminho neste governo que possibilite uma melhora educacional. Nosso maior anseio na derrubada de Bolsonaro é a pressa em debater um projeto de educação e de país.

Bruna Brelaz, 26
​Nascida em Manaus (AM), estudou em escolas públicas e de tempo integral, o que atribui à persistência da mãe. Conheceu o movimento estudantil no ensino médio, em uma manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus. Estudou pedagogia na Universidade do Estado do Amazonas, mas não concluiu. Atualmente está no terceiro semestre de direito na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Foi presidente da União Estadual dos Estudantes do Amazonas. Na UNE, foi diretora de relações institucionais e tesoureira, antes de ser eleita presidente em julho de 2021. É filiada ao PC do B.

Folha de S. Paulo

 

 

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