Beneficiários do Bolsa Família temem ficar de fora do Auxílio Brasil

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Foto: Franco Adailton/Folhapress

Desempregada desde que a pandemia começou no ano passado, Eliza Cavalcante Reis, 31, começou a receber o Bolsa Família em fevereiro e está em dúvida sobre o que acontecerá nos próximos meses.

“Eu não sei quem vai receber o Auxílio Brasil. Eles falam que quem estava no Bolsa Família vai cair direto, mas vai saber”, diz Eliza.

Moradora de Pirituba, na região norte de São Paulo, ela faz bicos como auxiliar de cabeleireira. Vive apenas com o filho de quatro anos e não recebe pensão.

“Fico com medo de eles falarem que não vou ter direito [ao novo benefício]. Se não tiver lascou, não sei o que vou fazer. Parece que o valor é melhor que o do Bolsa Família, mas eu não sei, não sei se é seguro, se vai levar a algo adiante”, conta.

Ela é uma das mais de 518 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família na capital paulista, segundo dados da Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, vinculada ao Ministério da Cidadania. O programa de distribuição de renda foi extinto após 18 anos.

Eliza recebia R$ 180 e agora aguarda o começo do novo programa, cujo primeiro pagamento está previsto para esta terça-feira (17), seguindo o calendário do agora extinto Bolsa Família.

Beneficiários que vivem nas periferias de São Paulo relatam esperar “ver o dinheiro na conta” para acreditar no Auxílio Brasil. Relatório do Bolsa Família indica que 412 mil famílias estariam em condição de extrema pobreza na cidade se não tivessem o benefício, cujo valor médio na capital paulista era de R$ 76,11 por pessoa.

A promessa do governo Jair Bolsonaro é que todos os mais de 14,6 milhões de beneficiários do Bolsa Família recebam o Auxílio Brasil. Além desses, há a previsão de zerar a fila de espera, o que faria o programa alcançar 17 milhões de famílias no país.

A promessa também é de valor maior: a média subirá de R$ 189 para R$ 217, valor que subirá para R$ 400 caso a PEC dos Precatórios, que dá calote em dívidas da União reconhecidas pela Justiça, seja aprovada no Senado. O texto já passou pela Câmara dos Deputados.

Segundo o governo, a aprovação da PEC liberaria espaço no orçamento da União para garantir o valor maior até dezembro de 2022. Não há previsão de como o programa vai funcionar no ano seguinte.

Para a dona de casa Rosilene Novaes, 43, a indefinição sobre 2023 soa como proposital. “Ele [o presidente Bolsonaro] não está pensando em 2023. Ele está pensando só até o final de 2022, que é o mandato dele. Por isso que as pessoas estão confusas”, diz.

Rosilene mora no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, e era beneficiária do Bolsa Família. Seu benefício foi interrompido durante o período em que recebeu o auxílio emergencial, valor que a ajudava a pagar o carnê do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e a fazer a feira semanal.

“Pelo que eu estou entendendo, [o Auxílio Brasil] é meio que para escapar do auxílio emergencial para todos e só ficar no Bolsa Família. Ao invés de melhorar, dificultou mais para as pessoas”.

O auxílio emergencial teve início em abril de 2020 como forma de atenuar os impactos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus. Seu valor inicial foi de R$ 600, diminuído no segundo semestre daquele ano para R$ 300. O programa foi suspenso em dezembro e retomado em abril deste ano, com valores de R$ 150 a R$ 375.

Uma moradora de Guaianases (zona leste) que pediu para não ser identificada conta que a redução no valor do benefício foi difícil porque coincidiu com a alta de alimentos básicos como arroz e feijão.

Ela diz que não entendeu como será o Auxílio Brasil, ainda mais com as fake news que se espalham pelas redes sociais.

A diferença no valor do benefício emergencial para o do Auxílio Brasil também preocupa Graziele Alves, 36, moradora da Cidade Ademar, na zona sul.

Ela recebeu o auxílio de R$ 375 em 2021 por ser mãe solo e chefe da família. Desempregada há três anos, Graziele faz bicos em uma van escolar e usava o valor para pagar o aluguel.

Com o fim do auxílio, a previsão é que receba os R$ 180 que eram disponibilizados por meio do Bolsa Família.

“Dá pra fazer o que com R$ 180 hoje em dia? O gás está R$ 105, aí tenho aluguel, meu filho, que precisa comer, vestir uma roupa, calçar um chinelo. Tem hora que eu me vejo doida, desesperada, sem saber o que fazer”.

Ela afirma que era necessário reduzir impostos de empresas, para tentar aumentar o número de vagas de trabalho. Durante a pandemia, ficou sem trabalhar, porque a escola estava fechada.

“Então me virava, ia para a casa de alguém, fazia uma faxina, mas mesmo assim foi bem pouco porque não era todo mundo que queria que entrasse nas casas [por causa dos riscos da Covid-19]”, conta.

“Não sei dizer [como serão os próximos meses], a única coisa que eu sei é que a preocupação bate, não tem jeito. Estou muito preocupada de verdade, porque eu não sei como vai ser”.

Em 2020, o auxílio emergencial chegou a mais de 68 milhões de pessoas. Com a mudança das regras para 2021, que só permitiu o recebimento para uma pessoa por família, o número caiu a quase a metade.

Na análise do diretor do FGV Social, Marcelo Neri, a maior incerteza acerca da eficiência do Auxílio Brasil está na ausência dos cerca de 25 milhões de brasileiros que receberam o auxílio emergencial, mas que não estão cadastrados no Bolsa Família.

Tudo isso em meio a alta dos preços dos alimentos –a inflação chegou a 10,67% no acumulado dos 12 meses até outubro.

“No campo de vista imediato, o que vai fazer mais diferença no bolso das famílias é o fim do auxílio emergencial, que é mais generoso que o Bolsa Família. Se fosse voltar para o Bolsa Família original, a gente acrescentaria mais 6,8 milhões de pessoas na conta de ‘novos pobres’”, explica Neri.

“A pobreza vai aumentar, no curto prazo e novamente em 2023. Em 2022, esse auxílio retrátil [o Auxílio Brasil de R$ 400] vai fazer com que a pobreza caia como ela caiu quando vigorou o auxílio pleno, quando a gente teve a menor pobreza da série histórica”.

Para Antônia Cleide, líder comunitária e presidente da Unas (União de Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e Região), o sentimento que fica diante da preocupação com o fim do auxílio emergencial é de impotência.

“A gente acreditava que por conta de toda essa necessidade, ia ter uma distribuição de renda, uma taxação [dos mais ricos em favor dos mais pobres], tivesse uma renda para essas pessoas, como uma política mesmo, como era o Bolsa Família, uma política de estado”, avalia a líder comunitária da maior favela de São Paulo.

Ela ressalta que foram anos para o programa anterior entrar em funcionamento e ser entendido pelos moradores, assim como as formas de pagamento.

“As pessoas estão desacreditadas. Você fala do auxílio e elas falam que só vão acreditar quando cair na conta.”

Folha  

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