Brasil está apoiando desmatamento pela pecuária

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Foto: Reprodução/ Uol

Na primeira aparição pública que o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) fez no estande do Brasil na COP26, a conferência do clima em Glasgow, na Escócia, ele destacou os resultados do RenovaBio, a política nacional de biocombustíveis que mira a redução de gases de efeito estufa.

“Um programa que vale muito a pena, aplicado em benefício da sociedade brasileira e para o cumprimento das metas de descarbonização do país”, sintetizou.

À primeira vista, o projeto tem o mérito de ter evitado a emissão de 40 milhões de toneladas de gases de efeito estufa em dois anos.

Mas um olhar mais atento revela um ponto cego que vai na direção contrária e acaba premiando justamente o setor que mais contribui para as emissões no Brasil: a pecuária. Quem leva vantagem são frigoríficos com profundas conexões com o desmatamento, como a JBS e a Minerva.

Isso porque o RenovaBio permite que tais frigoríficos —que, além de proteína animal, também produzem biodiesel com o sebo dos bois abatidos— vendam créditos de carbono, que são papéis negociados no mercado financeiro por quem evita emissões.

É como se as operações desses frigoríficos retirassem carbono da atmosfera, quando, na verdade, eles são parte da atividade que mais contribui para o aquecimento global no Brasil.

Em 2020, a JBS, maior produtor de proteína animal do planeta, gerou 430 mil Créditos de Descarbonização (CBios) com a produção de biodiesel.

Considerando o preço médio de um CBio ao longo do ano passado (R$ 43), a JBS pode ter lucrado mais de R$ 18 milhões com a operação, sem contar o valor recebido pela venda do biocombustível em si.

A Minerva, outra gigante do setor pecuário, também certificada no RenovaBio, poderia obter receita extra de R$ 3,3 milhões com os CBios, utilizando como base o valor médio do título (R$ 36) entre 1º de maio e 15 de outubro.

As duas empresas podem vender créditos de carbono apesar de serem, segundo o Imazon, o primeiro e o oitavo frigoríficos da Amazônia com maior risco de provocarem desmatamento, respectivamente.

Em 2020, as derrubadas de floresta lideraram as emissões no país, respondendo por 46% do total de gases de efeito estufa jogado na atmosfera pelo Brasil. O segundo maior emissor é o setor agropecuário, do qual a criação de gado de corte é a fatia principal (62%).

O biodiesel produzido pela JBS e pela Minerva usa como principal matéria-prima o sebo dos bois —o que torna real a chance de que esse produto esteja “contaminado” pelo desmatamento.

Em outubro, o Ministério Público Federal demonstrou que 32% dos abates da JBS no Pará tinham irregularidades socioambientais.

Entre 2018 e o primeiro semestre de 2019, a JBS abateu mais de 285 mil animais criados em fazendas desmatadas ilegalmente. A empresa se comprometeu com o MPF a bloquear fornecedores irregulares.

A procuradoria da República não encontrou problemas nas compras da Minerva no Pará, porém a Repórter Brasil já identificou a companhia abatendo gado de desmatadores em estados como Tocantins e Mato Grosso.

A JBS explicou, em nota, que “conta com uma política de compra responsável de matéria-prima para seus fornecedores diretos” e que implementou um programa para cobrar regularidade socioambiental dos “fornecedores de seus fornecedores”.

Já a Minerva diz que é a “primeira companhia do setor a avançar com ações para avaliação da cadeia de fornecedores indiretos” e elenca medidas adotadas para reduzir as emissões. Veja a íntegra das respostas.

Ponto cego
Se o biodiesel da JBS e da Minerva fosse produzido com soja, a história seria diferente. O RenovaBio veda a geração de créditos de carbono para qualquer biocombustível vegetal que não comprove origem regular da matéria-prima. É preciso demonstrar que toda a cadeia produtiva não esteja manchada por desmatamento ilegal.

Soja plantada em área de desmatamento ou em propriedades sem inscrição no Cadastro Ambiental Rural pode até ser transformada em biodiesel, mas não gera créditos de carbono para a empresa produtora.

Mas o sebo de boi é considerado um resíduo do processo industrial de fabricação de carne, por isso, a cadeia de criação dos animais é desconsiderada —é como se sua origem fosse o abatedouro, e não uma fazenda.

Essa distinção acaba criando um ponto cego na política porque desconsidera o fato de que 90% das áreas desmatadas na Amazônia viram pasto para boi.

“Essa seria uma distorção [ou seja, ignorar o fato de que a pecuária é a principal responsável pelo desmatamento] que a gente não gostaria de ver, porém, dentro das regras do programa não está errado”, afirma Felipe Bottini, da Green Domus, uma das empresas certificadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para realizar as auditorias nas fabricantes credenciadas no RenovaBio.

A ANP afirma que o uso do sebo de boi para a produção de biocombustíveis possibilita o aproveitamento desse material.

Outros usos não geram créditos de carbono
O reaproveitamento do sebo de boi não nasceu com o RenovaBio. Antes de ser matéria-prima para biocombustível, esse resíduo já estava presente na fabricação de material de limpeza, tinta e verniz —áreas onde os grandes frigoríficos também atuam.

“Como o Brasil se tornou o maior exportador de proteína animal do mundo, a quantidade de sebo bovino é muito grande para ser absorvida pelos mercados tradicionais, o que poderia gerar um passivo ambiental. O biodiesel é importante porque passou a ser um destino sustentável”, afirma Sergio Beltrão, secretário-executivo da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene.

Mas, ao contrário do biocombustível, nenhum dos outros usos do sebo de boi autoriza os frigoríficos a gerarem e venderem créditos de carbono por sua fabricação. “Esse é realmente pode ser um ponto de aprimoramento e melhoria do programa”, afirma Marcelo Morandi, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente e responsável pela metodologia do RenovaBio.

O RenovaBio foi criado como um esforço para atingir as metas do Acordo de Paris e seu foco é descarbonizar o setor de transportes —importante fonte de emissão de gases de efeito estufa.

É por isso que o programa estabeleceu um mercado de carbono: de um lado, distribuidores de combustíveis são obrigados a comprarem CBios, para compensarem as emissões de CO2 dos combustíveis fósseis que vendem. De outro, certifica fabricantes de biocombustíveis para emitirem esses créditos de forma proporcional à economia de carbono que seus produtos trazem, na teoria, em relação aos parentes fósseis.

“O programa tem sido um sucesso dentro do seu propósito, mas está em processo contínuo de melhoria e é importante considerar como ele conversa com as outras cadeias. A economia está mudando e essa exigência de rastreamento de cadeias para outros setores como o da carne poderia trazer mais segurança para o RenovaBio”, diz Morandi.

Uol

 

 

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