Chefe do GSI libera garimpo em áreas de preservação

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Foto: Christian Braga – 18.abr.2021/Greenpeace

O general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, autorizou o avanço de sete projetos de exploração de ouro numa região praticamente intocada da Amazônia, gesto inédito do Conselho de Defesa Nacional nos últimos dez anos.

Heleno, que despacha no Palácio do Planalto e que se coloca como um dos principais conselheiros de Jair Bolsonaro, é secretário-executivo do Conselho de Defesa, órgão que aconselha o presidente em assuntos de soberania e defesa.

Cabe ao ministro do GSI dar aval ou o não a projetos de mineração na faixa de fronteira, numa largura de 150 km.

Com base em projetos encaminhados pela ANM (Agência Nacional de Mineração), o general autorizou em 2021 sete projetos de pesquisa de ouro na região de São Gabriel da Cachoeira (AM). O lugar é conhecido como Cabeça do Cachorro e está no extremo noroeste do Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.

Na região estão 23 etnias indígenas. São Gabriel da Cachoeira é a cidade mais indígena do Brasil. A Cabeça do Cachorro é uma das áreas mais preservadas da Amazônia e uma das últimas fronteiras sem atividades que resultam em desmatamento elevado.

A Folha analisou os extratos de 2.004 atos de assentimento prévio, como são chamadas as autorizações dadas pelo Conselho de Defesa Nacional para a faixa de fronteira, publicados nos últimos dez anos. Para isso, usou a base de dados mantida pelo próprio GSI. Os extratos são publicados no Diário Oficial da União.

As primeiras autorizações para empresas e empresários pesquisarem ouro na região de São Gabriel da Cachoeira foram dadas em 2021, levando-se em conta o levantamento feito nos atos dos últimos dez anos.

Questionada pela Folha, a ANM não respondeu se já houve autorização para pesquisa de ouro na Cabeça do Cachorro antes. Os dados públicos indicam que não.

Uma autorização de pesquisa permite “atividades de análise e estudo da área em que se pretende lavrar”, conforme a ANM. São os trabalhos necessários para se definir uma jazida de um minério.

O levantamento feito pela reportagem mostra que Heleno concedeu 81 autorizações de mineração na Amazônia desde 2019, entre permissões de pesquisa e de lavra de minérios. A maior quantidade foi em 2021: 45, conforme atos publicados até o último dia 2, sendo essa a maior quantidade num ano desde 2013. O número pode aumentar, pois pode haver novos atos em dezembro.

Os assentimentos prévios no governo Bolsonaro, incentivador do garimpo em terras da União, envolvem área de 587 mil hectares, quase quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Apenas os sete projetos na região de São Gabriel da Cachoeira englobam 12,7 mil hectares.

Os registros da ANM mostram que 6 dos 7 empreendimentos ocorrem em “terrenos da União”. Os documentos não detalham que terrenos são esses, numa região onde estão o Parque Nacional do Pico da Neblina e terras indígenas.

O GSI afirmou, em nota, que há atos de assentimento em toda a região amazônica, voltados a pesquisa ou exploração de “diversos minerais considerados estratégicos para o Brasil nas últimas décadas”. Os processos são instruídos pela ANM, segundo o GSI.

“A concessão de assentimento prévio para pesquisa ou lavra de ouro na região amazônica segue os mesmos ritos procedimentais que qualquer outro mineral, independente da região da faixa de fronteira em que se localiza, sob pena de causar prejuízos à União, estados e municípios caso houvesse qualquer tipo de favorecimento de uma região para outra”, diz a nota.

A passagem pelo Conselho de Defesa mantém o controle e monitoramento de atividades em áreas sensíveis e disponibiliza informações importantes para tomada de decisões pelo presidente, de acordo com o GSI. “Não se evidenciou impedimento legal à solicitação dos interessados para o secretário-executivo assinar os atos de assentimento.”

A Folha consultou dois documentos do GSI que orientaram os assentimentos prévios, com base em processos e pareceres favoráveis enviados pela ANM. Os outros cinco são mantidos em sigilo.

Heleno permitiu que Avemar Roberto Rocha pesquise ouro numa área de 553 hectares em São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, conforme decisão em 26 de julho de 2021. O documento do GSI mostra que a área da União está entre duas terras indígenas e um pouco abaixo do parque do Parque Nacional do Pico da Neblina.

Já Roniely Oldenburg Barbosa ganhou aval do GSI para prospectar ouro em 66 hectares em São Gabriel da Cachoeira e Japurá, de acordo com ato do general Heleno de 7 de abril de 2021. A área no primeiro município está entre uma terra indígena e o Rio Negro.

A reportagem não localizou Rocha. Barbosa não respondeu a contatos em rede social.

As autorizações dadas têm duas empresas como beneficiárias. Uma delas, a SF Paim, com sede em São Gabriel da Cachoeira, poderá pesquisar ouro em 1.110 hectares.

A empresa teve contrato assinado no fim de 2020 com a coordenação regional do Rio Negro da Funai (Fundação Nacional do Índio). O valor foi de R$ 679 mil, para serviços de engenharia. Em agosto de 2021, o GSI permitiu que a empresa pesquise ouro na faixa de fronteira da Cabeça do Cachorro.

A reportagem não conseguiu contato no telefone informado pela própria SF Paim.

Já a Amazonrios Navegação, empresa de transporte em balsas em diferentes estados na Amazônia, poderá pesquisar ouro, nióbio e tântalo em área de 9.676 hectares. O ato do general Heleno é do último dia 2. Segundo o informado à ANM, trata-se de “propriedade de terceiros”. Também não foi possível contato pelos números informados.

O casal Fernando Mondini e Jerusa Coelho Mondini, sócios de empresa de construção e reparação de embarcações e de aluguel de máquinas para extração de minério, conseguiu cada um autorizações do GSI.

A área dele, de 215 hectares, envolve o município de Santa Isabel do Rio Negro. A dela, de 764 hectares, fica em São Gabriel da Cachoeira. O empresário planeja gastar R$ 150 mil com “sondagem por draga e coleta de amostras por tapete”.

Outros R$ 150 mil devem ser para “teste de beneficiamento”. E mais R$ 150 mil com levantamentos geoquímicos. O projeto da sócia também envolve dragagem, orçado em R$ 800 mil.

​Ao telefone, Jerusa disse que o marido retornaria a ligação, o que não ocorreu.

Em nota, a ANM afirmou que requerimentos de mineração só podem incidir em áreas livres e desoneradas. “A ANM não aprovará o requerimento de qualquer título minerário se este incidir em área onerada ou em área com qualquer outro bloqueio legal, a exemplo de terras indígenas ou unidades de conservação de proteção integral.”

Folha de S. Paulo

 

 

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