Emendas parlamentares pagaram equipamentos antisseca inúteis

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Foto: Karime Xavier/Folhapress

O governo de Jair Bolsonaro mantém em estoque dezenas de cisternas, caixas-d’água, tratores, implementos agrícolas e tubos de irrigação comprados com recursos de emendas parlamentares, centro da política do chamado tomá lá dá cá, alvo de críticas do presidente na campanha de 2018, mas depois consolidado ao longo de seu governo na relação com o Congresso.

Vários equipamentos são mantidos amontoados em depósitos da Codevasf em Petrolina (PE), a 713 km do Recife, e já dão sinais de desgaste com o tempo. Alguns deles, como canos e reservatórios de água, estão lá há mais de um ano, segundo relato de moradores da região.

Eles suspeitam que os produtos estejam sendo guardados para distribuição no ano eleitoral de 2022.

O maior número de bens está em um depósito da Codevasf dedicado a um projeto de irrigação chamado Pontal Sul, que fica a cerca de 70 km do centro de Petrolina.

A Codesvasf é a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, um dos eixos de distribuição de recursos das emendas usadas como moeda de troca política.

Com o auxílio de um drone, a reportagem da Folha verificou no local dezenas de cisternas de polietileno (que os agricultores chamam de cisternas de plástico) com capacidade para 15 mil litros, além de tubos, tratores, retroescavadeiras e implementos agrícolas, como arados.

Os materiais que mais apresentam sinais de deterioração pelo tempo são centenas de canos que já mostram uma cor amarronzada.

Pedro Ronilton Alencar de Sousa, 42, é um dos agricultores que passa com frequência pelo local e lamenta que os materiais estejam estocados. “Tem muita coisa parada aí, muita coisa que era para estar nas comunidades, nas associações”, diz.

O lavrador destaca a situação dos tubos armazenados no depósito. “Pela cor do material, isso aí já está exposto há mais de um ano. Há lugares como represas, açudes, se isso fosse para as comunidades, dava para fazer uma adutora para suprir um vilarejo ou as casas mais próximas”, diz.

O outro depósito da Codevasf visitado pela reportagem fica no setor C-3 da área conhecida como perímetro irrigado senador Nilo Coelho.

No local, o que mais chama a atenção são dezenas de caixas-d’água com capacidade para 5.000 litros que estão destampadas e acumulando água. Em um terreno na frente do depósito, também estão armazenados equipamentos agrícolas adquiridos pela Codevasf.

Segundo líderes rurais da região, a saída de equipamentos dos depósitos ocorre de forma pontual, com a distribuição feita para pessoas e associações escolhidas a dedo pelos congressistas “padrinhos” das emendas parlamentares que financiaram a compra dos bens.

Nos anos de 2019 e 2020 a superintendência regional da Codevasf com sede em Petrolina gastou cerca de R$ 490 milhões oriundos de emendas parlamentares.

Elas foram apresentadas por 26 congressistas da bancada pernambucana, de vários partidos de situação e oposição, de acordo com relatório fornecido pelo órgão federal à Câmara Municipal de Petrolina, por solicitação do vereador Gilmar dos Santos Pereira (PT).

Porém quase 70% das verbas foram destinadas pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Do total, pelo menos R$ 125 milhões foram endereçados pelo senador por meio das chamadas emendas do relator, de acordo com documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Atualmente, a emenda de relator é peça-chave no jogo político em Brasília, pois é distribuída por governistas em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões. ​

Segundo o relatório da Codevasf de Petrolina, no biênio 2019/2020 a regional do órgão federal usou 28% dos recursos provenientes de emendas para compra de máquinas e equipamentos, 9% para perfuração e instalação de poços e 7% para recuperação e implantação de reservatórios hídricos, o que corresponde a um total de cerca de R$ 215 milhões.

Como a Folha mostrou na segunda-feira, a indicação pessoal e sem critérios objetivos por meio de emendas ocorre ao mesmo tempo em que é realizado um desmonte do programa federal de entrega de cisternas, intitulado Programa Cisternas, que possui regras gerais e fiscalização social por conselhos municipais, associações e ONGs.

A gestão Bolsonaro caminha para fechar o pior ano de implantação de cisternas para populações de regiões que convivem com a seca desde 2003, quando foi lançado o programa federal sob Lula (PT).

O projeto instalou mais de 100 mil reservatórios em um único ano e se aproximava da marca geral de 1 milhão de unidades, mas agora deve ter apenas 3.000 reservatórios entregues em 2021, segundo projeção informada à Folha pelo Ministério da Cidadania.

No caso de Petrolina, a entrega de cisternas compradas com verba federal tem sido condicionada ao apoio político ao grupo do filho do senador Fernando Bezerra Coelho, o prefeito do município Miguel Coelho (DEM), ​como a Folha revelou no domingo (5).

A distribuição desses reservatórios de água com verba federal está contaminada pela “politicagem”, segundo relato de moradores da zona rural do município.

A entrega das caixas-d’água não atende necessariamente a quem mais precisa, e sim a quem a aceita como moeda de troca ou é mais próximo dos políticos.

O resultado disso é uma situação insólita em meio a uma região atingida pela estiagem: excesso de cisternas para aliados e escassez para quem não adere ao toma lá dá cá.

Em Afrânio, município que fica a 778 km do Recife e é vizinho de Petrolina, um processo de investigação eleitoral no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Pernambuco apura eventuais ilegalidades na distribuição de reservatórios comprados com recursos de emenda apresentada pelo político Adalberto Cavalcanti (PTB-PE) em 2018, quando ele era deputado federal.

Adversários políticos acusam Cavalcanti de supostamente orientar distribuição feita pela Codevasf entre 2019 e 2020 para beneficiar seus aliados, o que ele nega em juízo.

AQUISIÇÃO E DOAÇÃO SÃO CONTÍNUOS, DIZ GOVERNO
A Folha procurou a Codevasf para que o órgão respondesse principalmente sobre os equipamentos armazenados há mais de um ano em seus depósitos em Petrolina.

A manifestação da Codevasf, porém, relata apenas de forma genérica procedimentos quanto ao manejo de seus depósitos e à distribuição dos produtos.

Em resposta via nota de sua assessoria de imprensa, o órgão afirma que “aquisições e doações de bens pela Codevasf ocorrem continuamente.

Por essa razão, é esperado que sempre haja grande quantidade de equipamentos nos espaços de armazenamento da companhia, em transição entre a entrega por fornecedores e a transferência para beneficiários. O estoque é dinâmico e renova-se constantemente”.

“A transferência de bens para beneficiários requer processo administrativo associado a elaboração de relatórios, avaliação de conveniência socioeconômica, visitas técnicas, emissão de pareceres e publicação de informações no Diário Oficial da União. Até que sejam finalizados, os procedimentos demandam a permanência momentânea dos equipamentos em áreas de armazenamento”, de acordo com a Codevasf.

Segundo a nota, “a dilatação de prazos de transferência de bens ocorre pontualmente em razão da necessidade de que o ente beneficiário apresente documentos exigidos por lei”.

“Após a verificação de aptidão, os termos de doação são assinados e os equipamentos são entregues. A Codevasf tem interesse em que os bens proporcionem benefícios à sociedade com a máxima brevidade, com observância de ritos legais e administrativos”.

O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019

O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
emendas de comissão permanente: R$ 0
​emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões

Folha de S. Paulo

 

 

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