Família do presidente da Câmara faz farra na Codevasf

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Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

O cheiro de asfalto novo toma conta do distrito de Luziápolis, zona rural de Campo Alegre (90 km de Maceió). Nas vias que ficam às margens da BR-101, junto à praça de eventos onde está sendo montado um parque de diversões, a pavimentação está nova em folha.

Ao lado de uma escola, um caminhão descarrega a piçarra ao longo da via, preparando a base para a nova camada de asfalto que logo será assentada. O distrito de cerca de 20 mil habitantes é base fiel da família Pereira, cujo principal líder foi alçado em abril ao posto de superintendente da Codevasf em Alagoas.

“A família Pereira não tem pareia. Ninguém pode falar mal”, diz o aposentado João Ferreira, 71, enquanto via o asfalto começar a ganhar corpo na rua em frente à sua casa.

No posto de superintendente regional da Codevasf em Alagoas, João José Pereira Filho (PP), o Joãozinho Pereira, fez do órgão federal uma espécie de governo local paralelo.

Ele libera recursos por meio de emendas do relator e entrega equipamentos para municípios que são redutos eleitorais de sua família e fecha as torneiras para adversários.

Ex-deputado e ex-prefeito de Teotônio Vilela (97 km de Maceió), Joãozinho chegou ao cargo amparado pelo primo, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP).

Sua posse no cargo, em 1º de abril deste ano, não aconteceu em Penedo, cidade histórica do sul de Alagoas que abriga a sede regional da Codevasf, órgão federal cuja missão institucional consiste em “desenvolver bacias hidrográficas de forma integrada e sustentável”.

Joãozinho tomou posse em solenidade realizada em Campo Alegre, reduto eleitoral de sua família. Seu primeiro ato como superintendente em Alagoas foi a inauguração de obras de pavimentação no município nas quais foram investidos cerca de R$ 600 mil.

No cargo, além de atender às demandas de seu padrinho político Arthur Lira, Joãozinho trabalha para fidelizar seus principais redutos eleitorais e servir como contraponto a prefeitos adversários em cidades onde membros da família e seus aliados foram derrotados.

Líder de um dos principais clãs políticos de Alagoas, Joãozinho não disputou as eleições em 2020. Mas esteve na linha de frente em cinco municípios onde a família tem influência.

A base original da família Pereira é a cidade de Junqueiro, agreste alagoano, que foi governada por quatro mandatos por João José Pereira, patriarca da família que era conhecido como “Prefeitão”.

Aos poucos, a família começou a espraiar sua influência, fincando raízes em Teotônio Vilela, Campo Alegre, São Miguel dos Campos e Palestina.

Membros da família disputaram eleições em quatro dessas cinco cidades no ano passado. Venceram em Campo Alegre e Teotônio Vilela.

Nesta primeira, o primo de Joãozinho, Nicolas Pereira (PP), foi eleito sucessor de Pauline Pereira, irmã do superintendente da Codevasf. Na segunda cidade, o eleito foi Peu Pereira (PP), outro primo do político.

Por outro lado, a família acabou derrotada em outras duas cidades. A mulher de Joãozinho, Izabelle Alcântara Pereira (PP), não obteve sucesso nas urnas ao disputar a Prefeitura de Palestina (209 km de Maceió).

A família também perdeu em São Miguel dos Campos, onde o irmão de Joãozinho, Fernando Pereira (PP), terminou a eleição em terceiro lugar.

A derrota mais doída, contudo, veio em Junqueiro, reduto mais tradicional da família e cidade natal de Arthur Lira. Apoiado pelos Pereira, Carlos Augusto (MDB) perdeu a reeleição para Leandro Silva (PTB), político com quem concorreu em 2016 e venceu por uma diferença de três votos.

Os reveses nas urnas acenderam o alerta da família, que passou a ter a Codevasf como principal instrumento para ganhar terreno em seus redutos, despejando recursos para aliados e estrangulando os cofres dos adversários.

As duas cidades governadas pela família —Campo Alegre e Teotônio Vilela— estão entre as campeãs de repasses em emendas do relator. Campo Alegre recebeu cerca de R$ 20 milhões entre 2020 e 2021 e Teotônio obteve cerca de R$ 12,5 milhões no mesmo período.

Já o município de Junqueiro, que passou a ser governado por adversários dos Pereira, obteve apenas R$ 2,4 milhões no mesmo período.

Esse tipo de emenda desperta questionamentos, inclusive no STF (Supremo Tribunal Federal), pela falta de transparência e de indicação dos deputados e senadores beneficiados.

“Apesar de Arthur Lira ser o homem das emendas, para a cidade natal dele não veio quase nada até agora. Eles dão prioridade para os seus aliados. Quem não é base, sofre”, afirma o prefeito de Junqueiro, Leandro Silva (PTB).

Ele diz ter feito uma série de requerimentos para parcerias com a Codevasf e que nem mesmo as demandas mais simples, como a aquisição de alevinos (peixes recém-saídos dos ovos), não foram atendidas pelo órgão federal.

Pelo contrário. A prefeitura teve que enfrentar uma batalha judicial para retomar equipamentos que haviam sido doados pela Codevasf em 2020. Dois tratores e uma retroescavadeira chegaram ao município com laços de fita amarrados em outubro de 2020, às vésperas da eleição municipal.

Em dezembro, após perder a reeleição, o então prefeito Carlos Augusto enviou um ofício à Codevasf e devolveu os equipamentos. A Codevasf confirmou à Folha que a prefeitura devolveu os equipamentos alegando não dispor de meios para arcar com a manutenção.

“Quando assumi, acionei a Justiça Federal para trazer os tratores de volta. Ele não podia se desfazer de um bem que já era do município”, diz o prefeito Leandro Silva. O maquinário foi devolvido em meados de 2021 após decisão judicial.

Ao mesmo tempo que fecharam as torneiras para o novo prefeito, Joãozinho e seus aliados passaram a atuar como uma espécie de “governo paralelo” nas cidades governadas por seus adversários.

Em maio, tratores foram entregues pela Codevasf para uma associação de produtores rurais do povoado de Riachão, em Junqueiro. O órgão federal também está pavimentando ruas na Comunidade da Palmeirinha com investimentos diretos, sem a participação da prefeitura.

Ao mesmo tempo, a família Pereira tem impulsionado ações assistencialistas por meio o Instituto João José Pereira, com a distribuição de cestas básicas, óculos, cadeiras de roda, caixas-d’água, além de serviços de atendimento médico, exames e cabeleireiro.

Apesar do laço de parentesco com Arthur Lira, a família transita entre as demais forças políticas do estado e ocupa cargos na gestão do governador Renan Filho (MDB). O irmão de Joãozinho, Fernando Pereira, é o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

Por transitar por dois dos principais grupos políticos do estado, a família tenta alavancar o nome da deputada estadual Jó Pereira (MDB), irmã de Joãozinho, como possível candidata a governadora em 2022.

OUTRO LADO
Em nota, o deputado Arthur Lira informou que “todos os recursos de emendas são indicados pelos deputados da bancada alagoana, com indicação de deputados de várias legendas, inclusive de oposição”.

A Codevasf informou que a sua atuação está alinhada com seu propósito de promover o desenvolvimento integrado e sustentável de bacias hidrográficas alcançadas por sua área de abrangência.

Destacou ainda que “encaminhamentos relacionados à responsabilidade por indicações de recursos destinados à Codevasf são externos” ao órgão. E informou que provê informações técnicas aos autores de emendas ao Orçamento, com o objetivo de subsidiar as decisões.

O ex-prefeito de Junqueiro Carlos Augusto e o superintendente da Codevasf, Joãozinho Pereira, não retornaram os contatos feitos pela reportagem.

ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019

O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021

Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
Emendas de comissão permanente: R$ 0
​Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões

Folha de S. Paulo

 

 

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