Eleição deste ano será a mais cara da história

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O Estado brasileiro cobra muito de seus cidadãos e entrega pouco. Quando entrega, ainda escolhe as prioridades erradas. O exemplo mais grotesco (e recente) dessa esdrúxula gestão de recursos da União é o financiamento público de campanhas. Insensíveis aos reais problemas brasileiros, os parlamentares aprovaram uma verba de 4,9 bilhões de reais para o Fundo Eleitoral, o montante destinado aos partidos para financiar as campanhas. A medida, que, num raro momento de lucidez, havia sido vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, passa a valer já para as eleições deste ano. Só para se ter uma ideia do tamanho da autoindulgência dos senhores congressistas, a soma é quase o triplo do 1,7 bilhão de reais da disputa de 2018.

Para piorar, nenhum cálculo matemático sustenta o apetite político-eleitoral. As receitas totais do país aumentaram apenas 37% entre 2018 e 2022, pouco mais de 10 pontos acima da inflação (em torno de 25%). Há outras comparações desfavoráveis. O valor aprovado é maior, por exemplo, que o reservado à compra de vacinas (3,9 bilhões de reais), sabidamente uma emergência para o país. E teve mais. O Fundo Partidário, que é destinado anualmente às siglas para custear as suas despesas de rotina, foi reajustado em 17% e chegou a 1,1 bilhão de reais. Somadas as duas fontes, o montante nas mãos das legendas chegará a 6 bilhões de reais em 2022, o que já faz da próxima eleição a mais cara da história. Só com dinheiro público ela supera a ex-recordista, a disputa de 2014, quando ainda era permitida a doação eleitoral por empresas

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A euforia dos atuais caciques com o modelo — e até do baixo clero do Congresso — é mais do que justificada. A regra atual favorece quem comanda as máquinas partidárias, e a distribuição de dinheiro quase sempre privilegia políticos com mandato. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que nas eleições de 2018, as primeiras com o Fundo Eleitoral, estados pequenos como Amapá e Acre já tiveram naquele ano um crescimento acima de 100% na média de gastos eleitorais na comparação com 2014, o que indicava que os cofres públicos injetavam mais dinheiro do que os partidos normalmente gastariam. A mesma pesquisa mostra que diretórios aplicam até seis vezes mais verba nas campanhas à reeleição do que em novos candidatos.

Uma consequência óbvia do modelo, portanto, é que ele inibe a renovação política ao deixar os novatos em desigualdade em relação aos ungidos pelas máquinas partidárias. Com mais dinheiro, é possível ter mais estrutura nas campanhas de rua e mais condições de produzir vídeos de qualidade e impulsionar postagens, por exemplo. De forma geral, estudiosos rejeitam a tese de que as redes sociais tornaram desnecessário o investimento em viagens e propaganda, como chegou a ser alardeado após a vitória de Bolsonaro, ancorado na internet e no WhatsApp e com pouco dinheiro e tempo de TV. Para muitos, o ambiente do país, tomado pela antipolítica, favoreceu a estratégia, mas o que houve foi algo fora da curva. “Eleições precisam, sim, de pessoas na rua, bandeiras, comitês trabalhando, e isso gera muito gasto”, afirma Roberto Gondo, professor de comunicação política da Universidade Mackenzie.

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Outro problema do sistema é que ele tende a reforçar a polarização registrada, por ora, na corrida presidencial. Metade do valor dos fundos estará sob o controle de um punhado de partidos. Praticamente fechada no apoio à reeleição de Bolsonaro, a trinca do Centrão — PL, PP e Republicanos — terá 1 bilhão de reais na campanha. Com a segunda maior bancada na Câmara, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva ficará com 582 milhões de reais (veja o quadro). Nesse cenário, cresce a importância do União Brasil, que nascerá da fusão de PSL e DEM e levará mais de 900 milhões de reais para a eleição. Sem candidato, a sigla é cortejada por Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), já que a dinheirama poderá ajudar a equilibrar a disputa com o petismo e o bolsonarismo.

Por ironia, o duto de dinheiro público para partidos foi aberto por uma iniciativa eivada de boas intenções. O atual modelo surgiu em meio ao terremoto provocado pela Lava-Jato, que trouxe à tona esquemas de desvio de dinheiro, principalmente da Petrobras, para irrigar o caixa dois de campanhas. A operação tinha um ano e meio quando, em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou que as doações de empresas a partidos e candidatos eram inconstitucionais. A criminalização das doações empresariais abriu a caixa de Pandora da atração por verba pública e criou um certo desestímulo à busca por apoio privado — ainda são permitidas as doações por pessoas físicas. “O político não precisa ficar fazendo vaquinha virtual, pois já tem um caminhão de dinheiro do partido. Isso é ruim, diminui o vínculo da classe política com doadores pequenos”, diz o pesquisador-assistente Arthur Fisch, do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da FGV.

Não se trata de demonizar o financiamento eleitoral público, até porque a ampla maioria dos países adota esse modelo — na Europa, só Itália, Suíça e Belarus não tem —, segundo o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). Mas há limites. Na França e Portugal, o Estado banca menos da metade da campanha, o que leva os partidos a buscar doações. Na Alemanha, a legenda recebe 45 centavos para cada euro doado por pessoas físicas, e 83 centavos por voto. Nos EUA, há sistemas de financiamento público que variam de acordo com o estado, mas estão caindo em desuso nas eleições presidenciais. A maior parte da arrecadação é feita pelos Comitês de Ação Política (PACs), que podem receber dinheiro de empresas, mas não daquelas que são contratadas diretamente pelo governo.

No Brasil, será muito difícil que a classe política mude algo que esteja, a seu ver, funcionando bem. Bolsonaro saiu derrotado da discussão sobre o financiamento público duas vezes. Ameaçou vetar o Fundo Eleitoral já no seu primeiro ano de mandato — e recuou pouco depois, alegando que o Congresso poderia abrir um processo de impeachment. Em 2021, disse que vetaria parcialmente o valor, o que não era possível. Como era de esperar em um governo com um presidente fraco e um Congresso forte, o veto integral foi derrubado com folga. Resta saber o que sairá disso tudo. As eleições de 2022, com a magnitude de dinheiro público envolvido, serão um bom teste para o sistema. Democracia, como se convencionou dizer, custa caro, mas, em um país com tantas outras necessidades, poderia custar bem mais barato.

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