Mexicanos marcham contra assassinatos de jornalistas

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Foto: MAHE ELIPE / REUTERS

Moradores de mais de 30 cidades mexicanas foram às ruas na terça-feira para protestar contra a violência sofrida por jornalistas de todo o país. O México é o lugar mais perigoso do mundo para praticar o ofício, com dezenas de assassinatos todos os anos e centenas de agressões. A impunidade reina. Todos os anos, cerca de 90% dos crimes se perdem nos arquivos dos promotores. Os ataques à liberdade de expressão não são exceção.

Na Cidade do México, 500 pessoas se reuniram em frente ao Ministério do Interior, centro nevrálgico do poder federal. Grupos de repórteres e profissionais vindos de outros estados penduraram um cartaz na entrada, exigindo justiça para os companheiros assassinados, principalmente para os três mais recentes. Nas primeiras semanas de janeiro, criminosos mataram a repórter Lourdes Maldonado e o fotojornalista Margarito Martínez, em Tijuana, e José Luis Gamboa, em Veracruz.

— Estou aqui em solidariedade à classe (de jornalistas) — dizia a advogada Frida Romay. — Este governo se diz de esquerda, mas com suas ações nos demonstra que não é bem assim. Devemos cuidar da verdade.

Repórteres levaram o microfone em procissão, um exercício catártico sobre as agruras do trabalho, sobretudo nas vilas e cidades médias onde as máfias envenenam a vida pública. Eram todas reivindicações a um governo que eles sentem estar distante.

— Onde está Encinas? — questionava um dos manifestantes, referindo-se a Alejandro Encinas, ex-ministro e autoridade encarregada de garantir os direitos humanos no país.

Nenhum representante do governo compareceu ao protesto.

As cifras são deprimentes. Os três ataques fatais deste ano contra jornalistas e os nove de 2021 são somente ecos de um grito que se ouve há mais de duas décadas no país. Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), pelo menos 138 repórteres foram mortos no México desde 1992, ano em que começou a documentação dos ataques à imprensa. Para a comissão local da organização Artigo 19, a contagem é de 145 desde 2000.

A diferença entre os números corresponde à capacidade das autoridades mexicanas de estabelecer vínculos entre os ataques e o trabalho jornalístico das vítimas. Ou seja, se há confirmação do motivo dos ataques e se eles apontam para o trabalho dos repórteres ou não. De qualquer forma, os números são altíssimos e mostram a incapacidade do governo, esmagado por uma onda de violência que deixou mais de 30 mil assassinatos no país em cada um dos últimos quatro anos.

A marcha em Tijuana, epicentro do horror da violência contra a imprensa nos dias de hoje, avançou silenciosamente em direção à sede do Ministério Público. Ao contrário do resto dos protestos, mais de cem pessoas — em sua maioria jornalistas — caminharam silenciosamente pelo Paseo de Los Héroes com os últimos raios de sol nesta cidade fronteiriça. A poucos quilômetros daqui foram assassinados a sangue frio, nas portas de suas casas, dois companheiros: Margarito Martínez e Lourdes Maldonado.

— Não esperava que fosse doer tanto — comentou um jornalista de olhos vidrados para a diretora do lendário ZETA Weekly, Adela Navarro. — Ainda não tínhamos nos recuperado da morte de Margarito quando mataram Lourdes.

— Estamos aqui para pedir justiça, é por isso que estamos aqui. Também para homenagear, embora saibamos que a melhor homenagem é justamente exigir justiça — disse José Ibarra, do veículo Siempre en la Noticia, ao chegar às portas do Ministério Público.

— Estamos saindo de nossas redações e parando de cobrir eventos devido ao assassinato de nossos colegas — completou Aline Corpus, repórter do Reforma, antes de ler o comunicado que todos os meios de comunicação nacionais assinaram e que foi divulgado em outras passeatas no país.

Assim como Corpus, uma série de colegas pegou o microfone para denunciar um fato que deixou a classe ferida:

— Vemos com raiva e indignação que os crimes no país continuam impunes. Matar um jornalista no México é como não matar ninguém. Longe de uma investigação séria, os números estão aumentando. A presença do crime organizado em conluio com os governos permitiu o silêncio e coloca em risco nosso trabalho — acrescentou Inés García, de Punto Norte.

E Mariné Zavala, da Telemundo, fez um alerta:

— Temos que reconsiderar o quão seguros estamos para fazer nosso trabalho.

Com a dor nos ombros e sob as máscaras, com o medo preso na garganta, todos caminharam em direção ao Ministério Público. Algumas faixas gritavam o que os manifestantes haviam concordado em silenciar durante a viagem: “Um país que mata jornalistas não é um país seguro”.

Velas, rosas brancas e fotos de Margarito Martínez e Lourdes Maldonado desfilaram a caminho da promotoria, em meio ao som de flashes e cães latindo. Alguns caminharam um pouco e depois correram para a frente para tirar fotos; outros escreveram a crônica do dia em seus celulares usando apenas uma mão, enquanto seguravam uma faixa debaixo do braço. A maioria deles continuou a fazer seus trabalhos enquanto protestava para exigir que suas vidas não estivessem em jogo em troca.

A rotina diária em Tijuana era normal. Apesar do engarrafamento, nenhum carro, no entanto, se atreveu usar a buzina para reclamar. Esta manifestação foi um funeral de rua. E assim, de luto, juntos, pensando que qualquer um poderia ser o próximo, despediram-se de dois colegas esta terça-feira. Antes de encerrar o ato, ainda levantaram a voz furiosamente:

— Força, camaradas! Viva Lourdes e Margarito! Viva a imprensa livre!

Lentamente, com giz e uma câmera no pescoço, um fotógrafo de Ciudad Juárez escreveu a palavra justiça. Ele rabiscou no chão de cimento na frente das três fotos de seus colegas mortos enquanto outros colegas tiravam fotos dele e apontavam seus holofotes para ele. Eram 50 deles e ninguém falava, ninguém estava acostumado a estar do outro lado da câmera. Eles acenderam as velas silenciosamente e colocaram alguns cartazes. O protesto foi na Praça do Jornalista, no centro já vazio da cidade fronteiriça ao anoitecer, ao lado das placas que lembram os nomes dos repórteres que morreram ao longo dos anos.

Em um curto discurso, a fotojornalista Alicia Hernández ousou dizer que essa mobilização nasce do cansaço. Três mortes em três semanas é demais, mesmo para uma categoria que suporta pressões e ameaças diariamente. A que Maldonado, Martínez e Gamboa sofreram é uma violência que Juarez conhece bem. O motorista Arturo Alba Medina foi assassinado em outubro de 2020 após deixar um programa em que denunciava corrupção dentro da polícia. Ele foi morto a tiros enquanto dirigia. Foi o sexta na cidade fronteiriça desde 2000, sendo 23 no Estado de Chihuahua.

Diante disso, a única coisa que restou foi a solidariedade entre colegas, diz Hernández. Jornalistas cobrindo jornalistas.

— Companheirismo — diz Gustavo Calzada, que tem 23 anos e estuda Jornalismo na Universidade de Ciudad Juárez. Ele diz, segurando firmemente a fotografia de Gamboa, que não sente medo.

Desde Vicente Fox (2000-2006), o México teve governos de três partidos diferentes e nenhum tratou do problema da violência, e muito menos dos ataques contra jornalistas. Primeiro o PAN, com o próprio Fox e Felipe Calderón (2006-2012), depois o PRI, com Enrique Peña Nieto (2012-2018) e agora Andrés Manuel López Obrador, com Morena (2018-2024), os ataques se sucedem com regularidade escandalosa. Todos os governos lidaram com momentos críticos, mas nenhum tão sério a ponto de gerar uma mudança de paradigma.

Não foi por falta de indignação. Com a morte de Breach e Valdez, uma onda de protestos, apoiados por grupos de jornalistas estrangeiros e organizações internacionais, atraiu uma promessa de mudança do Executivo, então liderado por Peña Nieto. O presidente prometeu fortalecer os dois instrumentos à disposição do Estado para proteger os jornalistas: a Procuradoria Especializada em Crimes contra a Liberdade de Expressão e o mecanismo de proteção de jornalistas e ativistas do Ministério do Interior.

Com três assassinatos em três semanas, a suspeita paira sobre as duas ferramentas novamente. A falta de um protocolo de revisão no mais alto nível do governo federal ou da Procuradoria-Geral da República e a fraca resposta do governo aos ataques convidam-nos a pensar em poucas mudanças e um futuro de novos protestos, novas agressões. Um ciclo interminável.

O Globo 

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No alvorecer de 2017, o blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de operação da Polícia Federal não por ter cometido qualquer tipo de crime, mas por ter feito jornalismo publicando neste Blog matéria sobre a 24a fase da Operação Lava Jato, que focava no ex-presidente Lula.

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