Por que as pesquisas divergem?

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Foto: Montagem/VEJA

2022 começa com Lula da Silva líder em todas as pesquisas e vencendo ou no primeiro ou no segundo turno com uma vantagem de 20 milhões de votos. Não importa a pesquisa, ninguém teve essa vantagem na jovem democracia brasileira. As pesquisas concordam na liderança de Lula, na rejeição recorde do governo Bolsonaro, na recusa da maioria dos eleitores em votar na reeleição do presidente em qualquer circunstância e na falta de fôlego dos demais candidatos, que tem mais espaço nos jornais do que no coração dos eleitores.

Se concordam em muitos pontos, no entanto, as seis empresas de pesquisas mais confiáveis discordam em um ponto fundamental: Lula pode ou não vencer no primeiro turno? Para o IPEC (antigo Ibope), Datafolha e Quaest, sim. Para Poder360, Ideia e Ipespe, não. A diferença se explica pelo método. As três primeiras empresas fazem suas entrevistas presencialmente, as outras três por telefone. Aos números:

Quaest (05/dez 2.037 entrevistas presenciais, encomendada pela Genial Investimentos)

Lula 46%

Bolsonaro 23%

Moro 10%

Ciro 5%

Doria 2%

Não sei/Branco/Nulo 12%

Ideia (10/dez, 1.200 entrevistas por telefone, publicada pela revista Exame)

Lula 42%

Bolsonaro 30%

Moro 11%

Ciro 8%

Doria 4%

Não sei/Branco/Nulo 6%

IPEC (13/dez, 2.002 entrevistas presenciais)

Lula 49%

Bolsonaro 22%

Moro 8%

Ciro 5%

Doria 3%

Não sei/Branco/Nulo 12%

Datafolha (16/dez, 3.666 entrevistas presenciais, publicada pela Folha de S. Paulo)

Lula 48%

Bolsonaro 22%

Moro 9%

Ciro 7%

Doria 4%

Não sei/Branco/Nulo 10%

Ipespe (20/dez, 1.000 entrevistas por telefone, encomenda pela XP)

Lula 45%

Bolsonaro 24%

Moro 9%

Ciro 7%

Doria 3%

Não sei/Branco/Nulo 12%

PoderData (23/dez, 3.000 entrevistas por telefone, publicada pelo site Poder360)

Lula 40%

Bolsonaro 30%

Moro78%

Ciro 4%

Doria 4%

Não sei/Branco/Nulo 11%

Tanto as sondagens eleitorais presenciais como as por telefone têm métodos científicos conhecidos e são capazes de identificar, dentro de uma margem de erro, as opiniões gerais dos eleitores. Todas essas seis pesquisas são mitologicamente corretas, apenas captam sinais do eleitor de forma diferente. Pesquisas, como as pessoas, são elas e suas circunstâncias.

No Brasil, raramente um pesquisador consegue entrar em um condomínio de ricos, enquanto ainda muitos eleitores de miseráveis não têm telefone. Para alguns pesquisadores, isso gera um efeito (não confundir com viés) pelo qual as pesquisas presenciais terminam por representar melhor as opiniões dos mais pobres, enquanto as telefônicas retratariam mais corretamente a dos mais ricos.

Em uma disputa com uma clivagem social tão acentuada, com Lula liderando entre os pobres e Bolsonaro entre os mais ricos, esta é uma diferença importante. O PoderData refuta essa distinção argumentando que o acesso à telefone no Brasil tornou-se universal e que os mais pobres respondem bem às pesquisas telefônicas.

Mesmo dentro das metodologias há diferenças. O Datafolha faz suas entrevistas nas ruas, o que implica encontrar eleitores mais jovens e ativas. Outras empresas acreditam que os pesquisadores do Datafolha sofrem uma forte rejeição pela independência do jornal Folha de S. Paulo em relação ao governo Bolsonaro, mas a empresa diz que o fenômeno é o inverso, com os bolsonaristas querendo ser entrevistados.

As empresas IPEC e Quaest fazem pesquisas nas casas dos entrevistados, o que pode indicar ter mais entrevistados da classe D e E, e menos A e B. O protocolo das empresas proíbe os pesquisadores de entrevistar pessoas sem máscara, o que em tese poderia eliminar bolsonaristas.

O Ideia e o Ipespe fazem as suas entrevistas por ligações telefônicas. O PoderData usa uma máquina de voz, similar à das empresas de call-center. No primeiro caso, em tese, a ordem da divulgação dos nomes ou o tom do entrevistador poderia influenciar a resposta. A voz por máquina, por sua vez, é impessoal e gera mais desistência no meio da entrevista.

Como o último Censo só foi em 2010, as empresas têm critérios distintos para estimar a cota de eleitores mais pobres, onde a vantagem de Lula é maior. No Datafolha, 51% dos entrevistados recebem até 2 salários mínimos. No IPEC, são 56% (não por acaso, as duas empresas onde a vantagem de Lula é maior). No PoderData, são 31% de entrevistados até 2 salários mínimos, mas com uma variante em relação aos concorrentes: inclui ainda 36% de desempregados ou sem renda fixa.

Quando se plota num gráfico a relação da intenção de votos de Lula com a percentagem de entrevistados que recebem até 2 salários mínimos a correlação não se sustenta. O que se pode afirmar sem erro é que Lula tem uma liderança folgada entre os mais pobres e que o seu índice de votação aumenta quanto menor o salário do eleitor.

Essa vantagem de Lula entre os mais pobres vai gerar ao longo de 2022 um novo questionamento a ser respondido pelas empresas de opinião pública: quem irá votar? Embora o voto seja obrigatório no Brasil, a abstenção gira em torno de 20% (em 2020 foi maior, possivelmente, em função da pandemia). Há pesquisas consolidadas de que os mais pobres são os que mais se abstêm, o que pode afetar a votação prevista para Lula. Em 2018, dos 147 milhões aptos a votar, 30 milhões não compareceram.

Há ainda a hipótese de que possa se repetir no Brasil o mesmo fenômeno que causou erros em série nas pesquisas das eleições presidenciais americanas de 2016. Milhares de republicanos se recusaram a responder pesquisas, o que gerou um viés por Hillary que contaminou 90% das sondagens (o debate sobre o tema é intenso. Recomendo esse paper da Associação Americana de Opinião Pública pode ser lido aqui; este resumo da Associação Americana de ciência Política e esta reportagem da The Economist sobre o temor de que o mesmo fenômeno se repetiria em 2020, o que de fato ocorreu).

Para impedir um viés como nos EUA, todas as empresas fazem o que se chama “variável de controle”, uma forma de confirmar que o grupo escolhido representa a massa do eleitorado. A variável mais usada é do voto no segundo turno de 2018. O grupo dos entrevistados _ seja por telefone, na rua ou em casa_ deve refletir na margem a mesma relação de 54% de Bolsonaro e 46% Haddad registrada no segundo turno. Algumas empresas fazem mais de uma variável, como o número de banheiros de cada residência para comparar com os registros do IBGE e se o entrevistado foi vacinado ou não (de novo, para comparar com os indicadores oficiais de imunização).

Na última semana, conversei com os diretores das seis empresas, todos com experiência nas duas metodologias. Eis o que eles argumentam:

Felipe Nunes, Quaest –

“A pesquisa domiciliar chega às classes C/D/E, enquanto as telefônicas não. No Brasil, quem responde o questionário completo por telefone, em geral, é mais escolarizado”.

“Para assegurar a qualidade do nosso resultado, fazemos três amostras de qualidade: como os pesquisados votaram em 2018, quantos já se vacinaram e o número de banheiros por residências. Assim três variáveis para assegurar que a nossa amostra condiz com o eleitorado”.

“Haverá um debate ao longo de 2022 sobre abstenção e quem realmente irá votar”.

Mauricio Moura, Ideia –

“Temos experiência com as duas metodologias e ambas têm vantagens e desvantagens. Se você fizer uma média, vai observar que as pesquisas presenciais tendem hoje a dar uma vantagem maior ao Lula, mas é incorreto falar que existe um viés. Tecnicamente as pesquisas estão corretas”.

“Também é preciso observar que a eleição só será em outubro, quando o universo inteiro pesquisado estará envolvido na campanha”.

“Hoje me chama mais atenção a diferença no resultado das pesquisas espontâneas (quando o eleitor não é informado do nome dos candidatos) do que no resultado geral das pesquisas estimuladas”.

Mauro Paulino, Datafolha –

“A pesquisa telefônica não fala com a classe E. Mesmo que esse entrevistado tenha telefone, ele muitas vezes não tem o tempo para ficar vinte minutos respondendo um questionário”.

“Na pesquisa face-a-face, temos a vantagem de apresentar ao eleitor o cartão com os nomes dos candidatos permite que o entrevistado escolha sem nenhum tipo de indução que pode haver, mesmo não intencionalmente, na telefônica”.

“Em 2020, com a pandemia fizemos pesquisas de avaliação de governo por telefônica, mas decidimos não realizar levantamentos de intenção de voto. Foi a melhor decisão. Estou seguro do nosso resultado face-a-face”.

“Os bolsonaristas querem ser entrevistados, alguns divulgam vídeos reclamando dos nossos entrevistadores por os escolherem. O tal efeito Trump (de recusar a se deixar entrevistar) é desprezível hoje. Houve, sim, no passado. Em 1985, o Jânio Quadros foi à TV pedir que seus eleitores não respondessem às pesquisas e isso à época teve um efeito. Hoje não”.

“Não detectamos um voto envergonhado por parte dos bolsonaristas, mas sim o fato de que a maioria avalia o governo muito mal e isso se reflete no resultado”.

Marcia Cavallari, IPEC –

“Existem diferenças sim. A pesquisa face-a-face pega mais pobres. Os muito pobres no Brasil não têm telefone ou não tem o tempo para atender uma pesquisa. Isso é um fato. Assim como nas pesquisas por internet, claramente há mais entrevistados de classe AB”.

“Com a experiência aprendemos a chegar também nos mais ricos, mas, sim, essa é uma dificuldade da pesquisa presencial”.

“Há um componente social importante nessa eleição. Pela primeira vez desde 2002, a fome e a miséria voltaram a ser uma preocupação central do brasileiro. Hoje há mais eleitores preocupados com a miséria do que com corrupção, isso tem um efeito no resultado eleitoral”.

Antonio Lavareda, Ipespe –

“A questão não é o método, mas a base da pirâmide. Quanto mais pobre o eleitor, maior é a tendência da votação de Lula. Entre os que recebem menos de 1 salário mínimo, ele chega a 70%. Então se você tiver muitos entrevistados dessa faixa, a taxa dele será maior”.

“Usamos a variável de controle que é a votação de 2018. A amostra de entrevistados deve refletir o resultado de 56% a 44% pró-Bolsonaro na eleição passada porque isso assegura um resultado confiável”.

Rodolfo Costa Pinto, PoderData –

“Não é pequeno o constrangimento dos bolsonaristas em assumir o voto no presidente neste momento ou a resistência daqueles bolsonaristas que se recusam a participar de pesquisas”.

“Em 2018, registramos esse voto envergonhado. Enquanto nas pesquisas presenciais, a Marina Silva estava em segundo ou terceiro lugar até setembro, nas nossas ela já figurava com menos de dois dígitos desde abril. O resultado final mostrou que as nossas pesquisas indicavam melhor o humor do eleitorado. Uma possibilidade é que os eleitores se sentiam constrangidos a responder o voto pelo Bolsonaro a um entrevistador, mas se sentiam mais livres ao telefone”.

“Todos têm telefone no Brasil, mesmo os mais pobres”.

“Somos os únicos a fazer pesquisas quinzenais, uma regularidade que que nos dá segurança do resultado”.

“Os dois métodos (telefônica presencial) são válidos, Tudo depende do ponto de partida. Eles são bons para monitorar a variação da opinião pública a partir desse ponto de partida”.

Veja

 

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