Sob Bolsonaro, Brasil tem retrocesso histórico na reforma agrária

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A reforma agrária declaradamente nunca foi uma prioridade para o presidente Jair Bolsonaro (PL), que trata os movimentos sociais que lutam pelo acesso a terra como inimigos e até terroristas, além de comemorar constantemente a ausência de invasões pelos militantes.

Cumprindo suas determinações, que são parecidas com o veto à demarcação de terras indígenas e quilombolas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) praticamente paralisou os processos de desapropriação de latifúndios improdutivos e a instalação de novos assentamentos e passou a concentrar esforços nos já existentes. A mudança levou a quantidade de novas famílias assentadas para o menor patamar desde a redemocratização do país, na década de 1980.

Diante da postura governamental, movimentos como o MST mudaram suas táticas de atuação e adotaram uma postura mais cuidadosa e fechada nas articulações, mas seguem alertando para a necessidade de redistribuição das terras produtivas no país. Segundo o movimento, 90 mil famílias esperam por lotes acampadas em barracas.

Desde 2019, foram criados 16 projetos de assentamento de famílias (dois em 2019, cinco em 2020 e nove no ano passado), mostram os dados disponíveis no site oficial do Incra. Para efeitos de comparação, nos três primeiros anos do primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), 2010, 2011 e 2012, foram 438 projetos criados pelo Incra.

As diferenças ficam mais claras quando se pega o número de famílias assentadas em lotes da reforma agrária. De acordo com os dados, de 2019 a 2021, 483 famílias foram assentadas nos novos projetos criados.

O Incra, porém, diz também desenvolver uma política de reforma dentro dos assentamentos já existentes mas que têm espaços vagos, e informou ao Metrópoles que, ao todo, 14.263 famílias foram homologadas como novas beneficiárias da reforma agrária nesses três anos.

Nos três primeiros anos do governo Dilma 1, foram 26.388 famílias assentadas só em novos projetos. Nos três primeiros anos do governo Lula 1 (2003, 2004 e 2005), foram 171.584 famílias, e na primeira gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foram 192.418 famílias assentadas, entre 1993 e 1995.

O esforço para assentar famílias sem-terra ganhou força ainda no período ditatorial, a partir de 1977, deslanchou após a redemocratização, em 1985, iniciou uma tendência de queda ainda na gestão de Dilma Roussef (PT), caiu mais sob Michel Temer (MDB) e despencou aos índices mais baixos no governo Bolsonaro.

Veja um gráfico com a quantidade de famílias assentadas pelos programas de reforma agrária do governo brasileiro desde a década de 1930. Ao longo da história, o estado brasileiro assentou quase 1 milhão de famílias, segundo os dados oficiais.

O freio no avanço da reforma agrária não se dá por falta de demanda. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), maior entidade desse setor, diz ter atualmente 90 mil famílias acampadas, vivendo em barracas de lona, muitas vezes em condições duras, em beiras de estradas ou imóveis com risco de desocupação.

Esse contingente está aumentando, de acordo com Alexandre Conceição, integrante da direção nacional do MST. Ele avalia que o avanço da fome e do desemprego em áreas urbanas e rurais é combustível para motivar famílias a lutarem pela terra como uma alternativa.

“As pessoas estão com fome, sem esperança, e a oportunidade de ao menos ter um barraco num acampamento, começar a plantar para a subsistência e vislumbrar a chance de ocupar um lote no futuro traz de volta parte dessa esperança, mas a reforma agrária é urgente e está paralisada no governo Bolsonaro”, afirma o dirigente em entrevista ao Metrópoles.

Sobre a resistência ao governo Bolsonaro, Conceição afirma que houve a decisão, em 2019, de não partir para a provocação naquele primeiro ano, pois havia a percepção de que o governo queria isso para responder com repressão violenta.

“Depois, veio a pandemia, e tivemos mesmo de nos isolar da melhor forma possível, mas fizemos o que chamamos de isolamento produtivo: construímos uma luta grande política de solidariedade, de produção de alimentos, mas, ao mesmo tempo, de resistência. Foram mais de 25 tentativas de despejo nesses anos, e resistimos a todas”, afirma ainda Conceição.

“Bolsonaro pode não concordar, mas radicalizamos na luta política pela terra e pela reforma agrária ao combater o negacionismo sobre a pandemia, resistir nos territórios e exercer a solidariedade”, avalia o dirigente do MST. Ao longo da pandemia, assentamentos ligados ao movimento promoveram várias campanhas e doaram, segundo a organização, 6 mil toneladas de alimentos e mais de 1 milhão de marmitas a vítimas da fome.

Sem foco em buscar novas áreas para desapropriação e redistribuição via reforma agrária, o Incra se concentra, no governo Bolsonaro, em consolidar os assentamentos já existentes por meio de programas de crédito, promover uma reforma interna em lotes desocupados e trabalhar para lançar um cadastro virtual para interessados em ocupar um lote rural.

Em conversa com o Metrópoles, o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamentos do Incra, Giuseppe Serra Seca Vieira, argumenta que a desapropriação de latifúndios é “apenas uma das etapas da reforma agrária, e há outras necessidades, como a ajuda para os assentados alcançarem sua independência produtiva”.

“Temos mais de 10% do território brasileiro coberto por projetos de reforma agrária. Em muitos deles, há espaço ainda sobrando, mas não há infraestrutura, estradas, as pessoas não têm casas. E estamos atuando nesse sentido”, diz ele.

“E não paramos com os assentamentos também”, argumenta. “Só no ano passado, a gente lançou mais de 30 editais para atender a mais de 2.600 famílias em novos assentamentos”, completa o gestor. Ele sustenta ainda que o Incra disponibilizou, desde 2019, mais de R$ 674 milhões em programa de crédito para os assentados.

“Principalmente para subsidiar a construção das moradias. Beneficiamos mais de 12.500 famílias com um crédito de R$ 34 mil para esse fim”, detalha ele, que cita, ainda, altos gastos da autarquia com desapropriações antigas.

“A Lei Orçamentária de 2022 prevê o pagamento de mais de R$ 3 bilhões em precatórios por dívidas de governos anteriores com desapropriações não pagas. É um passivo que a gente tem que lidar que também faz parte do ciclo da reforma agrária”, afirma Giuseppe Vieira.

A autarquia federal tem investido em titular terras, em programas que são combatidos por movimentos como o MST. “Essas mudanças na política do Incra desvirtuaram a reforma agrária”, acusa Alexandre Conceição.

“Se não há ação no sentido de mexer na estrutura fundiária do país, não é reforma agrária que está acontecendo. A política do governo, efetivamente, é de incentivo à concentração de terra. Esses programas de titulação caminham nessa direção, eles oferecem uma titulação individual, querem que cada produtor vire um pequeno agronegócio, que busque crédito em banco, que fique sem o amparo de programas voltados aos assentados”, reclama o diretor do MST, que prefere um sistema de titulação coletivo, com direito à herança e preferência para as mulheres das famílias.

“Constituir cooperativas, linhas de produção, cadeias produtivas da agricultura familiar é o que garante 70% do alimento que chega às mesas dos brasileiros. O governo quer destruir isso”, acusa ele.

O dirigente do MST também disse ao Metrópoles que uma prioridade do movimento na estratégia para lidar com o governo Bolsonaro é vencendo o presidente nas urnas. Para isso, a proposta é embarcar com tudo na campanha do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Para nós, é preciso combater Bolsonaro não só para retomar a reforma agrária, mas para salvar o país. O que pedimos a Lula em troca do nosso apoio é o compromisso com um programa emergencial para tirar o povo da fome logo em janeiro de 2023. O povo está na miséria, não tem moradia, emprego, renda. É fundamental que o governo faça isso”, conclui Alexandre Conceição.

Metrópoles 

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