STF impediu Bolsonaro de extinguir movimentos sociais

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Foto: Antonio Molina/Folhapress

“Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil.” A frase de Jair Bolsonaro (PL) em outubro de 2018 já sinalizava a postura que adotaria em relação à participação social e a organizações da sociedade civil como presidente.

Já no primeiro dia de governo, Bolsonaro excluiu três órgãos colegiados da estrutura da Presidência da República por meio de uma medida provisória. A tentativa do Congresso de recriar dois deles foi alvo de veto presidencial.

Três meses mais tarde, editou um decreto que extinguia colegiados ligados à administração federal de modo indiscriminado, sob a justificativa de racionalização da administração pública e corte de gastos.

Se os efeitos da participação social podem soar como algo distante para boa parte da população, no nível federal, os possíveis impactos de quando ela deixa de existir no nível local são por vezes sentidos de maneira bastante concreta.

Como mostrou a Folha, em regiões que convivem com a seca, a perda de controle social por conselhos municipais e ONGs favoreceu o uso político da distribuição de cisternas. Ao invés de tomar como critério as reais necessidades das famílias do semiárido, a entrega tem sido condicionada a apoios políticos.

Ainda que mais distantes do cotidiano, contudo, colegiados em que representantes da sociedade civil e o governo federal sentam juntos para definir e debater políticas públicas podem ter impactos relevantes a longo ou curto prazo.

Durante o governo Bolsonaro, decretos alterando a composição de conselhos abriram caminho, por exemplo, para que o governo federal conseguisse revogar, no ​Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), normas de proteção a restingas e mangues, importantes para a preservação ambiental.

O emprego do direito por Bolsonaro com medidas que impactaram a sociedade civil e sua participação no governo é tema de parte dos artigos de livro que será publicado em 2022 pelo Projeto sobre Estado de Direito e Legalismo Autocrático (em inglês, PAL), que envolve acadêmicos de diferentes países e universidades.

De acordo com Carla de Paiva Bezerra, que é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), as medidas contra a participação social são um exemplo de como Bolsonaro testa os limites legais e as próprias instituições. “Eu vou até o limite do que a lei permite, aí vem o STF e barra.”

“O governo pode editar um decreto para regulamentar o funcionamento do conselho? Ele pode. Só que a forma de regulamentação e como isso é feito de forma sistemática sempre no intuito de reduzir a participação, de retirar os espaços de debate, quando você olha o conjunto, isso começa a se caracterizar de modo autoritário”.

Juntos, Bezerrra, Paulo Henrique Cassimiro, que é professor de ciência política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e o doutorando em direito na USP (Universidade de São Paulo) Henrique de Almeida Castro buscaram mapear o que consideram ser as frentes de ação do governo Bolsonaro que se inserem no debate de “fechamento do espaço cívico”.

Tal fenômeno vem sendo identificado, ao redor do mundo, em governos marcados pela adoção de estratégias legais e extralegais para afetar ativistas e ONGs que se contrapõem às preferências da liderança no poder.

Na avaliação dos pesquisadores, o sucesso das investidas de Bolsonaro dependeu da existência ou não de outros atores que pudessem vetá-las, como o STF e o Congresso.

No caso dos decretos contra os espaços de participação, a arena principal foi o STF.

Ao analisar o mais amplo decreto sobre o tema, que extinguia colegiados federais que tivessem sido criados por decretos ou outras normas infralegais, a maioria dos ministros entendeu que colegiados que estivessem previstos em lei não poderiam ser encerrados pelo presidente.

Cinco ministros queriam revogar o decreto integralmente, mas foram vencidos.

“A extinção indiscriminada de todos os conselhos, sem a identificação nominal de qualquer um deles —quando têm naturezas e funções diversas— tem um nível de opacidade e obscuridade; e impede o Congresso Nacional e a sociedade de saberem exatamente o que está sendo feito”, declarou em seu voto o ministro Luís Roberto Barroso, que tem sido um dos principais alvos de ataques do presidente.

Bolsonaro buscou, entretanto, outros meios —também sem passar pelo crivo do Legislativo— para fragilizar mesmo os colegiados que tinham sido criados por lei.

Mesmo sem ter sido extintos, há conselhos que seguem inativos, como é o caso do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Já outros foram alvo de alterações que buscaram dificultar ou inviabilizar sua atuação, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda).

Ao avaliar o caso do Conanda, no início de 2021, o STF invalidou trechos do decreto presidencial e decidiu que é inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em conselhos deliberativos.

As mudanças no Conama foram suspensas por medida liminar (provisória) em dezembro de 2021 e ainda devem ser alvo de análise do grupo de ministros.

Antes composto por 96 integrantes, o conselho tinha passado a ter 23 integrantes. Entre outras mudanças, a sociedade civil viu seu peso diminuir, passando de 22 para 4 assentos e órgãos como ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e a Ana (Agência Nacional de Águas) foram excluídos.

Ao questionar a medida, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge sustentava que o decreto configurava ato discricionário do presidente em “ofensa aos princípios constitucionais e aos relativos ao meio ambiente”.

Um levantamento divulgado no ano passado por Bezerra com outros colegas do Cebrap apontou que 75% dos cerca de cem conselhos e comitês nacionais relevantes tinham sido esvaziados.

Henrique Castro explica que a Constituição de 1988 estabeleceu um projeto de expansão da participação social e que Bolsonaro é o primeiro a explicitamente tomar medidas contrárias a tal projeto.

“O Brasil tem muitos conselhos, você poderia ter uma conversa séria sobre quais deveriam ficar, quais deveriam sair, mas o governo não fez nada disso”, diz. “Eles passaram um decreto que extinguia todos os conselhos que eles podiam extinguir, porque eles são contrários à ideia de participação em princípio”, diz.

“Isso é um problema porque temos muitos conselhos que desempenharam papel histórico importantíssimo nas políticas públicas brasileiras.”

Para o professor da FGV Direito-SP e colunista da Folha, Oscar Vilhena, o coordenador do Supremo em Pauta, Rubens Glezer, e a mestre em direito e pesquisadora Ana Laura Barbosa, que também integram o PAL, a forma como Bolsonaro atua para fragilizar a participação social se insere no que chamaram de “infralegalismo autoritário”.

A hipótese dos pesquisadores é que, ao mesmo tempo em que abriu mão de construir uma coalizão no Congresso, Bolsonaro não deixa de lado a implementação de sua agenda e pautas autoritárias, mas se utiliza dos poderes e das atribuições exclusivas que tem como presidente para implementá-las.

Como mostrou a Folha, levantamento identificou que Bolsonaro é o presidente que mais editou decretos entre seus antecessores e, para os pesquisadores, adota o uso desproporcional da medida para atingir colegiados da administração pública.

Já na frente de ações que buscaram intimidar organizações por meio de canais oficiais, um dos casos elencados por Bezerra, Castro e Cassimiro ocorreu logo no primeiro dia do governo Bolsonaro e sofreu forte oposição da sociedade civil.

A partir de uma medida provisória, a Secretaria-Geral da Presidência ganhava a atribuição de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” as atividades e as ações de ONGs e organismos internacionais no Brasil. Tal mudança acabou sendo retirada do texto antes de ser convertida em lei.

Os autores apontam ainda ações que tiveram como efeito esvaziar fontes de financiamento de organizações da sociedade civil, onde incluem a revogação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia.

Com a alteração, o dinheiro, que financiava tanto ações do próprio governo como de ONGs, ficou paralisado. Países que doavam para o fundo, como Alemanha e Noruega, suspenderam os repasses ao discordar das mudanças.

Com forte agenda antiambientalista e contra o “globalismo”, Bolsonaro já chegou a dizer que ONGs eram suspeitas de provocar os incêndios que tomaram a Amazônia em 2019. “Pode, pode ser fazendeiro, pode. Todo mundo é suspeito, mas a maior suspeita vem de ONGs”, afirmou à época.

Para Carla Bezerra, o desmonte promovido por Bolsonaro nas políticas ambientais ocorre de modo articulado com medidas para diminuir o alcance da sociedade civil.

“O governo implementa sua agenda, que é antipreservação do meio ambiente, tentando reduzir as vozes que são oponentes a isso”, diz. “Tentando retirá-las, reduzir seu financiamento, reduzir espaços de participação, atuando contra os princípios democráticos e constitucionais.”

“Legalismo Autoritário” é o tema da série de reportagens que refletem sobre o emprego do direito pelo governo Bolsonaro para implementar medidas antidemocráticas, assim como as resistências de outras instituições contra essa prática. A série se baseia em livro que será publicado em 2022 pelo Projeto sobre Estado de Direito e Legalismo Autocrático (em inglês, PAL), que envolve acadêmicos de diferentes universidades e países

Folha  

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