União Europeia tem agenda anti-Bolsonaro

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Foto: Jacques Witt/Pool/AFP

O governo de Emmanuel Macron, na França, assumiu em 1 de janeiro e por seis meses a presidência da União Europeia. Mas, em um programa de governo de mais de 70 páginas no qual as prioridades são apresentadas, nem o Brasil e nem o Mercosul são sequer citados como focos positivos ou privilegiados na estratégia de política externa do bloco.

Paris ainda deixa claro que vai impulsionar regras comerciais que possam justificar eventuais barreiras contra produtos estrangeiros que tenham algum tipo de relação com o desmatamento de florestas. Para diplomatas, a proposta tem um nome camuflado entre os potenciais prejudicados: o do Brasil.

A presidência rotativa da UE permite que cada um dos 27 países do bloco possa assumir, por meio ano, a condução dos trabalhos da UE. Ainda que acordos continuam tendo de exigir o apoio dos governos, o mandato de presidente confere ao país a possibilidade de estabelecer a agenda de trabalho e definir prioridades.

Uma das esperanças do Brasil era de conseguir fechar, durante o governo de Jair Bolsonaro, o acordo entre o Mercosul e a UE. Depois de 20 anos de negociações, o tratado foi concluído logo no início da gestão do atual presidente brasileiro. Mas, para entrar em vigor, ele terá de ser ratificado por todos os parlamentos europeus. Uma recusa de Macron de seguir adiante com o processo foi um dos motivos que levou à paralisia do processo.

Para justificar o impasse, o presidente francês tem insistido que não irá selar a aliança comercial com o Brasil enquanto as taxas de desmatamento batem recorde. Em novembro, em declarações ao UOL, Macron deixou claro que as relações com o país já tiveram momentos melhores.

Agora, no programa de governo que propõe para a Europa, a proposta do francês foi recebida como uma espécie de agenda “anti-Bolsonaro” para uma parcela dos negociadores. No Itamaraty, o programa foi recebido com preocupação e um sinal de que o ano será de desafios para a posição internacional do país.

Dentro do governo e mesmo no setor exportador agrícola, a percepção é de que Paris estaria usando esse argumento para esconder uma política protecionista e com uma lógica baseada em sua busca por uma vitória nas eleições presidenciais, nos próximos meses.

A esperança de uma parcela da diplomacia é de que tal postura de Macron poderia mudar se ele vencer nas urnas. Mas, neste momento, ele precisa mostrar certa simpatia pela agenda ambientalista, indicar que está protegendo os agricultores contra a concorrência estrangeira e ainda atendendo à pressão de ativistas de direitos humanos.

Não por acaso, no novo programa publicado pelos franceses para os próximos seis meses de atividades da UE, nenhuma linha é destinada nem ao Mercosul e nem ao Brasil.

No capítulo destinado à política externa, uma das prioridades é o continente africano. Uma cúpula entre os dois blocos ocorrerá em fevereiro, “com o objetivo de estabelecer uma aliança ambiciosa e voltada para o futuro com a África, o que permitirá construir uma área de solidariedade, segurança, prosperidade e estabilidade sustentáveis». Além disso, parcerias comerciais serão avaliadas.

Outra região que ganhará destaque é área Indo-Pacífica, concentrando-se mais especificamente em questões de segurança e defesa, questões digitais e conectividade. Turquia, Balcãs e os vizinhos imediatos ao sul do Mediterrâneo também fazem parte das prioridades, principalmente diante da questão migratória.

O foco ainda dos franceses é o diálogo com EUA, principalmente no desafio de lidar com o crescimento asiático. China e Rússia também fazem parte das principais prioridades do continente europeu, sob a gestão da França.

Nem mesmo no capítulo exclusivamente destinado ao comércio existe uma referência explícita nem ao Brasil e nem ao Mercosul. Mas a possibilidade de novas barreiras é colocada como um dos principais temas, algo que já mobiliza o Itamaraty para que a proposta seja denunciada. Entre diplomatas de países emergentes, a agenda também desembarcou como um sinal claro de que uma nova onda protecionista poderia estar sendo erguida, usando o argumento ambiental.

De fato, observadores em Genebra destacam como o programa vem recheado por uma narrativa de construção da “soberania” europeia, uma forma de falar em redução de importações de alimentos e commodities. O mote é claro: a “presidência francesa procurará fortalecer a contribuição da política comercial para a prosperidade e soberania europeia”.

“Ela apoiará as iniciativas da UE para defender e reformar o sistema comercial multilateral a fim de torná-lo plenamente eficaz e permitir que ele desempenhe plenamente seu papel na resposta”, diz. Uma das metas é a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) e “apoiará os esforços europeus para integrar plenamente as questões de desenvolvimento sustentável nas regras da OMC, em particular no que diz respeito ao acordo sobre o controle dos subsídios à pesca”.

Mas um aspecto fundamental é a introdução da relação entre o desmatamento e barreiras comerciais. A França diz que irá “se esforçar para integrar melhor o desenvolvimento sustentável e a realização dos objetivos do Pacto Verde nas prioridades da política comercial”.

Na prática, a Europa debate a criação de uma barreira que impeça que produtos agrícolas que tenham sido produzidos em áreas recentemente desmatadas possam entrar no mercado da UE.

“Nesta perspectiva, o instrumento para combater o desmatamento importado, bem como a iniciativa futura sobre o dever de cuidado das empresas em suas cadeias de valor, será importante. Também será necessário continuar a trabalhar em medidas para garantir que os produtos importados estejam sujeitos aos padrões de produção aplicados na União Europeia, sempre que necessário, a fim de fortalecer a proteção da saúde e do meio ambiente “, promete.

Outra prioridade da França será o “fortalecimento das informações ao consumidor sobre as características ambientais dos produtos que ele compra e sua proteção contra certas práticas comerciais desleais”.

Uma das metas é a de reduzir a dependência em relação a bens importados, principalmente no setor agrícola. Para isso, a presidência concentrará seus esforços na soberania e autonomia alimentar no setor agrícola em três temas prioritários.

“Em primeiro lugar, incentivará o intercâmbio sobre a reciprocidade das normas de produção ambiental e sanitária entre os produtos europeus e os importados de países terceiros, de modo que os produtos importados estejam sujeitos a certos requisitos de produção aplicados na União Europeia sempre que necessário para reforçar a proteção da saúde ou do meio ambiente na maior escala possível”, explica.

“A presidência também iniciará os trabalhos sobre a regulamentação da luta contra o desmatamento importado, o que será um passo significativo para melhor levar em conta os padrões de produção dos produtos importados”, diz o programa.

O segundo elemento também interessa de forma direta o Brasil. “Será dada especial atenção à agricultura de baixo carbono e à questão do sequestro de carbono nos solos agrícolas, a fim de marcar um passo para a construção de um mecanismo europeu de reconhecimento e generalização de rótulos de baixo carbono, bem como para promover as ações implementadas em fazendas e empresas florestais para combater a mudança climática”, diz.

“Em terceiro lugar, a presidência deseja promover iniciativas para acelerar a transição agro-ecológica e assim reduzir o uso de pesticidas, que é parte integrante da estratégia “Da Fazenda à Mesa”, com o objetivo de estabelecer sistemas alimentares justos, saudáveis e ambientalmente corretos”, completa.

Paris não deixa dúvidas de que tal proposta não ficará apenas dentro de um debate europeu e que quer “promover a influência da União Europeia em fóruns multilaterais sobre questões agrícolas e alimentares no sentido amplo”.

“A presidência apoiará a transição para sistemas alimentares sustentáveis e assegurará que as estratégias, decisões e padrões desses organismos internacionais sejam consistentes com o Pacto Verde para a Europa, as estratégias que o implementam e as regulamentações europeias”, propõe.

Uol  

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