Kassab mantém aliança com Lula como maior possibilidade

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Foto: Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA

Segundo uma anedota bastante popular nos bastidores de Brasília, Gilberto Kassab tem tanta sabedoria sobre os caminhos a seguir na política que deve ser acompanhado cegamente por todos, até mesmo se resolver saltar de um prédio. Piadas e exageros à parte, é fato que o fundador e cacique-mor do PSD goza de respeito entre seus pares pela reconhecida habilidade nas articulações. Nos últimos tempos, ele tem conseguido elevar a cotação da legenda nas negociações em torno da disputa presidencial deste ano e, não por acaso, é considerado peça capaz de desequilibrar o jogo na corrida para outubro. No xadrez político de Kassab, os lances principais raramente são feitos à luz do dia, mas o conjunto dos movimentos aponta para uma tática clara. A insistência do PSD em ter uma candidatura própria ao Palácio do Planalto, mas sem chance de vitória, serve em parte ao propósito de tumultuar ainda mais o já congestionado campo da terceira via e, com isso, aumentar o cacife para um futuro acordo com Lula.

O atual favoritismo do petista, que passou a ter chances reais de ganhar no primeiro turno, pode até mesmo provocar a antecipação de algumas jogadas do mandachuva do PSD. Integrantes da bancada federal da legenda, principalmente os do Nordeste, têm feito pressão diária para que o partido vá imediatamente para os braços de Lula, sem delongas. O motivo é evidente. Em nenhuma outra região a vantagem dele sobre o segundo colocado, Jair Bolsonaro, é tão grande. “Somos a favor de uma aliança com Lula ainda no primeiro turno. Em Sergipe, temos uma aliança histórica com o PT e valorizamos tudo o que Lula fez pelo Nordeste”, afirma o deputado Fábio Mitidieri, cotado para disputar o governo local, hoje ocupado por Belivaldo Chagas, um dos dois governadores filiados ao PSD.

O possível acordo foi o tema, aliás, do encontro entre o ex-presidente e Kassab no dia 7 de fevereiro, em São Paulo. Logo depois da reunião, o dirigente chegou a admitir que muitos quadros defendem a aproximação, mas que ela poderia desencadear uma briga interna, já que a legenda abriga parlamentares de todos os matizes políticos, inclusive apoiadores de Bolsonaro. Ainda falta “harmonia”, como classificou Kassab a interlocutores. Mas a data para essa definição se aproxima. O fechamento da janela partidária, no início de abril, é considerado decisivo para que se tenha um termômetro de como estarão as fileiras da sigla. O recado foi dado a Lula: antes disso, é impossível decidir qualquer coisa. “Pode ser que em algum momento se cogite outro cenário, sem candidatura própria. Mas, para a imagem do partido, é positivo sair da polarização”, desconversa o senador Alexandre Silveira (MG), secretário-geral do PSD e presidente do partido em Minas Gerais.

Nas entrevistas em que falou sobre a reunião com Lula, pela primeira vez, Kassab admitiu que um possível embarque à caravana do petista no primeiro turno não é impossível. Mais do que isso: ele já tem feito outros acenos públicos ao ex-presidente. Durante a cerimônia de filiação ao PSD do vice-presidente da Câmara dos Deputados, o ex-PL Marcelo Ramos, Kassab fez questão de nomear expoentes da ala que trabalham pela aliança: o deputado Mitidieri e os senadores Omar Aziz, do Amazonas, e Otto Alencar, da Bahia. Apesar de todos esses movimentos, ele segue jurando que continua disposto a levar adiante a candidatura presidencial do PSD. Quem o conhece bem, no entanto, aposta que esse discurso serve apenas para ganhar tempo e disfarçar sua verdadeira estratégia. Em uma frente, a sigla sinaliza neutralidade e fica livre para negociar acordos com diferentes correntes políticas nos estados. Em outra, mantém a terceira via dividida, o que interessa indiretamente ao PT. O melhor estilo Kassab de fazer política.

Se no âmbito nacional as movimentações para esse acordo ainda não são totalmente explícitas, nos estados a história é outra. Otto Alencar se reuniu com Lula e outros caciques baianos na terça-feira 15 e recebeu sinalização do presidenciável de que o PT poderia abrir mão da candidatura de Jaques Wagner ao governo, em troca do apoio ao seu nome. Em Minas Gerais, uma das prioridades do PSD, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, pretende se lançar ao governo do estado e precisa de um cabo eleitoral forte como Lula para conquistar mais eleitores fora da capital mineira. Ali, as conversas também avançam. “Minas é o segundo maior estado da federação, o segundo maior colégio eleitoral do país. Importante para qualquer um que quer ganhar eleição”, diz Kalil, deixando claro o ativo que a aliança poderia representar.

Em outros estados estratégicos, os acordos entre PT e PSD enfrentam barreiras, caso de São Paulo, onde Kassab negociava com Geraldo Alckmin para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, até que o ex-tucano priorizou a opção de se tornar vice da chapa presidencial de Lula, provavelmente a bordo do PSB. No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes, comandante da sigla em terras fluminenses, ainda tenta fortalecer a candidatura do ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz — que antagoniza com Marcelo Freixo (PSB), o nome por enquanto apoiado por Lula. Em paralelo, PT e PSB têm tocado intrincadas negociações por uma federação partidária, e o casamento entre as siglas é visto como certo ao menos em uma coligação em torno do ex-presidente, com Alckmin de vice.

Dentro do mesmo plano de jogo pró-Lula, Kassab avançou algumas casas no objetivo de tumultuar o espaço para uma candidatura de centro. Depois de meses vendendo nos bastidores os atributos de Rodrigo Pacheco, ele ainda fala no presidente do Senado como candidato da legenda. A pregação soa como uma espécie de versão oficial, contudo, porque o próprio Pacheco tem confidenciado a interlocutores que está mais interessado em se manter na cadeira na próxima legislatura do que tentar a sorte nas urnas. Diante da probabilidade de o mineiro refugar, Kassab captou no ar a oportunidade de enfraquecer o PSDB, aumentando as fissuras no ninho tucano, que ainda não se recuperou das tumultuadas prévias presidenciais, disputadas à base de muitas caneladas entre João Doria e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Ciente do inconformismo do gaúcho com a derrota para o paulista, Kassab passou a concentrar nas últimas semanas o assédio para que Leite troque o PSDB pelo PSD, tornando-se automaticamente o presidenciável da sigla, no lugar de Pacheco. A inocência de Leite e o instinto suicida da ala tucana adversária de Doria ajudaram a dar tração a esse projeto (veja a matéria na pág. 30).

Além de querer um lugar de honra no Planalto e na Esplanada dos Ministérios, o projeto do PSD é eleger uma bancada com mais de cinquenta deputados federais. Na janela partidária de março, a tendência é que o partido já receba um reforço significativo nas duas casas do Legislativo. O número de cadeiras no Senado deve passar de doze para dezesseis e na Câmara de 35 para 43. Trata-se de um avanço fundamental para captar mais dinheiro dos fundos eleitoral e partidário, engordando o caixa e o tempo de propaganda na TV.

Fundada em 2011, a sigla capitaneada por Kassab surgiu a partir de uma dissidência do DEM, com políticos descontentes com a oposição que era feita na época pela sigla ao governo de Dilma Rousseff. Exemplo inequívoco da falta de valores ideológicos na política, ele percebeu que valia mais a pena estar sempre próximo ao poder e resolveu fundar uma agremiação que, segundo ele, não era de direita, nem de esquerda, nem de centro. “Ele entendeu, mais que todo mundo, como transformar partidos em negócios”, observa um importante aliado. Depois de ser prefeito de São Paulo e ministro dos governos Dilma e Michel Temer, Kassab chegou a se aliar a Doria e assumiria a Casa Civil do governo paulista em 2019. Uma operação da Polícia Federal que mirou a ligação entre ele e a JBS, no entanto, fez o tucano rechaçá-lo. Kassab é ainda réu na Justiça Eleitoral de São Paulo sob suspeita de receber 16,5 milhões de reais do frigorífico por meio de doações eleitorais ilegais. Comenta-se nos bastidores que, apesar de todas essas encrencas, o verdadeiro desejo de Kassab é emplacar seu próprio nome como vice na chapa de Lula. Trata-se de um sonho improvável, mas convém não duvidar de jogadores que dominam o (mercantil) xadrez político brasileiro.

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