Os planos de Bolsonaro para se reeleger

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Foto: Antonio Molina/Fotoarena/Folhapress

Em ritmo de campanha explícita, Jair Bolsonaro percorreu nesta semana um roteiro que incluiu cidades de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Acompanhado de ministros e de um séquito de apoiadores, esteve presente em uma rodada de inaugurações de obras ligadas à transposição do Rio São Francisco. O capitão posou para fotos segurando a bandeira do Brasil, andou em carro aberto e passeou até em lombo de jegue, com direito a chapéu de vaqueiro. Aproveitou a ocasião para fazer discursos espezinhando seu principal adversário na disputa ao Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao passar por ruas apinhadas de fãs, recebeu a já tradicional saudação de “mito” e retribuiu, fiel ao seu estilo abilolado preconceituoso, referindo-se aos locais como “cabeça chata” e “pau de arara”. Não por acaso, a realidade ali é bastante hostil ao capitão. Cerca de 60% dos nordestinos avaliam de forma negativa seu governo, enquanto a taxa nacional de reprovação é de 51% (o maior resultado da série histórica iniciada em junho). Enquanto isso, o nordestino Lula vem abrindo mais vantagem a cada rodada — em sua região natal e nos levantamento nacionais.

arte sinal de alerta

O mau desempenho numa área historicamente petista é apenas um dos desafios de Bolsonaro neste ano. Desde o pleito de 1998, nenhum político conseguiu se reeleger ostentando números tão negativos. Até o eleitorado evangélico, uma das principais bases de apoiadores de Bolsonaro, aparece hoje rigorosamente dividido quanto à avaliação do seu governo. Apesar de aparecer na segunda colocação nas pesquisas de intenção de voto, com uma distância folgada do terceiro colocado, seu ex-ministro Sergio Moro, o presidente enfrenta enormes dificuldades para manter a popularidade em um patamar que o habilite a ganhar a contenda no segundo turno. Por sorte (e pela falta de coesão na terceira via), ainda não há um candidato em condições de tirá-lo dessa fase. Mas o quadro é preocupante. De maio para cá, suas intenções de votos caíram de 29% para 25% segundo o Índice 2022, a ferramenta de VEJA que agrega os resultados de pesquisas eleitorais dos principais institutos do Brasil.

Não parece uma oscilação tão trágica, é verdade. Mas há agravantes consideráveis no quadro, a começar pela alta taxa de reprovação ao governo, que pode continuar puxando para baixo os números de intenção de votos. Na verdade, os eleitores tem demonstrado que preferem qualquer um a manter Bolsonaro no Planalto. No mesmo período, o antes criticado Lula, que foi para a cadeia em razão de um esquema bilionário de corrupção no governo, cresceu de 29% para 42%. Se não bastasse, de cada cinco eleitores que Bolsonaro teve no segundo turno de 2018, ao menos um já declara preferência hoje pelo petista, no fenômeno conhecido como “voto bolsolula”. Por fim, o capitão vê a cada dia o número de obstáculos na caminhada eleitoral se acumular, a partir de notícias ruins que vão do cenário econômico complicado a uma possível fuga de aliados políticos tidos como garantidos até aqui.

Evidentemente, muita coisa pode mudar nos próximos oito meses, especialmente nesta eleição, que promete ser uma das mais imprevisíveis da história. O retrato atual, no entanto, permite projeções impensáveis há alguns meses. Caso mantenha o ritmo atual (o que é difícil, mas não impossível), Lula pode até ganhar em primeiro turno. Assim, Bolsonaro entraria para a história como o primeiro presidente do período da redemocratização a não ser reeleito — e também o primeiro a não conseguir chegar sequer ao segundo turno. Não por acaso, a luz amarela acendeu no Palácio do Planalto e a ordem é não perder tempo para reagir. “É uma situação que preocupa demais”, afirmou a VEJA um dos principais colaboradores do presidente. Ciente do diagnóstico e sob pressão, Bolsonaro tem percorrido o país para reverter essa tendência, como fez nesta semana. No mês passado, esteve no Amapá e no Rio. Em março, voltará ao Nordeste, com uma comitiva que deve percorrer o Rio Grande do Norte, também para entregar obras de segurança hídrica.

A tática de cortar faixas de inauguração no périplo iniciado ao redor do país pode ajudar, mas não tira do caminho o principal fantasma da atualidade, o da estagnação econômica. Desemprego e carestia aparecem nas pesquisas como as principais preocupações hoje dos eleitores e terão grande peso na escolha dos candidatos. O país registrou uma inflação de dois dígitos em 2021 e o porcentual de janeiro, 0,54%, foi o maior dos últimos seis anos. Sem esperanças de que seja possível uma recuperação forte a curto prazo, alguns aliados começaram a fazer contas e vão dando os primeiros sinais de que podem desembarcar da canoa presidencial. Parlamentares do Republicanos, um dos expoentes do Centrão, pressionam os caciques da legenda para se afastarem do capitão. O próprio Ciro Nogueira, hoje o dono do cofre e superministro de Bolsonaro, já liberou seus correligionários para o regime de “casamento aberto”, em que podem migrar para palanques inimigos.

Apesar dos resultados ruins na economia e das eventuais deserções, Bolsonaro está longe de admitir uma possível derrota. Suas esperanças estão depositadas em algumas armas para tentar reverter a situação. O entorno do presidente tem fé em que o Auxílio Brasil, a versão repaginada e turbinada do Bolsa Família, ainda se transforme em uma grande moeda eleitoral. Serão beneficiados pelo programa 17,5 milhões de famílias, com previsão de gastos de 89 bilhões de reais até dezembro. Desde o início dos pagamentos, no fim do ano passado, porém, o benefício mudou muito pouco a percepção sobre a imagem do presidente entre as classes mais pobres — na última pesquisa da Quaest, divulgada no dia 9, ele continua a cair no Nordeste, a região mais beneficiada. Para piorar, as dívidas acumuladas pelas famílias consomem quase um terço do que é recebido.

Os governistas pedem paciência, dizendo que ainda é cedo para contabilizar os ganhos com o programa e lembram que o Auxílio Brasil é o carro-chefe de uma penca de outros benefícios. “Há pessoas que recebiam 90 reais do Bolsa Família no passado. Com Auxílio Brasil e também com o vale-gás, os mais vulneráveis podem chegar a receber 452 reais atualmente”, disse a VEJA o ministro da Cidadania, João Roma, citando outro programa emergencial destinado aos mais necessitados. Dentro da lógica de que é hora de abrir os cofres públicos, custe o que custar, aliados citam ainda um pacote de benefícios para caminhoneiros, que vai de isenção de tributos à abertura de linhas de crédito com taxas menos agressivas. Na economia, há ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para cortar impostos de gás de cozinha, combustíveis e tarifas energéticas. A medida, que precisa do apoio de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, poderia implicar uma queda de receita de 57 bilhões de reais — uma mostra de que o desespero é tão grande que a responsabilidade fiscal foi mandada às favas na busca pela reeleição.

Em outra frente de ação, o governo pretende tirar do papel nos próximos meses uma agenda de concessões capitaneada por seu candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura (leia a entrevista), que deve resultar em novos investimentos com potencial de geração de empregos. Até as eleições, o plano é conceder dezoito aeroportos (além da relicitação de Viracopos, em Campinas, e São Gonçalo do Amarante, em Natal), totalizando investimentos privados da ordem de 13,4 bilhões de reais. Fazem parte também do pacote as aguardadas concessões dos portos de São Sebastião (SP), Itajaí (SC) e do Canal de Paranaguá (PR) e a privatização da estatal responsável pelo Porto de Santos, o maior do país, com arrendamento de 26 terminais do local. O presidente também pretende concluir concessões de quase 10 000 quilômetros de ferrovias e 9 000 quilômetros de rodovias.

Mas há sérias dúvidas sobre a capacidade de o governo tirar do papel essa agenda liberal de concessões em prazo tão curto e, sobretudo, existe o temor do mercado de que um desenfreado volume de gastos públicos a esta altura do campeonato possa complicar ainda mais a situação econômica. A Verde Asset, um dos mais importantes fundos de investimento do país, não poupou o presidente de críticas na última carta a seus investidores quando tratou das expectativas para o ano. “O governo Bolsonaro chega ao fim de maneira praticamente indistinguível do governo Dilma do ponto de vista econômico”, diz o comunicado.

O saldo da pandemia representa outra encrenca séria para o governo, que ficará marcado para sempre na história por acreditar e investir mais em cloroquina e afins do que em vacinas contra a Covid-19. Nesse caso, segundo um parlamentar da base governista, a ideia é tentar amenizar as críticas ao negacionismo com o discurso de que, mesmo sendo pessoalmente contrário à imunização, Bolsonaro cumpriu o papel de distribuição dos produtos e o Brasil tem hoje um dos maiores porcentuais de população vacinada do mundo. Difícil vai ser colar esse blá-blá-blá diante das demonstrações quase diárias de desprezo pela ciência e de falta de sensibilidade social. Outro aliado do Palácio do Planalto cita como exemplo mais recente disso a lamentável postura do presidente que, em meio a uma semana de choque pelo assassinato brutal do congolês Moïse Kabagambe em um quiosque do Rio, se deixou filmar em um estande de tiros — e ainda mostrou inabilidade com uma pistola.

Na considerável lista de obstáculos até as urnas deste ano, talvez o maior deles seja o próprio Bolsonaro. “O antibolsonarismo pode ser um elemento fundamental nessa eleição”, afirma o cientista político Bruno Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Trata-se de um cenário bem diferente daquele que ajudou no sucesso do capitão em 2018. O parlamentar do baixo clero, com um discurso de outsider e que não precisou fazer costuras com partido algum para vencer, deu lugar ao homem responsável pela gestão da economia nos últimos anos, que teve tropeços durante a pandemia, e que precisa ceder a políticos de uma série de partidos que mantém controle do Legislativo. “Ele não é mais um candidato antissistema”, conclui Bruno Silva. Carlos Melo, cientista político do Insper, destaca ainda que a eleição de 2018 foi marcada justamente por um sentimento de esgotamento do sistema político, mas acompanhado sobretudo por um antipetismo que, de acordo com as pesquisas, já não é majoritário. “Ninguém, hoje, encarna o papel de ‘antibolsonaro’ como Lula”, afirma o especialista.

Nos oito meses que separam Bolsonaro das eleições, ele precisa desde já estancar a queda de popularidade e evitar que adversários tomem eleitores que já votaram nele. Nessa corrida contra o relógio, o comportamento errático de Bolsonaro é o elemento que sempre pode pôr todo o esforço a perder. “O maior inimigo de Bolsonaro é ele mesmo”, afirma um colaborador do alto escalão do governo. Embora o presidente ainda tenha uma base fiel de eleitores, ele precisa encontrar rapidamente um discurso capaz de atrair simpatia do eleitor de centro. Além disso, tem de se mostrar capaz de vencer Lula, considerando-se que o petista é presença certa no segundo turno. “Bolsonaro precisa se reinventar”, conclui Carlos Melo. Levar isso adiante será uma tarefa árdua — pelo curto espaço de tempo e pela personalidade destrambelhada do presidente. Se ele continuar a chamar de “pau de arara” e “cabeça chata” aqueles a quem pretende agradar, o sinal amarelo pode passar para vermelho em breve.

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