Declínio de Mamãe Falei interfere no quadro sucessório em SP

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A retirada da pré-candidatura do deputado estadual Arthur do Val (sem partido) ao Governo de São Paulo, após o vazamento de falas de teor sexista, inaugurou a fase de definições do cenário eleitoral e mexeu com o tabuleiro da centro-direita, mas o xadrez ainda tem várias peças em movimentação.

Além do impasse à esquerda, com a possível sobreposição das candidaturas de Fernando Haddad (PT) e Márcio França (PSB), as campanhas de Rodrigo Garcia (PSDB), Tarcísio de Freitas (rumo ao PL) e Vinicius Poit (Novo) sofrem reflexos da desistência do integrante do MBL (Movimento Brasil Livre).

Com 2% na pesquisa Datafolha de dezembro, Arthur, conhecido como Mamãe Falei, projetava crescimento com base nos surpreendentes 9,8% dos votos válidos que obteve na disputa para prefeito da capital paulista em 2020. Apostava também na vinculação ao presidenciável Sergio Moro (Podemos).

Tragado pelo escândalo da divulgação de mensagens com comentários ofensivos sobre as mulheres da Ucrânia, para onde viajou com a justificativa de ajudar vítimas da invasão pela Rússia, o deputado recuou da candidatura ao governo e até de tentar a reeleição, além de pedir desfiliação do Podemos. Ele é alvo de um processo de cassação na Assembleia.

Políticos e estrategistas envolvidos no certame paulista afirmam que a desistência de Arthur pulveriza seus votos entre candidatos da direita e do centro —apenas Haddad e Guilherme Boulos (PSOL), por serem totalmente identificados com a esquerda, não teriam benefício algum.

A hipótese de que um substituto de Arthur no Podemos herde sua fatia no eleitorado é considerada remota, já que as pré-candidaturas aventadas para seu lugar não foram levadas a sério até agora e não teriam o mesmo potencial de repercussão do deputado-youtuber.

Como mostrou a Folha, o MBL, alojado no Podemos desde janeiro, e Moro trabalham para isolar o caso Arthur e manter a aliança na eleição deste ano.

Um impasse a ser resolvido, porém, é o fato de que o Podemos indicou que a presidente da sigla, deputada federal Renata Abreu (SP), poderá concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, enquanto o movimento quer lançar outro de seus líderes, o vereador da capital Rubinho Nunes (Podemos).

Na prática, porém, a aposta em outras campanhas é a de que o nome de Renata ou de Rubinho será usado como chamariz para a formação da chapa ao Legislativo, sem que o partido de fato leve a candidatura majoritária até o fim.

Neste sábado (12), em evento do Podemos Mulher, Moro voltou a defender a candidatura de Renata, mas admitiu o apoio a outro candidato. “Não vai faltar espaço em São Paulo. Esse palanque será construído. Ou vai ser um candidato próprio, ou vamos apoiar alguém”, afirmou à Folha.

Aliados do vice-governador Rodrigo Garcia acreditam que o tucano é o mais beneficiado com a saída de Arthur do páreo. O raciocínio se baseia no fato de que o MBL defende a chamada terceira via —que no estado seria mais bem representada por Rodrigo.

Em segundo lugar, apoiadores do vice lembram que, mesmo com a candidatura de Arthur vigente, boa parte do Podemos paulista, incluindo prefeitos e deputados estaduais, já havia declarado que faria campanha pelo tucano.

O vácuo deixado pela desistência empurraria o partido para Rodrigo de vez, inclusive como parte da coligação, o que poderia aumentar seu tempo de TV.

“Continuamos apoiando o Rodrigo e acredito que os votos do Arthur serão direcionados para ele, porque Arthur nunca foi esquerdista, sempre bateu muito no PT e no presidente Jair Bolsonaro [PL]”, afirma o líder do Podemos na Assembleia de São Paulo, Márcio da Farmácia.

Questionado sobre a possibilidade de Renata ser candidata, ele afirmou que não comentaria boatos —embora o nome dela tenha sido indicado por Moro, que quer garantir um palanque no estado. “O partido não informou sobre essa candidatura, temos que ter uma nota oficial para sentar e discutir.”

“O eleitorado do Podemos e do MBL é mais próximo do Rodrigo, não encaixa com Haddad, Tarcísio ou França”, defende o presidente do PSDB da capital, Fernando Alfredo.

Tanto membros do Podemos quanto do PSDB, no entanto, avaliam ser difícil a viabilização de Rodrigo como palanque de Moro em São Paulo por causa da ligação profunda entre o vice e o governador João Doria, presidenciável tucano.

A saída de Arthur também animou alas do partido Novo, que viram uma brecha para avançar sobre o eleitorado de perfil liberal que Arthur buscaria aglutinar. Poit, que tem marcado 1%, disse esperar subir para um patamar de 4% a 5%, e relatou ter notado migração de apoios em sua direção.

“Tenho sido procurado por pessoas que ficaram desapontadas com tudo que houve e têm visto em nós a melhor opção agora, justamente porque param para observar e enxergam nosso histórico de trabalho focado em soluções e com entregas concretas”, afirma o deputado federal.

Apesar do otimismo, avaliações feitas nos bastidores lembram que o recorte ideológico é menos determinante para o eleitor em disputas locais do que em nacionais. Poit, que em 2021 chegou a ser convidado por Arthur para ser vice dele, quer se apresentar como opção de renovação.

“Poit é alguém do diálogo, e não do confronto”, diz o presidente estadual do Novo, Alfredo Fuentes. “Nosso projeto não é unicamente eleitoral, é também partidário. Podemos partir de um patamar menor, mas com potencial de crescimento mais orgânico, que gera frutos para o partido a longo prazo.”

Entre aliados de Bolsonaro, que apoiará seu ministro da Infraestrutura na eleição paulista, a exclusão de Arthur foi recebida com um misto de desdém e satisfação. O deputado virou inimigo do bolsonarismo depois que o MBL rompeu com o mandatário e passou a atacá-lo.

Para o deputado estadual Gil Diniz (PL-SP), o colega de Assembleia caminhava para um desempenho fraco na briga pelo Bandeirantes.

“Ele teria pouquíssimos votos e serviria ao projeto do PSDB. Seria uma linha auxiliar tucana para desgastar outras candidaturas. A saída dele pode dar uns poucos votos que ele teria ao Garcia”, diz.

Sem o estilo incendiário e midiático de Arthur na campanha, a tendência é que o confronto entre os candidatos bolsonarista e governista ganhe espaço, impulsionado pelo embate entre Bolsonaro e Doria, que, querendo ou não, será vinculado a Rodrigo.

“O Tarcísio está crescendo muito. Está assustando os tucanos”, afirma Gil. A chance de o candidato bolsonarista se tornar competitivo é admitida até mesmo em setores da esquerda, que reconhecem a influência do endosso do presidente sobre uma parcela da população no estado.

Para a campanha do ex-ministro Abraham Weintraub (Brasil 35), a derrocada do membro do MBL “não muda nada”, afirma o advogado Victor Metta, um dos principais auxiliares do pré-candidato.

“A candidatura do Arthur nunca foi relevante no cenário. O resultado bom que ele teve na eleição para prefeito teve a ver com a falta de qualidade das pessoas que estavam concorrendo. E agora ele teria na direita bons nomes fazendo o enfrentamento”, diz Metta, citando Weintraub, Tarcísio e Poit.

Na visão dele, os votos de Arthur devem migrar para o candidato do Brasil 35. “Os dois têm essa postura combativa, ainda que sejam diferentes em todos os demais aspectos. Acho que isso acaba fortalecendo o núcleo duro da direita, porque o MBL estava toda hora ciscando para fora”, avalia.

Já o entorno de França sustenta a tese de que o candidato do PSB é a segunda opção para os eleitores dos demais candidatos e, por isso, tende a se beneficiar com os votos que seriam de Arthur. Aliados do ex-governador lembram que ele transita bem entre os campos da direita e da esquerda.

De acordo com o deputado estadual Caio França (PSB), filho do pré-candidato ao governo, os simpatizantes do MBL podem ver em França um competidor com chances de vencer. “É um candidato leve, que agrada à chapa toda, que tem facilidade com muitos setores”, completa.

O ex-governador está no centro de outros movimentos que podem, assim como a saída de Arthur, impactar o desenho da eleição paulista.

Com PT e PSB acertados em torno da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), resta o impasse em São Paulo entre Haddad e França. O pessebista propôs que o mais bem posicionado em pesquisas em maio seja o candidato —o outro provavelmente concorreria ao Senado.

Mas a hipótese de que ambos disputem não está descartada. Nesse caso, França espera contar com o apoio do PDT e do PSD, partidos com os quais conversa. O PDT lançou Ciro Gomes ao Planalto, enquanto o PSD busca uma candidatura própria e espera que Eduardo Leite (PSDB) aceite esse convite.

Segundo aliados de França, o ex-governador não teria problemas em dividir seu apoio a três presidenciáveis —Lula, Ciro e Leite.

Há ainda a possibilidade de que o PDT e o PSD tenham candidaturas próprias em São Paulo. O partido de Ciro cogita lançar algum quadro oriundo do interior do estado. Dialoga, por exemplo, com Elvis Cezar, que é ex-prefeito de Santana de Parnaíba e está de saída do PSDB.

Já o PSD espera a decisão do prefeito de São José dos Campos, Felicio Ramuth (PSD), que até agora afirma ter o apoio de líderes da região para disputar.​ Ramuth diz que responderá ao convite nos próximos dias e garante que a sigla presidida pelo ex-ministro Gilberto Kassab terá candidato no estado.

OUTROS PRÉ-CANDIDATOS AO GOVERNO DE SP
Fernando Haddad (PT)

Não seria impactado pela saída de Arthur por ser da esquerda e inimigo do MBL. Apoiado por Lula (PT), ainda busca unificar seu campo, dividido com França e Boulos
Márcio França (PSB)

Pode herdar votos de Arthur por transitar também na direita. Decide se retira a candidatura por Haddad ou se mantém, tentando atrair PSD e PDT
Tarcísio de Freitas (rumo ao PL)

Aliados do ministro desdenham do desempenho de Arthur, mas adversários veem benefício a ele com a saída do deputado estadual
Guilherme Boulos (PSOL)

É outro nome que, por estar em campo oposto, não teria eleitores de Arthur. É pressionado a desistir em prol de Haddad, já que o PSOL apoiará Lula (PT)
Rodrigo Garcia (PSDB)

É visto como beneficiário da saída de Arthur porque já tinha apoio de membros do Podemos e agora pode atrair o partido de vez para sua coligação
Vinicius Poit (Novo)

Diz ver migração de eleitores do MBL para ele, que também aposta no perfil liberal e chegou a ser convidado por Arthur para ser candidato a vice
Abraham Weintraub (Brasil 35)

Não vê relevância na candidatura de Arthur, mas aliados acham que pode herdar votos por ser combativo como o deputado do MBL

Folha de SP