Gastos eleitorais de Bolsonaro podem chegar a R$ 250 bi

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Em sua campanha à reeleição, Jair Bolsonaro já definiu alguns caminhos para explorar. Um deles é bem claro: ele pretende reavivar o antipetismo de parcela do eleitorado e a rejeição a figuras conhecidas do PT, especialmente Dilma Rousseff. As fragilidades da ex-presidente são conhecidas e, entre elas, destacam-se suas manobras tresloucadas na economia, um intervencionismo que deixou como legado a maior recessão de nossa história. “Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”, declarou Dilma certa vez, reconhecendo que ela, em particular, e os governantes, em geral, recorrem a toda sorte de bondades — e até de irresponsabilidades — para conquistar um novo mandato. Bolsonaro, que em seus discursos pretende marcar diferenças em relação aos antecessores petistas, na prática está seguindo o mesmo receituário. Em segundo lugar nas pesquisas, o presidente flexibilizou o teto de gastos para aumentar as despesas da União, vem distribuindo benesses a segmentos específicos da sociedade e, apesar da promessa de defesa da agenda liberal na economia, ensaia uma intervenção na Petrobras a fim de reduzir o valor dos combustíveis. Calcula-se que o custo total do governo na expectativa de virar o jogo já esteja na casa de pelo menos 250 bilhões de reais.

Desde o ano passado, quando o governo passou a ser reprovado por metade da população, Bolsonaro acelerou a adoção de medidas destinadas a estimular a atividade econômica e atenuar os efeitos da inflação, que fechou 2021 acima de 10% e persiste nesse patamar, considerando o período de doze meses encerrado em fevereiro. O presidente e seus assessores concordam que ele só terá chance de ser reeleito se o PIB crescer, o desemprego cair e a carestia dos produtos e o endividamento das famílias diminuírem. Pesquisa da Quaest realizada em março mostrou que para 56% dos entrevistados a capacidade de pagar as próprias contas piorou nos últimos três meses. Para 15%, melhorou. O número ilustra o tamanho do desafio à frente do mandatário. Como faz desde o início da pandemia de Covid-19, Bolsonaro se isenta de responsabilidade pela situação e culpa, entre outros, os governadores e a aposta deles no lockdown para conter a disseminação do vírus. Como esse discurso não quita boletos nem serve comida à mesa, o ex-capitão resolveu gastar a tinta da caneta presidencial de olho na eleição de outubro.

Na segunda-feira 21, o presidente zerou o imposto de importação do etanol e de seis produtos da cesta básica, como café, açúcar e óleo de soja. Antes, já tinha reduzido em 25% o IPI de bens como carros e eletrodomésticos, repetindo uma iniciativa tomada por Dilma. Além do corte de tributos, um milagre brasileiro típico de anos eleitorais, o governo baixou medidas para injetar recursos na economia. Na quinta-feira 17, por exemplo, autorizou o pagamento antecipado do 13º salário a 30 milhões de aposentados e pensionistas do INSS e o saque de até 1 000 reais a 40 milhões de trabalhadores com saldo em suas contas de FGTS. As duas medidas juntas podem movimentar cerca de 86 bilhões de reais. O governo ainda ampliou a margem para a contratação de empréstimos consignados, o que, em suas estimativas otimistas, pode resultar em mais 77 bilhões de reais em crédito para pessoas físicas. A dúvida é se as famílias, já devidamente endividadas, cairão na tentação. Na seara da liberação de recursos, a ação mais eficaz até agora foi a implantação do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família e paga um benefício duas vezes maior do que o do programa anterior.

No Palácio do Planalto, admite-se que o novo programa contribuiu de forma decisiva para que a reprovação a Bolsonaro caísse entre as pessoas que têm renda mensal de até dois salários mínimos. Nesse grupo, que representa metade do eleitorado brasileiro, a reprovação passou de 57% em fevereiro para 49% em março, de acordo com a Quaest. O presidente, que nos tempos de deputado atacava o “Bolsa-Esmola”, agora aposta em seu sucessor turbinado para conseguir a redenção. Não será fácil. Hoje, um dos principais motivos do mau humor do eleitorado é o preço da gasolina e do botijão de gás. Por orientação do presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) perguntou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se uma eventual redução dos impostos sobre combustíveis em ano eleitoral fere a legislação e configura abuso de poder político. A ideia era conseguir um aval do TSE para agir nesse sentido. Por não caber prejulgamentos sobre condutas de agentes públicos, o TSE se recusou a analisar a questão. Restou ao presidente, então, uma alternativa mais arriscada.

Há semanas, Bolsonaro e aliados dele, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, pressionam o comandante da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, a abandonar a política de preços da companhia e baixar na marra o valor da gasolina. Como ainda não conseguiram atingir esse objetivo, o presidente e seus assessores cogitam demitir Silva e Luna e submeter a petrolífera ao projeto de reeleição. O Centrão já está pronto para escolher o eventual sucessor e, obviamente, realizar o serviço demandado pelo chefe. “Não querem reduzir o preço dos combustíveis porque vai reduzir o salário deles”, disse Bolsonaro num ataque frontal aos diretores da empresa.

Integrante da coordenação de campanha do presidente, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, nega que as ações do governo tenham motivação eleitoral. “O grande diferencial deste governo é que ele não faz tudo pensando nas eleições. Se fizesse, não tinha tornado o Banco Central independente”, declarou a VEJA o ministro. “Bolsonaro vai ser reeleito por uma combinação de fatores, como estabilidade, respeito ao teto de gastos e credibilidade”, acrescentou. Por via das dúvidas, a coordenação da campanha encomendou uma pesquisa qualitativa para ajudar na tomada de decisões. Foi detectado, por exemplo, que o eleitor não credita ao governo a independência do Banco Central, a criação do Pix e a compra e distribuição de vacinas contra a Covid-19. Nas redes sociais, já existe até um esforço para fazer do Pix um novo trunfo na estratégia eleitoral do presidente.

A pesquisa qualitativa também descobriu que, caso Bolsonaro se vacinasse contra a Covid-19 num evento público, ele poderia ganhar 5 pontos porcentuais em intenções de voto. Hoje, ele tem 26%, segundo a Quaest, enquanto Lula marca 44%. O presidente ainda não aceitou essa sugestão (nem deve fazê-lo), mas parou de dar declarações contrárias à obrigatoriedade de vacinação em geral e à imunização de crianças. Assim, deixou de lado uma agenda que, conforme seus próprios aliados, era negativa e só gerava desgaste. Além da prioridade à pauta positiva decorrente de um pacote de medidas econômicas, Bolsonaro não descuida das alianças políticas. Mesmo com as sérias restrições de caixa, ele sancionou a decisão do Congresso de aprovar 16 bilhões de reais este ano para o chamado orçamento secreto, que serão usados por sua base de apoio em seus respectivos redutos eleitorais. A dinheirama significa uma vantagem competitiva com relação à oposição, que raramente é contemplada por esses recursos.

Em paralelo, o presidente também continua a afagar os evangélicos, uma de suas principais bases de apoio. No ano passado, ele indicou o advogado e pastor presbiteriano André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal com o objetivo, como o próprio Bolsonaro admitiu, de colocar alguém “terrivelmente evangélico” na Corte. Já nesta semana, o presidente não proferiu uma palavra sequer de admoestação ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, também evangélico, que permitiu que dois pastores sem vínculo com a administração pública intermediassem a liberação de recursos da pasta para prefeituras. Ao jornal O Estado de S. Paulo, um dos prefeitos disse que um dos pastores lhe pediu dinheiro e ouro para cuidar da demanda por recursos. Até o fechamento desta edição, o presidente não havia cobrado publicamente o ministro, que negou qualquer irregularidade e continuava prestigiado. Em ano de eleição, a fé e o silêncio — assim como a distribuição irrefreada de dinheiro — também têm o seu valor.

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