Bolsonaro está deixando você mais pobre

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O brasileiro está saindo do período de dois anos de pandemia mais pobre, atingido pela inflação mais forte em duas décadas e pelos juros mais elevados desde 2017. A cesta básica hoje custa quase 50% mais que em 2020. Bens de consumo duráveis subiram tanto que hoje o carro usado vale mais que quando foi lançado, zero km, há dois anos. O brasileiro está mais pobre porque a renda das famílias não está acompanhando essa carestia. O salário mínimo subiu menos que a inflação. Além disso, os produtos estão subindo muito mais que os índices de preços. Mesmo que o salário acompanhasse a inflação, não seria suficiente para repor o poder da compra. Para piorar, a renda média da população caiu 4,2% desde março de 2020. Então, a tendência é todos ficarem mais pobres por anos. Só quem é promovido, muda de trabalho ou ganha algum prêmio ou herança pode conseguir uma reposição adequada.

A inflação que temos hoje empobrece o brasileiro, que tem seu poder de compra reduzido, pois alimentos, tarifas públicas, gás de cozinha, combustíveis, energia, tudo tem subido muito acima da inflação, e a renda não vem crescendo. Antonio Corrêa de Lacerda, PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia

Antonio Corrêa de Lacerda, coordenador do programa de pós-graduação em Economia Política da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia, diz que a perda de poder aquisitivo das famílias será permanente se a renda dos trabalhadores não tiver aumentos reais (acima da inflação).

Isso quer dizer que a simples reposição do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial de inflação do governo, não é suficiente para a pessoa recuperar o poder de comprar bens que tiveram os preços reajustados para cima em um certo período.

A cesta básica, por exemplo, custava R$ 626,00 em São Paulo em março do ano passado. Em março de 2022, ficou em R$ 761,19, um aumento de 21,6%, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Se um trabalhador recebeu agora em abril um reajuste de 11,3% (inflação oficial no período), ele terá de comprar menos alimentos. Essa perda de poder de compra fica permanente, mesmo com o reajuste. A pessoa fica mais pobre e não consegue alcançar o nível de consumo que tinha antes. E muitos trabalhadores não têm nem o reajuste pela inflação, o que é pior ainda.

Esse descompasso continua porque a cesta básica segue subindo de preço todo mês, enquanto o salário só vai ser reajustado -se for- ao fim de 12 meses, afirma o economista Guilherme Moreira, coordenador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo)

A inflação alta sempre representa menor poder aquisitivo porque as pessoas não conseguem recompor perdas. O aumento de salário que vem lá na frente não repõe o poder de compra. Guilherme Moreira, coordenador da Fipe

Pesquisas de diferentes fontes mostram que os preços estão subindo mais que a renda. Muitos bens e serviços avançam a um ritmo superior ao IPCA, que representa uma média da economia. Veja abaixo algumas variações de preços entre março de 2020, quando começou a pandemia, e março último.

IPCA: +18,2% (IBGE)

Salário Mínimo: +16%

Renda média do brasileiro: -4,2% (IBGE)

Cesta básica em São Paulo: +46,8% (Dieese)

Cesta básica em Aracaju (SE): +34,5% (Dieese)

Essa inflação que está corroendo o poder de compra dos brasileiros afeta principalmente os mais pobres, dizem economistas. Isso porque os itens que mais estão subindo são justamente os essenciais, como alimentos, gás de cozinha e energia, que mais pesam na cesta das famílias de menor renda.

A inflação afeta também as famílias de classes mais elevadas, mas elas conseguem de alguma forma ajustar o orçamento, por exemplo, cortando despesas como viagens. Além disso, essas classes que têm algum tipo de investimento financeiro conseguem se aproveitar da alta dos juros para melhorar o rendimento das aplicações. As classes de menor renda não têm essas ferramentas para enfrentar esses aumentos de preços. Guilherme Moreira, coordenador da Fipe

Mas mesmo quem tem o privilégio de conseguir poupar parte do orçamento para investir e planejar o futuro está ficando mais pobre, afirma o economista chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.

Investir também é um tipo de consumo, então a inflação reduz a capacidade da família para buscar proteção do capital e do patrimônio. Esse impacto inflacionário é irreversível mesmo que haja recomposição por salários. Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos

Para conter o empobrecimento provocado pela inflação, o caminho seria o aumento da renda da população. Mas o desemprego elevado e o baixo crescimento econômico atrapalham a possibilidade de as famílias recuperarem o poder aquisitivo ou, ao menos, acompanhar a inflação, dizem economistas.

Mostramos nesta reportagem que é cada vez menor o número de categorias de trabalhadores que conseguem reajustes ao menos iguais à variação da inflação.

Os trabalhadores formais estão com dificuldades para repor as perdas salariais, com a crise econômica e o endurecimento das negociações desde a reforma trabalhista de 2017, que desvalorizou a negociação coletiva e enfraqueceu o movimento sindical. Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese.

Segundo o economista do Dieese, a desregulamentação do mercado de trabalho pela reforma trabalhista, o fim dos estoques reguladores dos alimentos e a descontinuidade das políticas de fortalecimento da agricultura familiar colocaram a economia brasileira em um círculo vicioso, difícil de ser revertido no curto prazo.

Para Corrêa de Lacerda, da PUC-SP, a recuperação do poder aquisitivo do brasileiro passa pelo crescimento da economia. E, para isso, o governo precisa adotar políticas de competitividade para gerar mais empregos em setores de maior valor agregado, como na indústria, que pagam salários maiores.

Procurado, o Ministério da Economia disse que não comentaria o assunto.

Uol