Entretenimento influirá na eleição

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Foto: Editoria de Arte com fotos Agência O Globo

É um engano pensar que a política domina as atenções nas redes sociais. Segundo o pesquisador em ciência de dados e professor Fabio Malini, esse lugar, na verdade, é do entretenimento.

Coordenador do Laboratório de Estudos Sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Malini dá o exemplo de perfis de fofoca no Brasil. Segundo ele, as páginas acumularam audiências enormes e heterogêneas no Instagram e hoje exercem influência expressiva na rede —com milhões de seguidores, superando em números contas de políticos e de veículos da imprensa tradicional.

O pesquisador monitora o que vê como uma tendência para a eleição deste ano: o “fofocariado político”, ou seja, a crescente apropriação de temas e personagens da política por parte de um ecossistema de “influenciadores do entretenimento”.

“Se a gente pegar, por exemplo, uma ferramenta de monitoramento [de redes sociais] como o Crowdtangle, e colocar lá as palavras mais básicas como Lula, Moro, Bolsonaro e Ciro, pelo menos metade dos resultados [no Instagram] será de perfis como “Choquei”, “Alfinetei”, “Hugo Gloss”, diz ele.

As páginas cobrem tradicionalmente temas como a vida dos famosos e o BBB e acumulam, respectivamente, 17, 21 e 19 milhões de seguidores no Instagram. Em comparação, as contas de três dos maiores veículos de imprensa do país (Folha, O Globo e Estadão) somadas têm 7,5 milhões de seguidores na plataforma.

O Lollapalooza deste ano foi uma amostra dessa mistura entre política e entretenimento após censura do TSE a manifestações no evento. Anitta, Fresno, Lulu Santos e vários outros artistas puxaram coro “Fora, Bolsonaro”, que foi replicado pela multidão e também nas redes sociais.

A confluência desse dois campos não vem de agora. Em agosto de 2019, por exemplo, no auge das queimadas na Amazônia, foi o showbiz que ajudou a alastrar, por meio das redes sociais, a repercussão do desastre ambiental para o mundo.

“A tendência deste ano é que o campo do entretenimento vai ser dominante na política”, diz ele. “E isso muda a configuração das candidaturas nas redes”.

A corrida ao Planalto tem sido marcada, até agora, pelo empenho de algumas pré-campanhas em adotar formatos nativos digitais e furar bolhas. O pedetista Ciro Gomes tem feito lives e “reacts” em seu canal no Youtube (PDT), além de participar de programas de podcasts. Lula (PT) adota caminho semelhante, e estreou no início de março o portal Lulaverso, que agrega canais de comunicação em diversas plataformas digitais.

O petista também tem se aproximado de influenciadores e artistas. Na terça-feira (29), um encontro com a cantora Ludmilla bombou nas redes. “Se o Lula aparece com a Ludmilla ou Anitta, quais mega contas do Instagram vocês acham que vão repercutir o babado?, diz Malini.

“Diferente de 2018, quando o antipetismo era dominante nas plataformas, 2022 terá a hegemonia política de influenciadores do entretenimento, misturando o que sabem fazer de melhor (vender) com o posicionamento anti-Bolsonaro, o que ajuda mais o Lula”.

A rejeição ao presidente, segundo ele, não seria expressa pelas páginas de forma direta ou através de alinhamentos formais a outras campanhas, mas sim por meio de um opinionismo político mais “ardiloso”, em que “se fala de uma coisa sem citar a coisa, ou quem está falando”.

A prática pode ser observada, diz Malini, quando os perfis passam a tematizar, mesmo de maneira jocosa, assuntos como aumento do preço de alimentos e inflação. “Nitidamente aqueles perfis começam a se alinhar a uma candidatura antibolsonarista”, afirma.

O interesse seria atrair dinâmicas de polarização para as caixas de comentários, aumentando o volume de interações do público. “Por um lado você tem a dimensão política, mas por outro há a dinâmica da monetização acontecendo”, conta.

A concentração dessa tendência no Instagram, aliás, se justificaria pela forma como a plataforma da Meta reúne, com mais força, o universo das celebridades. É lá onde os influenciadores e as páginas possuem uma plateia sólida, que atrai o mercado publicitário.

“Ainda que o Youtube tenha agora os “shorts” [vídeos curtos], é no Instagram onde estão os Stories, os Reels, que geram muita visualização e aumentam ainda mais a plateia desses influenciadores”, afirma ele. “É lógico que, com essa audiência tão heterogênea, essa conexão com a política vai acontecer nesses espaços onde os perfis já estão consolidados”.

O pesquisador argumenta ainda que a pandemia acelerou o processo de digitalização da população, e que a eleição deste ano terá eleitores muito mais educados tecnologicamente.

“Se a gente falava em 2018 sobre a necessidade de se ter uma criticidade quando se está na internet, pelas evidências que temos, o eleitor hoje é muito mais digital e muito mais atento ao que acontece nas diferentes plataformas”.

Folha