Ministério da Defesa financia campos de futebol e capelas

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

Com perfil discreto, o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Walter Braga Netto se tornou o favorito para assumir o posto de candidato a vice na campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. O general da reserva deixou o comando da pasta militar na semana passada e passou a ocupar um cargo de assessor da presidência da República, com salário de R$ 16,9 mil, abaixo dos R$ 39 mil que recebia na Esplanada.

Despachando do terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros de distância do gabinete de Bolsonaro, Braga Netto tem se preparado para auxiliar o presidente nas eleições deste ano. Nesta quarta-feira, antes de iniciar o seu expediente, o general da reserva deu uma rara entrevista ao GLOBO.

Num primeiro momento, como de costume, ele resistiu a responder, por exemplo, como estava se sentindo diante da possibilidade de concorrer a um cargo eletivo.

— Olha só, eu não sou ministro, mas sou assessor. Enquanto eu for assessor, enquanto eu estiver no governo eu não vou falar.

Na sequência, porém, não resistiu a opinar quando foi questionado se Bolsonaro seria reeleito.

— Eu acho que o presidente vai ganhar. Tem tudo para ganhar. Está fazendo tudo de bom. O governo tem um grupo técnico. Olha quantos ministros entraram agora e quantos são indicações políticas. São todos técnicos — disse Braga Netto.

A maior parte dos novos ministros, empossados na semana passada, ocupava o posto de secretário-executivo de seus antecessores, que deixaram a Esplanada também disputar as eleições. Muitos deles se filiaram a partidos do centrão e continuam tendo influência sobras suas antigas pastas.

Braga Netto também comentou as reportagens do GLOBO que revelaram que o Ministério da Defesa destinou R$ 588 milhões do orçamento secreto para bancar até a construção de capela funerária e campos de futebol. Os recursos fazem parte das chamadas emendas de relator, instrumento utilizado para contemplar aliados do governo em troca de apoio no Congresso. Ao todo, 11 senadores foram contemplados com as verbas, sendo que a maioria deles é alinhada ao governo Bolsonaro.

Braga Netto argumentou que, embora os projetos tenham sido executados pela pasta da Defesa, tais despesas foram destinadas por meio de emendas de relator (conhecidas também como “RP9”) e, portanto, são de responsabilidade do Congresso.

— Não tem orçamento secreto nenhum. A única coisa que a Defesa faz, e que antigamente o pessoal não fazia, são os projetos. Existia um programa chamado Auxílio Financeiro aos Municípios da Faixa de Fronteira. O pessoal todo ano devolvia dinheiro. Aquilo ali não era da Defesa, veio para a Defesa. A Defesa só organiza aquilo ali, recebe os pedidos. São os parlamentares. A Defesa só executa.

A maior parte dos recursos do orçamento secreto desembolsada pelo Ministério da Defesa em 2021, sob a gestão de Braga Netto. O dinheiro foi repassado a municípios por meio do programa Calha Norte, criado na década de 1980 diante de uma preocupação dos militares com a Amazônia. O objetivo dessa ação é investir em projetos de infraestrutura básica, aquisição de equipamentos e compra de bens para quartéis na região, principalmente em áreas distantes dos grandes centros urbanos.

Segundo levantamento do GLOBO, uma parte das emendas de relator destinadas pela pasta serviu a outro propósito — construir praças, passarelas de concreto e até para bancar obras de edifícios que vão abrigar as câmaras de vereadores em duas cidades do interior do Amapá (Tartarugalzinho e Cutias) e uma no Amazonas (Careiro), ao custo de R$ 1,5 milhão cada. Irrigado pelo orçamento secreto, o caixa do Calha Norte dobrou de tamanho em 2021 — e passou a atender redutos eleitorais de aliados do governo.

Por meio de nota, o Ministério da Defesa informou que o programa Calha Norte não leva em consideração a forma com os parlamentares indicam recursos, se as emendas que chegam são impositivas ou de relatoria, “mas, sim, se estão em conformidade com as diretrizes técnicas”. A pasta também ressalta que o programa “abrange 619 municípios em 10 estados. Assim, qualquer parlamentar dessas localidades têm a prerrogativa de propor emendas que serão analisadas mediante critério técnico”. O órgão ainda afirma que “o ministro não interfere na destinação de recursos do Programa Calha Norte”.

Assim como Braga Netto, o ministério, porém, não explicou por que apenas 11 senadores tiveram a prerrogativa de enviar recursos via emendas de relator.

O Globo