Randolfe diz que Lula só vence Bolsonaro com frente ampla

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Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Randolfe Rodrigues está preocupado. O principal líder da oposição ao governo Bolsonaro no Congresso e integrante da coordenação da campanha de Lula avalia que, a seis meses da eleição presidencial, as forças democráticas e o PT devem avançar para um outro patamar de enfrentamento a Bolsonaro. O senador da Rede do Amapá advoga que esta deve ser uma eleição de um único turno, sob pena de o PT ser novamente derrotado pelo atual presidente. Randolfe avalia que Bolsonaro hoje está muito mais forte do que em 2018, porque agora, além do apoio dos militares, trouxe para o núcleo do governo o que de mais profissional existe na política brasileira, no mau sentido, o Centrão. Em entrevista à coluna, faz um alerta: se os democratas não se unirem e se Lula não conversar com setores mais amplos da sociedade, para além da esquerda, Bolsonaro sairá vitorioso.

O senador compara o momento atual ao das Diretas Já, e propõe que Lula faça gestos em direção a todo o campo democrático, inclusive outras pré-candidaturas, como as da senadora Simone Tebet e dos ex-governadores João Doria e Eduardo Leite. Além, claro, de ex-aliados, que foram ou são pré-candidatos. Randolfe tenta há meses reaproximar Lula e Marina Silva, rompidos há mais de uma década, primeiro por divergências políticas e depois pela campanha fratricida feita pelo PT contra a senadora em 2014, na campanha de reeleição de Dilma Rousseff. O petista já deu sinais de que gostaria de se reconciliar com Marina, mas o PT resiste em qualquer pedido de desculpas. Randolfe acha que todos esses atores devem ter uma “tomada de consciência” sobre o momento histórico que o país atravessa.

“Já conversei com a Marina, mas a tomada de consciência deve ser não só dela, deve ser de Ciro, de setores democratas do MDB, que são muitos, dos setores democráticos do PSD não existe uma terceira opção. Existe a democracia e o pacto civilizatório ou o fim disso. (…) O PT também precisa ter essa consciência.”

Sobre a necessidade de Lula ter conversas mais abrangentes do que vem tendo, Randolfe sugere que o ex-presidente se apresente como o Lula de 2002, e não como o de 1989.

“A campanha de Lula, e faço uma autocrítica porque estou nela, tem que ir para a rua, chamar toda a sociedade para conversar. Conversar com os sem-terra e com o agronegócio. Com o bancário, e com banqueiros. Conversar com os rincões da Amazônia e com a zona sul do Rio de Janeiro. Tem que caminhar pelo Nordeste, mas também pelo Sul. Conversar com o chão de fábrica e com a Faria Lima. Tem que conversar com a mídia alternativa, mas também com a Globo e a Record. Não deve ser uma candidatura da esquerda, mas sim uma candidatura da união nacional”, defendeu.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

A que o senhor atribuiu a recente melhora da popularidade do presidente Bolsonaro?

A ascensão do Bolsonaro foi em parte acidental, mas o movimento de reação que o coloca no patamar em que está não é acidental. Ele organizou um bloco de poder militar e parlamentar, que é para durar. O bolsonarismo e Bolsonaro vieram para a esculhambação completa das instituições, mas a base é o que tem de mais profissional na política brasileira. O velho Centrão era sócio, agora está no centro da constituição desse governo. Se a esquerda, os progressistas, os democratas, os republicanos e os liberais não se esquecerem dos rancores que os dividiram no passado e não compreenderem que têm um papel imediato em combater essa estratégia, Bolsonaro vai ser reeleito. Ele trabalha com três pilares: a mentira; a intimidação de políticos, jornalistas, ministros do STF, sociedade civil; e o suborno, para aprovar auxílios de última hora, reajustes salariais perto da eleição e tudo mais que for necessário para ganhar.

O que fazer diante deste cenário?

Os democratas devem esquecer os rancores do passado. O ano de 2018 foi a eleição da antipolítica. Chegou a hora de fazer a boa política na melhor expressão do termo. Se prevalecerem rancores ou purismos nesses momentos, terminaremos no ostracismo ou na prisão, nunca na conquista do poder político. Se democratas, liberais e setores da esquerda não compreenderam isso e não construírem alianças, eu temo que será muito difícil derrotar o Bolsonaro, porque ele não existe por si só, ele é o representante de um movimento, do bolsonarismo.

Como assim?
Compreendi no ano passado que a eleição caminhava inexoravelmente para a polarização. Não estamos diante do esquema golpista mambembe do 7 de Setembro que o Bolsonaro tentou para se apossar do poder. Estamos em outro momento político e histórico. O bolsonarismo se profissionalizou com o Centrão e trouxe o Centrão para o núcleo de decisão política. É um bloco de poder de bandidos, cínicos, autoritários de toda a espécie, gente que está no poder há muitos governos, agora aliado aos militares. Assusto-me, porque parece que a sociedade passou a perceber isso como o novo normal. Se não derrotarmos Bolsonaro este ano, temo não termos um retorno ao pacto civilizatório que fundou a Nova República. Entendo que a Nova República acabou com a eleição do Bolsonaro. Precisamos voltar a ela, voltar ao que foi construído após a Constituição de 1988, com MP independente, PF autônoma, instituições funcionando, liberdade de imprensa, estrutura de transparência de combate a corrupção, federalismo, instituições democráticas… Se não derrotarmos agora, tudo isso será uma lembrança tão distante como o Golpe de 1964 tinha passado a ser durante a Nova República. E isso será trágico para o Brasil.

Como está o processo de reconciliação de Marina Silva com o PT?

Já fiz tudo possível. Qualquer observador da política tem que ter responsabilidade neste momento. Sou fruto da redemocratização, não é possível que os atores que surgiram com a democracia e lutaram pela democracia não tenham essa responsabilidade e esse entendimento. Já conversei com a Marina, mas a tomada de consciência deve ser não só dela, deve ser de Ciro, de setores democratas do MDB, que são muitos, dos setores democráticos do PSD. Essa reflexão foi a base para eu dizer já no ano passado que não existe uma terceira opção, uma terceira via. Existe a democracia e o pacto civilizatório ou o fim disso, que significa o triunfo de uma experiência fascista no Brasil no século 21. Falo isso com muito conforto, porque divergi em muitos momentos dos governos do PT. Fui de oposição ao governo Dilma, embora tenha sido contra o impeachment.

Como o senhor tem avaliado o desempenho da campanha de Lula, da qual o senhor é parte?

Tem que passar para a fase seguinte, advogo por isso. Estive com o presidente Lula em dezembro, no jantar do Grupo Prerrogativas, e em janeiro, quando ele me chamou pra ajudar na coordenação da campanha. Foi o presidente Lula que me convenceu a não ser governador do Amapá. Quem não gostaria de ser governador da sua terra? Fui conversar com ele, e ele me convenceu de que precisava da minha ajuda para o projeto nacional, e eu vi que não seria lógico eu costurar apoios para ele, como venho fazendo, e não ajudá-lo na campanha. Por isso renunciei à candidatura do governo. Vou ajudar na campanha e advogo que também faça isso mesmo quem não gosta do Lula, mas gosta da democracia, do pacto civilizatório, da Constituição de 1988, do MP atuante, independente, da PF autônoma, das instituições funcionando e transparentes. Pessoas que reconheceram o risco que é termos mais dois ministros do STF indicados por Jair Bolsonaro, termos um governo novamente comandado pelo Centrão. Todos que compreendem a importância disso devem estar conosco para a campanha sair vitoriosa em primeiro turno.

O que seria essa nova fase a que o senhor se refere?

Acho que já está concluída a fase de formação de palanques, de aliança com os partidos que devem apoiar. Agora, vejo que são necessários dois movimentos. O primeiro é ter diálogo direto com o povo, estar presente na rua, dialogar com a sociedade civil. O segundo é que, para ganhar essa eleição, Lula tem que se apresentar como o Lula de 2022. Precisamos menos do Lula de 1989 e mais do de 2022. O Lula de 2022 é o candidato da reconciliação do Brasil, da união nacional, do governo da transição e do restabelecimento da ordem democrática. Quem é de direita, quem é democrata, quem é social democrata, renuncie as diferenças para daqui a quatro anos. Nós vamos fazer a transição. Alguns argumentam que o PT errou em 1985, quando não apoiou a chapa de Tancredo Neves. Essa é uma crítica verdadeira e acertada. É o mesmo que não apoiar a chapa Lula e Alckmin neste ano. Não apoiar a chapa agora, por alguma eventual divergência, pode estar colocando a perder o que nós temos de democracia. E acho que a própria campanha de Lula, faço uma autocrítica porque eu estou nela, tem que ir para a rua, chamar a sociedade para conversar, chamar os atores nacionais, conversar com todo mundo. Conversar com os sem-terra, mas conversar com o agronegócio. Conversar com bancário, mas tem que conversar com banqueiros. Conversar com os rincões da Amazônia e com a Zona Sul do Rio de Janeiro. Tem que caminhar pelo Nordeste, mas também pelo Sul. Conversar com o chão de fábrica e com a Faria Lima. Tem que conversar com a mídia alternativa, mas também com a Globo e a Record. Não deve ser uma candidatura da esquerda, mas sim uma candidatura da união nacional.

O senhor já disse isso para o presidente Lula?

Disse isso a ele, e ele me pareceu muito consciente disso. Tanto é que ele estava muito convencido de que ter o Alckmin como vice seria uma representação disso. Mas quem sou eu pra falar isso pro Lula? Ele nos ensinou isso. Quando Lula foi eleito, eu era da esquerda do PT, e ele me mostrou como é fazer um governo desta natureza, conversando com todos os setores, fazendo as composições necessárias. Ele sabe, ele está consciente disso. Ele tem que dizer que o governo dele vai ser o governo que o jornalista vai poder trabalhar tranquilamente dentro do Palácio do Alvorada e que jornalista não vai correr o risco de agressão ao acompanhar o presidente em exercício do seu fazer, do seu ministério. O Brasil nunca precisou tanto do Lula de 2002 como precisa agora. A gente precisa dele para lançar o Brasil no século 21. O Brasil iniciou bem o século 21 e teve um intervalo medieval, que foi o governo Bolsonaro. O Lula tem que ser a transição, e ele tem que ter essa consciência de que tem que ser um governo de união nacional, para devolver o Brasil ao século 21.

O que tem impedido na sua visão que ele faça isso?

O PT precisa ter essa consciência. Ele já disse que não pode ser o candidato do PT, tem que ser o candidato de um movimento. As pessoas que estiveram com ele nos momentos mais difíceis têm que compreender que o Lula não é patrimônio partidário, não pertence ao PT. O Brasil está precisando do Lula pra fazer essa transição. Trata-se do Brasil agora. A campanha tem que ser ampla e tem que ter presente um comando de campanha amplo, que represente a diversidade do momento. No palanque das Diretas Já, em 1984, em que o próprio Lula participou, estavam Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Brizola, Mário Covas, mas estava lá também a dissidência do PDS. É esse o palanque que precisamos agora, e precisamos de um comando que represente essa pluralidade. Se o comando não for para o campo com essa pluralidade, ninguém está entendendo o que estamos vivendo. É chegado o momento de ser chamada a responsabilidade de todos, de todos. O PT tem que ter consciência do que está se passando, e as lideranças políticas, inclusive mais experientes que eu, devem entender que não há espaço para segundo turno nesta eleição. O segundo turno é no primeiro. O Moro entendeu isso claramente, e já fez o movimento de retorno para onde ele veio. Ele é produto do bolsonarismo, nunca esteve comprometido com o campo democrático, e voltou para o lugar dele.

O senhor acha que nomes do campo democrático deveriam rever suas candidaturas?

Eu acho que tem de ter. Eu acho que a candidatura do Lula tem de ter diálogo… A candidatura do Ciro Gomes não é uma candidatura antagônica e inimiga, e o gesto de diálogo e generosidade tem que partir da campanha do Lula, que está na frente. A campanha da Simone Tebet, do MDB, não é uma campanha inimiga, e também deve partir da campanha do Lula o gesto de generosidade para dialogar com ela. Eu diria até que nem a candidatura de Doria e Eduardo Leite são inimigas e antagônicas. A de Janone também. São candidaturas da democracia, do campo democrático, duelaram, polarizaram na política dos últimos anos, mas diante das ameaças fascistas não podem ser inimigas.

O senhor fala em tomada de consciência. O que seria isso exatamente?

Vou contar um episódio que ocorreu comigo no último fim de semana e que ilustra isso. Eu estive em Caruaru, em Pernambuco, e fui acompanhar a filiação de Túlio Gadelha à Rede. Terminado o ato, eu e o ex-deputado Maurício Rands fomos jantar. Estávamos com nossos companheiros. Túlio ia buscar Fátima Bernardes e ia encontrar com a gente. Eu, Rand e nossas companheiras chegamos antes e, no restaurante, um cidadão se levanta, vem na nossa direção e começa a nos agredir, a nos chamar de comunistas, a dizer que comunista é isso e aquilo. Numa agressividade feroz. Tivemos a solidariedade de todas as mesas ao redor, e o homem saiu do restaurante. Mas preferimos mudar de restaurante, porque pensamos que ele poderia estar com uma arma ou poderia ter saído para pegar uma arma. Era uma possibilidade concreta. Qual seria o tamanho da tragédia? Quantas cenas como essa não vão acontecer a partir de agosto? Quantos agressores não vão estar com uma arma? No passado, a agressão a um jornalista que fosse cobrir uma campanha era possível, mas não provável. Agora, não só é possível, mas provável. O risco de um jornalista cobrir a eleição de Jair Bolsonaro e ser agredido é muito grande. A agressividade deve ser ainda pior depois da publicação do resultado de uma eventual derrota. A tomada de consciência de que devemos nos unir contra tudo isso tem que ser minha, da campanha de Lula, tem que ser dos democratas, tem que ser de todo mundo.

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