Câmara não provê segurança a vereadoras trans ameaçadas

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Foto: Eduardo Anizelli/ Folhapress

As câmaras municipais com vereadoras trans que sofreram ataques ou ameaças afirmam que providenciaram ações de segurança ou buscam implementá-las.

A Folha vem mostrando em uma série de reportagens o cotidiano de ataques, ameaças e boicote vivenciado pelas parlamentares trans do país, além da articulação por candidaturas ao Congresso nas eleições de outubro.

Para a reportagem, foram ouvidas 24 delas –17 relataram situações de transfobia, e 11 citaram ameaças.

As casas legislativas ouvidas citaram iniciativas de segurança e suporte, mas em alguns casos não passam de medidas tímidas. Apenas uma das parlamentares, por exemplo, conta com escolta permanente.

Especialista ouvida pela Folha citou haver uma cultura do “deixa disso” dentro das casas legislativas.

Um dos casos mais graves, o da vereadora Benny Briolly, por exemplo, incluiu uma ameaça de morte contendo o endereço dela –a mensagem mandada a ela dizia que, se não renunciasse ao mandato, seria morta com uma pistola 9 mm. Ela chegou a deixar o país.

À reportagem a parlamentar disse que o único suporte que teve foi um carro blindado, cedido pelo partido. Além disso, ela sofre ataques na internet e foi alvo de falas transfóbicas dentro da própria Câmara Municipal de Niterói.

Questionada, a Casa afirmou que “está trabalhando junto às autoridades de forma a manter a segurança da vereadora”.

“Uma das medidas tomadas pela presidência do legislativo municipal, foi dar entrada em uma solicitação de escolta junto à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou Câmara, em nota.

Vereadora mais votada da história de Belo Horizonte (MG), Duda Salabert (PDT) afirmou à Folha que um colega parlamentar não reconhece a sua identidade de gênero, chamando pelo nome masculino.

Procurada, a Câmara de Belo Horizonte disse que conta com uma Corregedoria para apurar eventuais desvios de conduta ou quebra de decoro parlamentar, mas que não foi acionada pela vereadora.

“No caso narrado, não houve qualquer formalização de denúncia ou pedido administrativo de intervenção apresentado pela vereadora Duda Salabert. No âmbito administrativo nada foi apresentado.”

Duda recebeu três ameaças de morte, uma delas prometendo matar criança da escola onde dava aula. No entanto, ela não tem qualquer segurança extra.

Para a cientista política Priscila Lapa, as casas legislativas têm uma cultura de minimização das violências contra parlamentares trans. “As mesas diretoras atuam muitas vezes numa linha de minimizar a violência, inclusive transferindo para a parte ofendida e alegando uma equidade que não se concretiza.”

“Ainda predomina uma lógica muito corporativista e do deixa disso nos espaços de poder, o que é um benefício a quem tem mais força”, afirma Priscila.

No Legislativo, segundo a cientista política, existe um pouco mais uma percepção de inclusão porque ali é onde pode haver um discurso que possa contrapor ao status quo dominante. “Mas ainda é um espaço de adversidades para quem representa uma minoria”, afirma.

Entre as vereadoras entrevistadas pela Folha, apenas Erika Hilton (PSOL), de São Paulo, conta com uma escolta fora do local de trabalho. Desde o ano passado, quando recebeu ameaças, ela é acompanhada por dois guardas civis metropolitanos.

Outras casas afirmaram que não dispõem deste tipo de estrutura ou que não houve uma solicitação formal para que isso acontecesse, mas que outras medidas foram tomadas.

Filipa Brunelli (PT), vereadora de Araraquara, foi alvo de ataques e ameaça logo quando assumiu, em 2021. A mensagem mandava que ela comprasse um caixão.

Ela disse à Folha que na época do episódio, o presidente da Casa, Aluisio Boi (MDB), chegou a acompanhá-la em agendas externas.

No entanto, atualmente, relata ter medo em seus deslocamentos, feitos por meio de aplicativos, uma vez que os vereadores não possuem carro para deslocamentos fora do horário de trabalho.

O vereador afirmou à Folha que, caso surjam novas ameaças, “envidaremos todos os esforços ao nosso alcance para dar a segurança necessária ao direito de a vereadora defender suas opiniões no parlamento de Araraquara”.

O presidente da Casa ainda afirmou que foram tomadas medidas de segurança na ocasião da ameaça, incluindo a comunicação ao Poder Judiciário sobre o ocorrido.

“Procurando resguardar sua integridade física, oferecemos um veículo oficial para seus deslocamentos, buscando não prejudicar seus compromissos parlamentares. Tomamos um cuidado especial com sua movimentação dentro da cidade”, afirmou, em nota.

Gilvan Masferrer (DC), vereadora de Uberlândia, também relatou ameaças.

A Câmara Municipal da cidade informou que, na ocasião, a entrada das pessoas citadas como autores foi barrada. A casa legislativa ainda afirmou que o local tem segurança terceirizada em sua sede e que os vereadores não dispõem de qualquer escolta –o que não foi solicitado.

Entre as respostas dadas à Folha, algumas casas legislativas ficam mais no campo da retórica de apoio do que em relação a medidas concretas.

No caso da vereadora Isabelly Carvalho (PT), de Limeira, por exemplo, foi alvo de ataque e ameaça ao propor uma lei para criação do dia Marielle Franco, em fevereiro.

Em nota publicada na época dos fatos e reenviada à reportagem, o presidente da Câmara de Limeira, Sidney Pascotto (PSC), prestou solidariedade à vereadora e rechaçou os ataques.

“Neste momento, como presidente da Câmara Municipal, e em nome da instituição, cumpre-nos solidarizar com a vereadora Isabelly, prestando nosso incondicional e irrestrito apoio, pois não podemos ser complacentes com quem pratica, sob qualquer modo, atos, gestos ou manifestações de caráter ofensivo e preconceituoso”, diz a nota.

O comunicado ainda se dirige à vereadora dizendo “não esmoreça, continue na luta e conte conosco”, mas não informa medidas concretas sobre o caso.

Afetada na saúde mental em meio ao ambiente de preconceitos e ataques na política, a vereadora Regininha (PT), da cidade de Rio Grande (RS), disse que passou a sentir ansiedade e crises após iniciar atuação na política.

Diante disso, a petista passou a procurar apoio de psicólogos e profissionais de saúde.

A Câmara Municipal do Rio Grande afirmou, em nota, que “não possui, neste momento, ações pontuais para evitar casos de transfobia contra cada um de seus membros”.

Neste caso, a presidência da Casa se disse disponível para implementar ações nesse sentido e que já abriu diálogo com Regininha “para, no menor tempo possível, implementar estas ações de orientação e conscientização”.

Também alvo de ataques e ameaças, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), única parlamentar estadual trans do país, disse à Folha que a Assembleia Legislativa de SP se colocou à disposição para apoiá-la.

A Casa conta com maior segurança que a maioria das câmaras, uma vez que a própria Polícia Militar é responsável. Além disso, em casos de ameaças, há a possibilidade de medidas como aluguel de carro blindados, entre outros, em caso de solicitação.

Folha