Candidatos ignoram Justiça Eleitoral e fazem campanha antecipada

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Foto: Reprodução

Os fogos de artifício riscam o céu de Juazeiro (510 km de Salvador) no momento em que ACM Neto (União Brasil), pré-candidato ao Governo da Bahia, sobe no palco. Frente a um público de centenas, eleitores batem palmas enquanto as caixas de som tocam o jingle “ACM, meu amor”.

Dias antes, ele já havia participado de carreatas nas cidades de Santanópolis, Ouriçangas e Aramari, discursou com adesivo com seu nome no peito e fez uma caminhada pelas ruas de Sento Sé dançando ao ritmo do piseiro.

Seu principal adversário, o petista Jerônimo Rodrigues seguiu no mesmo fim de semana para Alagoinhas, norte do estado. A reunião com centenas de apoiadores teve clima de comício com jingle, locutor e até tema “Carruagens de Fogo” antes do discurso do pré-candidato.

Faltando três meses para o início oficial da campanha eleitoral de 2022, pré-candidatos a governos estaduais, Senado e Presidência caminham na linha tênue da legislação eleitoral e flertam com a campanha antecipada.

Os atos são divulgados como encontros com líderes políticos, comemorações de datas festivas, reuniões para elaboração de programas de governo e até mesmo cursos temáticos.

Mas não faltam elementos típicos de campanhas como caminhadas, carreatas, comícios, jingles, bandeiras e adesivos. E o ritmo é frenético: pré-candidatos visitam até quatro cidades por dia.

Desde a reforma eleitoral de 2015, que reduziu o tempo de campanha de 90 para 45 dias, houve uma flexibilização nas regras para o período de pré-campanha.

Neste ano, a campanha começará no dia 16 de agosto. Até lá, comícios não são autorizados, e eventos públicos de lançamento de pré-candidaturas, situação não prevista na lei, também são contestados.

É permitido ao pré-candidato participar de homenagens, eventos, debater políticas públicas, assim como publicar fotos e vídeos nos perfis das redes sociais. Mas o pré-candidato não pode fazer pedido de voto de forma explícita.

A internet também é um campo aberto para os pré-candidatos e terreno fértil para uma estratégia que o campo da comunicação política classifica de “campanha eleitoral permanente”.

A Justiça Eleitoral veda o impulsionamento de conteúdos fora do período da campanha, mas não há restrições para a publicações com teor eleitoral sem pedido explícito de voto. Desta forma, em alguns casos, a pré-campanha para 2022 já estava nas redes desde antes do início do ano eleitoral.

A movimentação dos pré-candidatos nas ruas e nas redes acendeu alerta das Procuradorias Eleitorais e também fez os partidos iniciarem batalhas judicial nos estados.

Na Bahia, o PT deu entrada em quatro ações na Justiça Eleitoral por propaganda eleitoral antecipada contra ACM Neto questionando a realização de carreatas, o uso de outdoors com fotos do pré-candidato, além de uma postagem em uma rede social que foi interpretada como um pedido de voto.

Das quatro ações, duas tiveram liminares acatadas pela Justiça Eleitoral: outdoors tiveram que ser retirados e a postagem apagada. As outras duas ações ainda estão em curso.

“A conduta de ACM Neto de antecipar propaganda eleitoral não é somente um crime eleitoral, mas também um desrespeito à população. O ex-prefeito se comporta como se estivesse acima da lei”, diz o presidente do PT na Bahia, Éden Valadares.

A defesa de ACM Neto diz que não houve propaganda antecipada porque não houve pedido explícito de voto pelo pré-candidato em nenhum dos casos

A União Brasil, por sua vez, moveu uma representação eleitoral contra Jerônimo Rodrigues por este participar de eventos do governo estadual como a assinaturas de convênio e entregas de equipamentos, o que violaria os princípios da isonomia na disputa eleitoral.

“O governo pode celebrar seus convênios. Mas entendemos que não tem nada a ver que candidatos, que já nem fazem mais parte do governo, participem desses atos. Isso gera um desequilíbrio”, diz Ademir Ismerim, advogado da União Brasil na Bahia.

Em nota, o PT diz que não há impeditivo legal para que pré-candidatos participem de inaugurações até três meses antes da eleição.

No Maranhão, três pré-candidatos a governador foram alvo de representações do Ministério Público Eleitoral por propaganda antecipada.

O deputado licenciado Josimar de Maranhãozinho (PL) foi condenado pela Justiça Eleitoral e teve que apagar de suas redes sociais a transmissão do evento “Encontro de Prefeitos do PL”, no qual ele foi anunciado como candidato a governador.

A defesa diz que o evento não configurou irregularidade às regras eleitorais.

Lahesio Bonfim (PSC), pré-candidato a governador, também foi condenado a pagar uma multa de R$ 5.000 por adotar estrutura de campanha com carro de som, jingle e fogos de artifício em eventos em cidades do interior maranhense. Procurado, ele não respondeu aos contatos da reportagem.

A Procuradoria Eleitoral do Maranhão também instaurou procedimentos para investigar denúncias de campanha antecipada contra o ex-governador Flávio Dino (PSB), pré-candidato ao Senado, e do senador Weverton Rocha (PDT), que concorrerá ao governo do estado.

Dino é investigado por suspeita de promoção pessoal na distribuição de cestas básicas, kits de irrigação, bolas e camisas de futebol, instrumentos musicais, dentre outros itens.

O ex-governador informou que se trata de denúncia formulada por adversário político e que os itens fazem parte de “políticas de estado juridicamente reguladas e amplamente conhecidas”.

No caso do senador, o Ministério Público investiga conteúdo publicado redes sociais e aplicativos de mensagem contendo slogan e jingle de campanha. Weverton Rocha disse que que os atos seguem os marcos legais e não configuram propaganda antecipada.

A publicidade em outdoors também está na mira das Procuradorias. O Ministério Público Eleitoral de Pernambuco ajuizou uma ação contra Marília Arraes (Solidariedade), pré-candidata ao governo do estado, por estampar outdoors com suas fotos e mensagens alusivas ao aniversário do Recife.

A deputada afirma que ingressou com um pedido de contestação junto à Justiça Eleitoral e diz que as peças de publicidade não tinham alusão a número de partido político, nem menção a pretensas candidaturas.

Anderson Ferreira (PL), também pré-candidato ao governo de Pernambuco, foi contestado pelo Ministério Público Eleitoral pelo uso de outdoors. O partido informou que a propaganda era uma peça de estímulo à filiação ao partido e foi veiculada no prazo permitido pela Justiça Eleitoral.

Especialista em Direito Eleitoral, o advogado Silvio Salata afirma que a reforma da legislação eleitoral de 2015 flexibilizou as regras, reduziu as multas e criou uma linha nebulosa entre o que é e o que não é campanha antecipada.

“A verdade é que, diante do que está exposto na lei, existem várias maneiras de passar por cima das regras e fazer propaganda de forma subliminar. A legislação que traz no seu bojo a possibilidade de aberturas para o não cumprimento da lei” afirma o advogado.

Ele ainda destaca as dificuldades de fiscalização da Justiça Eleitoral em um país com dimensões continentais como o Brasil: “É difícil coibir”.

O advogado Rodrigo Mesquita, membro da Abrace (Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político), afirma que, desde a mudança da legislação, os pré-candidatos passaram a ter mais liberdade.

“Não vejo como uma exploração de brechas. Os partidos e candidatos estão desfilando na avenida pavimentada por uma legislação eleitoral que privilegia a liberdade de manifestação política. O que legislação veda, que é um detalhe quase cosmético, é o pedido explícito de voto”, avalia.

Ele ainda destaca que as demais restrições na pré-campanha equivalem a atos que já são proibidos durante a campanha eleitoral, caso do uso de outdoors, a realização de showmícios e a a propaganda política em bens públicos.

Folha