Demanda de Bolsonaro sobre urnas eletrônicas já existe e ele não sabe

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Foto: Abdias Pinheiro – 13.dez.21/TSE

A apuração dos votos para prefeito de Jaboticabal, no interior de São Paulo, ainda estava zerada no site da Justiça Eleitoral, mas, na cidade, um dos candidatos já comemorava enquanto outros reconheciam a derrota.

O fato foi noticiado pelo repórter da Folha que acompanhou a disputa na cidade em 2020. A diferença de votos entre os concorrentes foi obtida por meio de apurações paralelas dos grupos políticos.

Isso é possível porque, ao final da votação, cada urna imprime um comprovante com o total de votos nela registrados, os chamados boletins de urna. Uma via deve ser afixada pelos mesários na porta de cada seção eleitoral. Também os fiscais de partidos podem requisitar uma via.

“A gente tem um pessoal que fica nas escolas nos locais de votação”, conta Luís Carlos de Jorge, presidente do PL de Jaboticabal e que trabalhou na coordenação da campanha do candidato que acabou vitorioso.

“No final, quando fecha a urna às 17h, cada um pega [o boletim] numa seção e vai conferir depois.”

Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foram usadas 143 urnas na cidade em 2020. Jorge afirma que, em geral, seu grupo consegue reunir pelo menos 90% dos boletins.

Ele explica que, coletados os registros, os fiscais seguem para o mesmo local e passa-se então à totalização, que pode ser feita no papel ou no computador.

Questionado sobre o objetivo da operação, Jorge diz que é para saber mais rápido quem ganhou. “Até que os boletins cheguem no cartório eleitoral a gente já tem mais ou menos a informação.”

E faz questão de ressaltar que confia no sistema. “A urna é segura. Eu fui eleito e não fui eleito”, adiciona. “Então não posso falar mal do sistema.”

Apesar de este não ser o objetivo citado pelo político para fazer a contagem paralela dos votos, a comparação das somas dos boletins de urna impressos com os resultados contabilizados pelo TSE permite auditar que tanto a transmissão quanto a totalização dos votos ocorreram corretamente.

Neste ano, além dos boletins físicos na porta das escolas, o TSE anunciou que passará a divulgar os boletins na internet em tempo real —antes eles eram disponibilizados online três dias depois do pleito.

Assim, mesmo em cidades maiores, será mais fácil auditar a contabilização no mesmo dia.

Apenas com uma parcela dos boletins físicos, é possível conferir por amostragem se o registro em papel bate com o online, e, na sequência, contabilizar o restante, sem necessariamente ter que ir a cada escola para recolher os documentos.

Ainda que não em tempo real, fazer essa conferência já era possível nas última eleições, já que tanto o boletim de urna impresso quanto o online poderiam ser acessados por qualquer pessoa.

Apesar disso, em ameaças recentes ao processo eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) repetiu discurso que já usou em outros momentos de que a apuração dos votos ocorreria numa “sala secreta” da Justiça Eleitoral.

“Quando encerra eleições e os dados chegam pela internet, tem um cabo que alimenta a ‘sala secreta do TSE’. Dá para acreditar nisso? Sala secreta, onde meia dúzia de técnicos diz ‘quem ganhou foi esse'”, disse o presidente.

“Uma sugestão é que, neste mesmo duto, seja feita uma ramificação, um pouco à direita, porque temos um computador também das Forças Armadas para contar os votos”, completou Bolsonaro.

Ao cobrar o TSE, em evento em abril, o presidente afirmou que as sugestões que teriam sido feitas pelas Forças Armadas seriam a maneira de confiar nas eleições. Algo que ele dizia antes em relação ao voto impresso.

“Todas foram técnicas. Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos. Nessas sugestões existe essa maneira, para a gente confiar nas eleições”, declarou o mandatário na ocasião.

A realidade, contudo, é que o processo de transmissão e totalização dos votos já pode ser verificado e confrontado pela sociedade civil, como mostram as apurações paralelas realizadas pelos partidos.

Em Jaboticabal, a título de exemplo, conforme noticiou a Folha em 2020, com 93% dos boletins contabilizados, a apuração paralela mostrava Emerson Camargo (Patriota) com 13.164 votos, seguido por Vitorio de Simoni (MDB), com 7.623, e Professor João (DEM), com 5.674 –os três primeiros colocados.

Divulgados os resultados oficiais pelo TSE, o candidato eleito aparecia com 14.218 votos, e o segundo colocado com 8.275.

“Pelos percentuais que nós fomos coletando nos boletins, a gente já sabia quem ia ganhar. A gente já tinha uma amostragem da cidade”, conta Professor João, que assumiu a derrota antes do resultado oficial.

Seu grupo também se organizou para reunir os boletins da cidade, mas não terminou a contagem, dado que a quantidade de votos entre o primeiro colocado e os demais estava muito distante, considerando a distribuição dos votos em diferentes parte da cidade.

José Fornari é advogado em Divinolândia, no interior de São Paulo, e relata também ter participado das contagens de boletins de urna nas duas últimas eleições municipais.

Segundo ele, os fiscais são distribuídos pelas escolas e, encerrada a votação às 17h, eles começam a enviar cópias dos boletins para um grupo no WhatsApp e, em poucos minutos, obtém a soma de votos.

“Cerca de 17h15 a gente já estava com o resultado, senão o correto, muito próximo do correto. Já sabia quem era o ganhador e quem era o perdedor.” Em 2020, foram usadas 25 urnas em Divinolândia.

Ele conta que se envolveu com as campanhas depois de ter começado a fazer prestação de contas eleitorais. Em uma, seu candidato ganhou, na outra perdeu.

“Nas duas vezes que a gente foi apurar, tanto na penúltima quando na última, o resultado oficial acabou batendo com o resultado extraoficial.”

Em Santanópolis, município do interior da Bahia que usou 22 urnas, foi preciso contar todas os boletins recolhidos pelos fiscais de partido para cravar quem estava na dianteira.

“A gente teve que repetir duas ou três vezes as contagens, porque a diferença era muito pouca”, afirma Vitor do Posto (PP), que terminou vitorioso, numa coligação com os partidos DEM e PSD.

“A gente fica no centro da cidade, aguardando esses relatórios chegarem e vai somando, temos uma equipe de cinco a seis pessoas para fazer a soma para não divergir.”

Na disputa anterior, o político diz também ter finalizado a contabilização. “Desde 2016, a eleição que perdi, tem batido certo [o resultado]. E nesta bateu novamente. Não teve divergência”, completa. “Eu acho as urnas totalmente seguras.”

Em Irará, também na Bahia, foram usadas 66 urnas na última eleição. Francisnaldo Xavier, filiado ao PSB, conta que seu grupo reuniu ao menos 80% dos boletins, o que permitiu afirmar quem era o ganhador, ainda que sem chegar ao total exato.

Ele era da coordenação da campanha de Derivaldo Pinto (PT), com quem seu partido estava coligado. “A gente não faz essa apuração para confrontar com a do TSE. A gente confia no resultado do TSE. É mais uma questão de ansiedade [pelo resultado].”

“Acho que é a primeira vez que uma pessoa que vence as eleições está desconfiado do sistema que ele próprio se elegeu”, avalia em relação ao presidente Bolsonaro.

Em 2021, a proposta da impressão do voto junto à urna foi derrotada na Câmara dos Deputados. Mesmo especialistas que avaliam que a medida aumentaria a transparência da votação consideram satisfatória a auditabilidade da fase de transmissão e totalização.

Folha