Desembargador acusado de alterar acórdão tenta interromper investigação

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Foto: CNJ e Divulgação

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) volta a tratar, nesta terça-feira (10), do PAD (Processo Administrativo Disciplinar) instaurado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo contra o desembargador Carlos Henrique Abrão, acusado de alterar acórdãos depois do encerramento de julgamentos.

Os advogados de Abrão vão sustentar que não houve justa na abertura do PAD. Essa é a questão de mérito que o CNJ deverá decidir ao examinar dois Procedimentos de Controle Administrativo. (*)

Em mensagem a seus advogados, Abrão afirmou que esta é “a última chance de abrirmos os olhos do CNJ e mudarmos a grave injustiça da corte paulista”.

Presidente da 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, Abrão alega que praticou atos genuinamente jurisdicionais e que houve violação do devido processo legal.

Ele informou que seus advogados distribuiriam memoriais no CNJ, nesta segunda-feira, e teriam audiência com o ministro do STF Ricardo Lewandowski.

Na sessão do CNJ, a sustentação oral deverá ser feita pelo advogado José Cretella Neto, um dos defensores do desembargador.

Em 25 de agosto de 2021, por 22 votos a 3, o Órgão Especial do TJ-SP, sob a presidência do desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, rejeitou a defesa prévia de Abrão e determinou a abertura do processo disciplinar.

Então presidente do TJ-SP, Pinheiro Franco afirmou em seu voto que se trata de “conduta que, em tese, constitui infração disciplinar com possíveis desdobramentos de tipicidade penal”. Entendeu que houve “ato público modificado às escondidas”.

No último dia 20 de março, o Órgão Especial, sob a presidência do desembargador Ricardo Anafe, atual presidente da corte, rejeitou, por 24 votos a 1, recursos que impediam a continuidade do PAD.

Alguns incidentes provocados por Abrão na tramitação dos dois procedimentos administrativos podem gerar divergências no colegiado.

O desembargador paulista propôs Arguição de Suspeição e Impedimento contra o conselheiro Richard Pae Kim, juiz do TJ-SP.

O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, rejeitou a arguição. “O simples fato de o conselheiro arguido ser oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é parte passiva em ambos os procedimentos, não é causa objetiva de impedimento, por ausência de previsão legal”, decidiu Fux.

Abrão também levantou suspeição do conselheiro-relator, desembargador Mauro Pereira Martins, arguição que foi rejeitada pelo relator. Abrão diz que, por duas vezes, Martins negou audiência, “o que é incomum quando há fato novo”.

O relator, por sua vez, questionou nos autos a boa-fé processual de Abrão. “O requerente tem adotado comportamento vedado pelo CPC [Código de Processo Civil]”, registrou. “A pretexto de ‘suprir falhas e equívocos dos despachos lançados’, [Abrão] busca que este relator se manifeste sobre questões já devidamente enfrentadas, visando impedir que os procedimentos tenham seu curso regular.”

Martins afirmou que “tal objetivo, contudo, não será alcançado”.

O relator assinalou que, embora estivessem em julgamento os PCAs que estão na pauta desta terça-feira, Abrão voltava a peticionar nos autos, “trazendo teses que buscam obstar a apreciação dos feitos pelo colegiado do CNJ”.

Dois exemplos mencionados pelo relator:

– “Estando os feitos em pleno julgamento, inclusive com voto conhecido pelas partes, afigura-se claramente intempestivo o pedido de retirada do Plenário Virtual.”

– “Causa espécie a alegação de que os feitos não estariam maduros para julgamento, quando, em mais de uma oportunidade, o próprio requerente afirmou o inverso, ao pleitear o julgamento monocrático.”

Quando o atual relator revogou liminar concedida pela então conselheira Tânia Reckziegel, que suspendeu o PAD, Abrão afirmou que a medida “causa surpresa e altera estabilidade e segurança da decisão do CNJ”. Alegou, ainda, que o fato de a tutela concedida não ter sido submetida ao Plenário do CNJ representaria “nulidade absoluta e insanável”.

Ao analisar a decisão monocrática do conselheiro Mauro Martins, o ministro do STF Ricardo Lewandowski afirmou: “Não constato, ao menos nessa fase embrionária, ofensa a direito líquido e certo do impetrante”.

Ainda o ministro do STF: “Entendo que a fundamentação esposada pela decisão monocrática não incorre em qualquer usurpação da competência do órgão colegiado, nem tampouco viola qualquer direito ou preceito constitucional”.

Lewandowski citou trechos da decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura, corregedora nacional de Justiça.

Ela lembrara que o desembargador “alegou o cerceamento de defesa, em razão da reunião, em um único processo administrativo disciplinar, de duas imputações de infração disciplinar, o que estaria lhe causando prejuízos processuais indevidos. No entanto, se prejuízo houve, foi o próprio magistrado que lhe deu causa, ao requerer a medida que agora combate e ao não resistir após ter seu requerimento acolhido”.

Maria Thereza registrou que a defesa preliminar de Abrão “contestou ambas as imputações, sem impugnar a reunião dos procedimentos”. “O magistrado foi citado e ofereceu resposta escrita, nada alegando contra a reunião”, afirmou.

Lewandowski não vê animosidade

Abrão se diz alvo de “denunciação caluniosa” e “mera perseguição política” para desmoralizá-lo e evitar que dispute cargo de direção na corte. Ao decidir em mandado de segurança, Lewandowski observou que “não há prova inequívoca da animosidade manifesta dos autores subscritores da manifestação direcionada ao então presidente da Seção de Direito Privado do TJ-SP” [desembargador Dimas Rubens Fonseca], fato que gerou a instauração do PAD pelo tribunal paulista.

O desembargador Régis Rodrigues Bonvicino, que atuava na 14ª Câmara, se recusou a assinar acórdão alterado por Abrão e encaminhou documentação ao presidente da seção. O Órgão Especial também avaliou outro episódio, em que a desembargadora Ligia Bisogni discordou de decisão do presidente da Câmara. Bonvicino noticiou ter sido alvo de pressões praticadas por Abrão.

O gabinete do desembargador enviou ao blog cópia de declaração de integrantes da câmara que Abrão preside. Os desembargadores Thiago de Siqueira, César Zalaf, Penna Machado, Lavínio Donizetti Paschoalão e Luis Fernando Camargo de Barros Vidal manifestaram “apoio e solidariedade” a Abrão; afirmam que o magistrado “em momento algum extrapolou suas funções”, seguros de que “um evento isolado seja apenas mera desinteligência”.

“Já levamos o caso ao conhecimento do tribunal internacional de direitos humanos. Estão violando o sagrado direito da prerrogativa funcional no exercício da magistratura”, diz Abrão.

“Ouvimos 5 ex-conselheiros, 8 processualistas e 4 administrativistas, além de 3 ex-corregedores do CNJ. Todos disseram que se trata de matéria jurisdicional, e não houve sequer um resquício de prejuízo ou vantagem”, afirmou o magistrado.

Na última sexta-feira (6), o blog enviou consulta ao desembargador Carlos Henrique Abrão com pedido de comentários e esclarecimentos, listando os fatos narrados neste post. No mesmo dia, o magistrado disse que enviou o questionamento a seus advogados.

Nesta segunda-feira (9), ao ser consultado se responderia às questões, Abrão informou que “infelizmente, nossos advogados estão concentrados em Brasília para o desfecho no CNJ e STF e o tempo é fundamental para que provemos nossa total lisura no procedimento”.

Folha