França quer que PT troque Haddad por ele

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Foto: Edilson Dantas / O Globo

O ex-governador Márcio França (PSB) abre a série de entrevistas com pré-candidatos ao governo de São Paulo e afirma que a candidatura de Haddad é um peso que limita Lula em SP. Segundo ele, o PT deveria usar o exemplo da aliança com Geraldo Alckmin (PSB) para abrir mão de lançar o ex-prefeito. França critica a esquerda por fazer ‘lacração’ em temas como câmeras na farda de policiais e diz que não vai ‘desrespeitar’ Bolsonaro.

O PT ainda tem esperança de que o senhor saia da disputa para governador. Existe essa possibilidade?

Eu também tenho esperança que o PT aceite o Senado e amplie o palanque em São Paulo, mas eu compreendo a situação por eles estarem na frente. O eleitor que vota em mim tem um perfil diferente do que vota no Haddad. Uma saída minha ou dele não levará nenhum dos dois a ganhar no primeiro turno. O que pode acontecer é facilitar o papel da junção Alckmin e Lula. O ativo da vinda do Alckmin era estarmos todos juntos. Ainda tem tempo até as convenções. As peças não estão todas jogadas no tabuleiro.

Se ficarem o senhor e Haddad, pode prejudicar a eleição do Lula? Ele pode perder votos?

Não sei se perder. O Bolsonaro está fazendo um movimento contrário correto. Está encontrando no Norte, no Nordeste, onde sabe que será derrotado, candidatos com perfil mais suave para buscar algum percentual em cima da base do Lula. É o papel que eu teria feito (no caso do ex-presidente petista) no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste. Um perfil (de candidato a governador) que depende 100% do Lula, o que traz a mais para ele? Por que o Lula tem essa obrigação de carregar todo mundo? Lula é um Neymar, mas nem o Neymar é mais o Neymar. Porque também chegam idade, tempo e vida. Então, precisamos ajudar o Lula a acertar cada vez mais.

O Haddad depende 100% do Lula?

Não conheço nenhum eleitor que é Haddad que não seja Lula. Mas pode acontecer de ter por aí. O Haddad é um candidato, tecnicamente falando, completo. Foi testado nas urnas, foi prefeito de uma capital, foi ministro e é idôneo. O movimento que foi feito com Alckmin era no sentido de buscar do outro lado, avançar para cima desse eleitor aqui em São Paulo tradicional do PSDB. Aquele sujeito do interior que se achava meio progressista. Ou os herdeiros do Mário Covas e do (Franco) Montoro.

O senhor acha que o PT está errando no Sul e Sudeste ou que está de salto alto?

Não dá para generalizar uma sigla. O PT é o único partido do país, a rigor. Eles sofreram muito na pele e têm direito (de buscar candidaturas). Agora, penso que se tem a candidatura à Presidência competitiva, a prioridade é ganhar o Planalto. Qualquer sacrifício vale para manter a democracia no país. É o que de alguma forma inspirou o Alckmin. Para o eleitor do Alckmin, foi muito difícil esse movimento. Ele sente nas ruas. O eleitor passou a vida disputando com um grupo político, depois você fala que é para votar naquele grupo. O resultado da eleição ficará abaixo de um ou dois milhões de votos no segundo turno. Uma eleição muito perigosa.

Em 2018, o senhor não quis o apoio do PT para governador. Por que agora quer?

Eu estava em busca dos três milhões de votos a mais que eu tive em relação ao Haddad em São Paulo. O Haddad teve 7 milhões, eu tive 10 milhões. Acho o Lula preparado, experiente, injustiçado no processo evidentemente, mas independente disso nós precisamos buscar o eleitor que não era o dele. Para as pessoas, parece que a eleição passada foi deletada por conta dos erros do Bolsonaro. E na minha visão, não foi, está por aí.

Um dos argumentos do PT é que o PSB está enfraquecido em São Paulo. Tinha oito deputados estaduais em 2018 e agora só tem um. O senhor não conseguiu aliados. O que o senhor tem a dizer?

Tudo isso eles têm razão. Mas eu aprendi alguma coisa no processo do Bolsonaro. Bolsonaro veio de um partido que não existia (PSL). Quando veem muitos partidos, as pessoas acham que os governos vão ter que servir a muita gente. As pessoas não são muito simpáticas a partidos.

Em 2020, quando o senhor articulava a sua candidatura a prefeito, teve um encontro com Bolsonaro, que foi lido como uma tentativa de buscar a base dele. Como explica?

Essa é uma diferença importante no meu perfil. Acho uma bobagem ficarem “lacrando”. A lacração real é saber fazer. Naquele dia, em especial, fui por conta da questão do Líbano (uma explosão em um depósito de nitrato de amônio em Beirute deixou mortos e feridos e comoveu a comunidade libanesa em São Paulo). Fui pedir o avião para colocar as coisas que eu arrecadei aqui para doar. Se ele entrasse aqui eu jamais o desrespeitaria ou cuspiria na cara dele. Não é meu jeito.

O senhor tem criticado o aumento de ICMS pela gestão atual. Se eleito, vai baixar a alíquota?

Vou. Baixar mesmo, do jeito que ele (Doria) aumentou. Aumento do ICMS durante a pandemia foi uma tremenda irresponsabilidade. Aumentar o álcool em São Paulo, para incentivar o que? A gente devia estar fazendo o álcool baixar nessa hora de dificuldade com a gasolina.

O senhor já disse que em dois anos acabaria com a Cracolândia e em um ano não teria mais morador de rua. Não é difícil concretizar?

É difícil, mas nós temos que ter meta. Meu perfil é mais prático, menos teórico. Em relação aos moradores de rua, ao invés de deixá-los em algum lugar a que eles se sintam pertencentes, encaminhamos para lugares comuns, albergues. Todo mundo quer ter seu canto. O estado tem que gastar.

Mas o senhor daria casa?

Neste momento inicial, você põe a pessoa nos quartos ociosos que existem. No centro de São Paulo, há milhares de hotéis simples, pensões. Não é tão complicado. O que não dá para ver uma família e falar é assim mesmo, não tem solução. Para demanda definitiva, nós temos que fazer retrofit nos imóveis que já existem. Em vez de o estado ir lá desapropriar para construir, já compra o apartamento pronto, de 30 metros quadrados

Mas o que fazer com Cracolândia? Internação compulsória?

Internação, se precisar compulsória.

São Paulo já tentou fazer isso e não deu certo…

Não gastou o que tinha que gastar. Se gastar, faz. Não são tantos assim. Há uma sensação de que é uma multidão. Não é. A gente tende a somatizar porque as contas não são bem feitas. Tem que ter um acordo que envolva Ministério Público e Judiciário. Agora, vai gastar. Entre fazer outro viaduto e fazer isso, tem que fazer isso. Porque isso avilta a população de São Paulo e do Brasil, porque todo mundo frequenta São Paulo. Tem a sensação que nada tem solução.

Por que o senhor quer mexer na instalação de câmeras nos uniformes dos policiais, sendo que é uma medida que reduziu mortes?

(A PM) Está matando menos, prendendo menos e atuando menos. Se botar todos os policiais de férias, não vai ter nenhum morto pela polícia. Isso é uma conta louca. Com tantos assuntos que nós temos, vamos gastar R$ 600 milhões para colocar milhões de horas de vídeos numa nuvem? Doze horas de filmagem ininterrupta. O cara vai no banheiro e a câmera está ligada. Para resolver um problema, criam-se outros.

Acabaria com as câmeras?

Não, quando o policial saca a arma ou o cassetete, ou começa a ação que pode gerar violência, aí começa a filmar. O policial não é diferente de qualquer servidor público. Por que não filma a sala dos deputados, o gabinete do governador? Ele tem que ser filmado a partir do instante que ele se diferencia do servidor civil. Nos veículos, ter a câmera é correto. Mas não na lapela. Todo mundo falou que tem que fazer porque é a história da lacração. As esquerdas disseram. Não me enquadro nesse perfil.

O senhor não concorda com esse atrelamento da esquerda à pauta dos direitos humanos?

Eu também sou a favor dos direitos humanos, mas tenho uma visão diferente em relação aos policiais. A gente empurra as polícias para o colo desse outro lado. Porque eles se sentem assim: eu sou policial e sou assassino. Os policiais militares são de origem pobre, aqui em São Paulo quase 50% são negros.

Por que alguém que já foi governador pode se apresentar como solução para problemas crônicos como o da Segurança? O que fará na área?

De cara vou separar a polícia Civil da Militar. A Civil é mais judiciária e a PM, mais ostensiva. Depois vamos trazer os policiais penais para suprir o déficit da PM. Precisamos de mais gente para liberar os PMs para a inteligência. É preciso evitar com que os jovens entrem no crime. A minha proposta é ter 200 mil jovens no alistamento civil. Eles são obrigados a voltar a estudar e fazem curso técnico. Cada rapaz custa R$ 1.000 por mês. Isso estrangula o crime.

É a favor da privatização da Sabesp?

O problema é que não estão querendo vender, estão querendo dar. A Sabesp é um ativo importante. Tem tarifa cruzada, portanto uma pessoa não paga água para que outro pague mais. Na medida em que você tiver um sistema privado puro, isso não vai acontecer. A capital e Santos são superavitárias porque já têm esgoto todo coletado. O restante é deficitário. Quem vai fazer o esgoto em Guarulhos? É a parte mais dura e mais cara. Então, não vejo como fazer isso em formato privado puro.

Em janeiro, o senhor foi alvo de uma operação que investigava supostos desvios na área da Saúde. Segundo a Polícia Civil, a Organização Social (OS) suspeita de desviar recursos da administração de hospitais doou em 2020 recursos para sua campanha.

Essa operação foi eminentemente política. Ocorreu no ano da eleição e três anos depois de eu ter saído do governo estadual. Os contratos e os pagamentos dessa organização social foram 100% do governo do Doria. Não efetivei nenhum. Os bens que aprenderam no meu caso, 30 dias depois o juiz devolveu. Eu lamentei muito porque tenho 40 anos de vida pública, não respondo a nenhum inquérito e nunca fui processado criminalmente. Mas o tempo vai dizer qual foi o objetivo final.

O Globo