General critica Bolsonaro por querer que militares contem votos
O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, de 47 anos de carreira militar, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo e agora cotado para disputar a Presidência da República pelo Podemos, afirma que a tentativa de envolver militares numa apuração paralela de votos nas eleições é “politicagem mais baixa possível da exploração das Forças Armadas”.
“É tentativa de exploração”, prosseguiu, em entrevista ao Valor. “Imagine as Forças Armadas fazendo contagem paralela de votos? O que é isso? Isso aí é brincadeira. Isso aí é simplesmente para criar confusão. Não é papel das Forças Armadas, não é tarefa das Forças Armadas. Tem Tribunal Eleitoral para isso”, completou. A ideia de envolver militares em apuração de votos foi lançada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro em meio à crise que ele protagoniza com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Durante um evento oficial, Bolsonaro, que passou meses desqualificando o sistema eletrônico de votação, disse que não precisa mais de voto impresso “para garantir a lisura das eleições”. Nas suas palavras, há “um cabo que alimenta a sala secreta do TSE”. Ele sugeriu então que “seja feita uma ramificação, um pouquinho à direita, para que tenhamos do lado um computador das Forças Armadas para contar os votos no Brasil”.
A ideia reiteradamente alimentada pelo presidente de existência de uma sala secreta para apuração é falsa. Já foi negada em diversas ocasiões pelo TSE. O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, também repudiou as declarações e disse que sugestões serão aceitas, mas “intervenção jamais”. A sugestão de contagem paralela é repudiada por Santos Cruz.
“As Forças Armadas não têm nada a ver com história de eleição. Eleição é responsabilidade do TSE”, repetiu o general. “No caso, as Forças Armadas foram convidadas para participar, com outros, de uma avaliação do sistema, para demonstrar que o sistema é bom e confiável. Depois as Forças Armadas fizeram umas perguntas técnicas. As Forças Armadas não têm nada a ver [com eleição], então é técnico o negócio. Eu não sei como foram as perguntas técnicas. Também não sei quais foram as respostas do TSE. O problema é que a partir daí você tem uma exploração política muito forte”.
No extenso diálogo com o TSE, o general de divisão Heber Garcia Portella, escalado para representar as Forças Armadas, insiste na sugestão de adoção de medidas para “validação e contagem de cada voto sufragado” mesmo após receber detalhados esclarecimentos sobre a segurança do sistema de votação. De forma polida, mas em linha com o discurso de Bolsonaro, diz que “não foi possível visualizar medidas tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições”.
Foi depois do recebimento desse documento que o ministro do STF Luís Roberto Barroso, ex-presidente do TSE, questionou, em tom de indignação, se as Forças Armadas estariam sendo orientadas a atacar o processo eleitoral – manifestação que recebeu repúdio do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Santos Cruz diz não saber qual foi a razão de Barroso para falar daquele jeito. Ele sustenta que deve ter sido “desagradável” para as Forças Armadas receber tal declaração do ministro do STF e afirma que não acredita na tese de que os militares estariam sendo orientados a desacreditar o sistema eleitoral.
Para ele, quem sugere contagem paralela de votos tem como objetivo apenas “gerar confusão”, uma forma de se desviar de assuntos pertinentes da administração. Sem citar Bolsonaro nominalmente, diz que “isso aí é conveniente para quem gosta de viver no ambiente de briga. Ou para quem não quer discutir os assuntos sérios que a gente tem. Para quem não sabe administrar, aí é um bom negócio.”
Rompido com o presidente desde o dia em que deixou o ministério, em junho de 2019, ele afirma que enxerga “um recurso permanente de tentar arrastar as Forças Armadas para a política”. Ele cita como exemplo disso a participação de Bolsonaro numa manifestação que pedia fechamento do STF e do Congresso, realizada na frente do quartel general do Exército, em abril de 2020.
“As Forças Armadas não têm nada que ver com essas brigas políticas. Mas tem essa ideia, de ao menos blefar, de usar as Forças Armadas como instrumento de pressão política. Mas é blefe. As Forças Armadas não vão entrar numa dessa de se comprometer com briga política. Pela experiência que eu tenho, tenho certeza disso: as Forças Armadas não vão entrar numa furada dessa, não tem cabimento.”
Valor Econômico