Os vários avisos dos EUA a Bolsonaro para não dar golpe

Destaque, Reportagem

Foto: AP Photo/Eraldo Peres

Os Estados Unidos, maior potência mundial e país-modelo de democracia para Jair Bolsonaro, já deram o recado ao presidente três vezes: as eleições no Brasil e o sistema de urnas eletrônicas são confiáveis e não devem ser questionadas sem provas.

A principal autoridade a vocalizar a mensagem do governo Joe Biden foi o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), William J. Burns, em 1º de julho de 2021, conforme revelou nesta quinta-feira, dia 5, a Reuters. A agência de notícias informou ter confirmado o teor do recado, ouvido por Bolsonaro e seus ministros do Palácio do Planalto, com três fontes a par dos assuntos tratados pela delegação da CIA.

A visita foi cercada de mistério. Tanto o governo brasileiro quanto a embaixada se recusam a dar mais explicações. Também não divulgaram a agenda previamente. Além das audiências no Palácio do Planalto, ministros do governo Bolsonaro participaram de um jantar no Lago Sul, oferecido pelo então embaixador, Todd Chapman.

Questionados por parlamentares, os generais Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria Geral da Presidência), preferiram termos genéricos, que dificultaram a compreensão do que foi tratado.

”A pauta versou sobre assuntos afetos à promoção da democracia, da segurança e da estabilidade no hemisfério”, afirmou Heleno. “Desconheço, naquela ocasião, a abordagem de assuntos contrários ao Estado Democrático de Direito”, asseverou Ramos. Ambos falaram ainda em diálogos informais, conforme ofícios remetidos por eles ao Congresso.

Nesta quinta, durante live com o presidente, Heleno disse que “essa conversa sobre eleições jamais aconteceu”. Bolsonaro também tentou desacreditar a reportagem. “Seria extremamente deselegante chefe de agência como a CIA ir a outro país dar recado”, afirmou o presidente.

Diplomatas do Itamaraty, que não se pronunciou oficialmente, seguem a linha da desconfiança. Dizem, nos bastidores do governo, que o relato sobre a visita do chefe da CIA requenta especulações e pode não ser tão preciso. Um deles lembra que um recado desses poderia soar como interferência e que um diretor da CIA não seria tão contundente, ainda mais com o perfil de Burns, que é diplomata.

Mas a preocupação com a insistência de Bolsonaro em levantar suspeição sobre as eleições brasileiras, sem provas, não se restringem à maior agência de inteligência do mundo. E atravessaram o ano.

Em agosto de 2021, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, transmitiu pessoalmente a Bolsonaro mensagem similar à de Burns, alertando que o presidente não deveria “desacreditar o processo eleitoral” e que não havia evidências de fraudes no sistema. Na ocasião, outro colaborador de Biden, o diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional, Juan González, confirmou a conversa em entrevista promovida pelo governo Biden.

Na semana passada, a subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, tratou das eleições em visita no Itamaraty. Despachada em missão oficial do Departamento de Estado a Brasília, disse que, assim como os americanos, os brasileiros também deveriam confiar na tradição nacional de realizar eleições justas e livres, nas instituições democráticas e no sistema de urnas eletrônicas, “inclusive no nível de liderança”. A expressão, embora permita mais de uma interpretação, costuma ser usada no jargão diplomático para se referir aos líderes políticos, ou seja, chefes de Estado e governo, no caso, o presidente Bolsonaro. O porta-voz do departamento, Ned Price, reiterou a fala de Nuland nesta quinta.

Tampouco é a primeira vez que Washington manifesta preocupação com a estabilidade da segunda maior democracia do continente. O episódio de 6 de janeiro de 2021 ainda povoa a cabeça de autoridades do governo Joe Biden. Eles não esqueceram do endosso do governo Bolsonaro às dúvidas e protestos antidemocráticos, incentivadas pelo aliado republicano de Bolsonaro, Donald Trump, que levaram a uma tragédia com mortos no Capitólio.

No ano passado, o risco de ruptura no Brasil e de atos violentos durante o Sete de Setembro, com tentativas de minar a confiança em instituições, figurou em comunicações despachadas pelas missões diplomáticas estrangeiras sediadas em Brasília. Agora, todos os olhos do governo americano – da CIA à Casa Branca, passando pelo Departamento de Estado -, se voltam ao respeito ao resultado das eleições.

Estadão