Projeto bolsonarista que tira crianças da escola é inconstitucional

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Foto: Nelson Jr/SCO/STF

Mesmo se passar pelo Senado e for sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o ensino domiciliar no Brasil deve esbarrar mais uma vez no Supremo Tribunal Federal (STF). Fontes do tribunal afirmam que, da maneira como foi aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto do projeto de lei que institui o “homeschooling” não passaria pelo controle de constitucionalidade da Corte.

Em 2018, o plenário do STF decidiu proibir que crianças pudessem estudar em casa, em vez de frequentar a escola. Na ocasião, a maioria dos ministros entendeu que, sem uma lei a regulamentar a modalidade, não haveria como garantir o cumprimento do direito fundamental à educação. O tema ganhou fôlego no ano seguinte, quando Bolsonaro tomou posse e incluiu o ensino domiciliar entre suas prioridades.

Com forte atuação no Supremo, partidos de oposição monitoram a tramitação do projeto e, vislumbrando a hipótese de promulgação da lei, já se preparam para arguir a sua inconstitucionalidade. O argumento é o de que o texto, ao conceder aos pais a mera opção de ensinar os filhos em casa, ignora o artigo da Constituição que prevê a participação do Estado na concretização do direito à educação.

Essa percepção já foi expressamente defendida por dois integrantes do Supremo – o presidente, ministro Luiz Fux, e o vice-decano, ministro Ricardo Lewandowski. No julgamento de 2018, eles foram os únicos a afirmar que, mesmo que houvesse lei sobre o “homeschooling”, ela seria inconstitucional. Mas há margem para que mais magistrados venham a aderir a essa tese, formando maioria.

É o caso dos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Quatro anos atrás, eles se limitaram a dizer que o ensino domiciliar era proibido por falta de lei. Entretanto, auxiliares desses magistrados têm dito que a decisão não deu ao Congresso liberdade para aprovar um projeto qualquer. Para ser constitucional, seria preciso seguir uma série de princípios que não estariam sendo contemplados no texto atual.

Segundo esses interlocutores, a avaliação é de que, da forma como está redigido, o projeto faz com que a autonomia da vontade dos pais se sobreponha ao direito da criança de vivenciar as vantagens do ambiente escolar. Além disso, a Constituição não teria conferido aos responsáveis a faculdade de levar ou não os filhos à escola – pelo contrário, estabelece isso como um dever.

Outros argumentos são os mesmos que Lewandowski e Fux externaram em seus votos. “Entendo que não há razão para retirar uma criança da escola oficial em decorrência da insatisfação de alguns com a qualidade do ensino. A solução para a pretensa deficiência seria dotá-las de mais recursos estatais e capacitar melhor os professores”, disse o primeiro, na ocasião.

Já para o atual presidente do STF, o “homeschooling” viola o princípio da isonomia ao privilegiar famílias com mais condição financeira. “O encastelamento da elite brasileira, apartada das desigualdades sociais e econômicas, pode provocar enrijecimento moral e radicalismos de toda sorte, o que contraria a Constituição Federal, que prestigiou a igualdade de condições para acesso e permanência na escola”, afirmou Fux.

Nos bastidores, existe também uma discussão sobre a necessidade de regulamentar o tema não por projeto de lei, mas via Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Ainda assim, há dúvidas entre os ministros se o direito à educação pode ou não ser considerado cláusula pétrea. Para uma ala do tribunal, por ser um meio de concretizar a chamada dignidade da pessoa humana, deve ser imune a intervenções.

Para a presidente-executiva e co-fundadora do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, o Congresso deveria aprovar uma lei que proibisse o ensino domiciliar em geral, mas permitisse exceções, por exemplo, para crianças em tratamento contínuo de saúde. “Esse tipo de debate valeria, visando o melhor interesse da criança. Do jeito que está, é inconstitucional”, afirmou ela ao Valor.

Valor Econômico