Citada por Bolsonaro, golpista boliviana é condenada

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Foto: David Mercado

A ex-presidente interina da Bolívia, a direitista Jeanine Áñez, foi condenada nesta sexta-feira a 10 anos de prisão, acusada de ter realizado um golpe contra seu antecessor, o esquerdista Evo Morales, em 2019, anunciou o tribunal. Na reta final do julgamento, Áñez se declarou inocente das acusações.

O Tribunal de Primeira Instância de La Paz, presidido pelo juiz Germán Ramos, anunciou em audiência a condenação da ex-presidente de 54 anos “pelos crimes de resoluções contrárias à Constituição e violação de deveres […], sentenciando-a à pena de 10 anos”.

A ex-presidente foi condenada por descumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição e às leis.

Em sua argumentação final, Áñez destacou que o tribunal “excluiu” provas que descartavam um golpe contra Morales em 2019, que estava no governo boliviano há 14 anos (2006-2019). “Eu nunca busquei o poder”, disse ela.

A ex-presidente já havia anunciado anteriormente que recorreria em caso de condenação. “Não vamos ficar aqui, vamos à justiça internacional.”

Áñez foi julgada por seus atos como senadora, antes de assumir a presidência interina da Bolívia, em 12 de novembro de 2019.

Ela sucedeu Morales, dois dias depois da renúncia do mandatário, em meio a uma forte convulsão social. Os opositores denunciaram que Morales havia cometido fraude nas eleições de outubro daquele ano para ter acesso a um quarto mandato consecutivo, que iria até 2025.

Quando foi alçada a presidente interina, Áñez reprimiu a forte oposição de movimentos sociais e camponeses ligados a Morales.

Uma investigação da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) estabeleceu que nos primeiros meses de seu governo houve 35 mortes em manifestações.

A defesa de Áñez argumentou que o Tribunal Constitucional Plurinacional reconheceu a legalidade do mandato de Áñez e até o Congresso, controlado pelo partido de Morales, aprovou a prorrogação de seu mandato “constitucional” quando a pandemia de covid-19 forçou o adiamento das eleições em 2020.

“Fiz o que tinha que fazer, assumi a presidência por compromisso… Faria de novo se tivesse a oportunidade”, afirmou a direitista no fim do julgamento.

“Todos sabem que sou inocente”, acrescentou a ex-presidente, que governou entre 2019 e 2020, enquanto dezenas de manifestantes exigiam sua condenação em meio aos protestos em massa por uma suposta fraude eleitoral denunciada pela OEA (Organização dos Estados Americanos). No entanto, ela se define como “presa política”.

Outro processo contra a ex-presidente, por sedição (espécie de motim), terrorismo e conspiração, está em etapa de investigação, por isso ainda não há acusações formais.

Segundo um dos advogados da ex-presidente, Luis Guillén, “estão em curso dois processos por um mesmo fato”, o que viola um princípio geral do direito, segundo o defensor.

Além disso, o advogado destacou que “não pode ser qualquer tribunal que decida o que é constitucional”, mas um recurso interposto no Tribunal Constitucional Plurinacional por esse motivo não teve sucesso.

O advogado enfatizou que não é adequado julgar um ex-presidente da forma comum, mas que deveria ser realizado um julgamento de responsabilidades no Congresso.

Os autores da queixa — o Governo de esquerda, a Promotoria e o Congresso — argumentam que estão julgando ações de Áñez antes de seu governo.

A ex-presidente também foi acusada por “genocídio” — que acarreta penas de prisão entre 10 e 20 anos — após denúncia de parentes de vítimas da repressão de novembro de 2019.

Um grupo de especialistas contratado pela CIDH em parceria com a Bolívia apontou “graves violações dos direitos humanos” e classificou as mortes nas manifestações do governo Áñez como “massacres”. O relatório da CIDH questiona também a independência do sistema judiciário boliviano.

Mas, diferente das outras acusações, esse caso será tratado pelo Congresso, que decidirá se realiza ou não um julgamento de responsabilidades contra ela.

Em outubro de 2019, Morales se candidatou a um quarto mandato apesar de perder um referendo para habilitá-lo a uma nova reeleição. Em meio a uma forte convulsão social e acusação de fraudes nas urnas, finalmente perdeu o respaldo dos comandos militares e policiais e deixou o país.

Aqueles que deveriam sucedê-lo, todos do partido MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales, renunciaram um atrás do outro: o vice-presidente, a chefe da Câmara alta e o presidente da Câmara dos deputados.

Em meio a um vazio de poder, assumiu Áñez, uma advogada e ex-apresentadora de televisão, a próxima na linha de sucessão no Senado.

Os autores da denúncia argumentam que a então segunda vice-presidente do Senado assumiu o poder em sessão sem quórum legal e sem tratar das demissões de Morales e seus acólitos.

Mas o Parlamento, que era controlado pelo MAS, reconheceu a legalidade de sua gestão, cuja principal tarefa era organizar novas eleições. Estas foram realizadas em outubro de 2020 após dois adiamentos devido à pandemia, e tiveram Luis Arce, pupilo de Morales, como vencedor.

Uol