Nunca um presidente teve tantos escândalos na Educação

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Foto: Cristiano Mariz

Com sucessivas trocas de ministro e motor de crises no governo, o Ministério da Educação (MEC) se converteu em uma pedra no sapato do presidente Jair Bolsonaro. Os rumos erráticos da pasta ou a postura dos ministros que comandaram o órgão geraram frequentes desgastes para Bolsonaro tanto perante a opinião pública como também no seu relacionamento com os demais Poderes da República. Os escândalos que permeiam a pasta, que tem um dos maiores orçamentos da Esplanada, podem gerar ônus eleitoral ao presidente no pleito deste ano.

Outros governos tinham como focos de escândalos áreas como saúde e transportes. Obras de ferrovias e rodovias, por exemplo, foram alvo de diversas investigações de desvios de recursos bilionários e chegaram a resultar em queda de ministros. Sob Bolsonaro, o epicentro mais frequente das crises passou a ser a pasta da Educação.

A prisão do ex-ministro Milton Ribeiro por suspeitas de envolvimento em um esquema de corrupção na pasta abalou um dos pilares do discurso eleitoral de Bolsonaro, de que não havia casos de desvios de recursos durante sua gestão envolvendo membros do primeiro escalão. Mais ainda: colocou o presidente diretamente na mira das investigações, depois que Ribeiro narrou, em um telefonema interceptado pela PF, que Bolsonaro havia lhe dito que tinha um “pressentimento” de que seu ex-ministro poderia ser alvo de busca e apreensão.

Por suspeita de que Bolsonaro tivesse informação privilegiada e tenha vazado isso a Ribeiro para estimular a destruição de provas, a investigação foi enviada para o Supremo Tribunal Federal (STF), para que seja feita uma análise se há elementos para investigar o presidente no episódio. O caso foi considerado um “desastre” para a campanha pela reeleição do presidente, de acordo com aliados.

Para especialistas, embora a economia continue sendo o tema central da campanha, os acontecimentos que abalam o MEC fragilizam um dos pilares do bolsonarismo.

— Essa prisão no contexto de um escândalo de corrupção afeta a campanha de Bolsonaro, porque este é um discurso forte dele. Ele frisa que seu governo poderia estar enfrentando problemas na área econômica, mas não tinha corrupção. Isso fragiliza um dos pontos fortes da argumentação do presidente e ele perde o que considerava uma vantagem — analisa o cientista político da Unirio, Felipe Borba.

A investigação apura indícios de que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura pediam propina para prefeitos em troca de facilitar o acesso a recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão é gerido por Marcelo da Ponte, indicado do Centrão e ex-chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP).

Diversas denúncias de irregularidades surgiram envolvendo a aplicação de recursos do órgão. Em 2019 a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou irregularidades em uma licitação de R$ 3 bilhões para compra de computadores. A compra estimou aquisição de 117,76 laptops por aluno. O edital acabou suspenso. No mês passado, outra licitação em preparo pelo órgão, para comprar mobiliário escolar, também foi suspensa depois que a CGU constatou potencial sobrepreço de R$ 1,59 bilhões. Para a CGU, o edital previa a compra de o dobro do mobiliário necessário para as escolas, com deficiência nas pesquisas de preços. Os dois casos foram revelados pelo GLOBO.

Mas Milton Ribeiro não foi o único mandatário do MEC a tirar o sono de Bolsonaro. Uma das figuras mais polêmicas a integrar o time do presidente na Esplanada, o ex-ministro Abraham Weintraub acirrou a relação de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF), que sempre foi marcada por tensões. Em uma reunião ministerial, em 2020, Weintraub defendeu a prisão de ministros do Supremo, sem nenhuma justificativa válida. Depois disso, enquanto o presidente tentava uma reconciliação com a Corte, o então ministro compareceu a um ato no qual manifestantes se posicionaram contra o STF. Essas atitudes lhe custaram o cargo

Antes disso, em 2019, Weintraub já tinha causado problemas ao Planalto ao gerar a primeira grande onda de manifestações contra o governo Bolsonaro. Chamada de “Tsunami da Educação”, milhares de pessoas foram às ruas em mais de 170 cidades do país contra cortes no orçamento das universidades federais promovidos por Weintraub. O contingenciamento ocorreu após declarações do então ministro de que promoveria cortes em instituições que promovessem eventos com “balbúrdia”.

Primeiro ministro da Educação escolhido por Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, cuja indicação era atribuída ao guru bolsonarista Olavo de Carvalho, também deu trabalho ao presidente. A gestão do colombiano gerou um racha entre as principais bases de sustentação do governo: militares e olavistas. Na época, quadros ligares aos militares tentaram reduzir a influência de funcionários ligados a Olavo de Carvalho na pasta, como reação, olavistas recorreram ao presidente para pedir a cabeça dos aliados de Vélez e acabaram vencendo a queda de braço após a demissão do próprio ministro. As falas polêmicas de Vélez e suas decisões atrapalhadas à frente da pasta, rendendo dor de cabeça a Bolsonaro, também contribuíram para o cenário. Na época, o ex-ministro afirmou que a universidade “não é para todos” e sim “somente para algumas pessoas”.

Com passagem relâmpago pelo MEC, entre 25 e 30 de junho de 2020, o economista Carlos Alberto Decotelli gerou crise no governo após apresentar inconsistências no currículo. Os questionamentos acerca da veracidade das informações acadêmicas de Decotelli atingiram o discurso do presidente de que só nomeava notáveis para a pasta.

Além dos desgastes políticos, a turbulência no MEC desde o início do governo teve como consequência direta a falta de iniciativas de peso do governo na área da educação. Segundo especialistas, o mandato de Bolsonaro foi um período morto na área, e promoveu desmonte de avanços conquistados em anos anteriores.

— Acompanho a política educacional federal há mais de vinte anos, ao menos desde a gestão Paulo Renato, nunca aconteceu esse cenário de total ausência de uma mesa de pactuação prévia, de articulações, de diálogo permanente com entes subnacionais. A educação neste governo não tem marca positiva — afirma a presidente executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz.

O Globo