Bolsonaro é o presidente mais fraco a tentar se reeleger

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Foto: Albuquerque/AGIF/AFP

A 100 dias da eleição, nenhum presidente da República que tentou renovar o mandato estava em situação tão desfavorável nas pesquisas quanto Jair Bolsonaro. Em junho de 1998, Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo a emenda da reeleição foi aprovada, tinha 33% das intenções de voto, ante 30% de Lula, a quem derrotou ainda no primeiro turno. Em julho de 2006, Lula, perto de completar o seu primeiro mandato no Planalto, marcava 44%, enquanto Geraldo Alckmin — na época seu rival e hoje seu companheiro de chapa — registrava 28%. Até Dilma Rousseff aparecia na liderança em junho de 2014, com 34%, 15 pontos porcentuais a mais do que Aécio Neves. Todos esses dados são do Datafolha, que mostrou em seu levantamento mais recente o presidente Jair Bolsonaro com 28%, bem atrás de Lula, que tem 47% e, segundo o instituto, venceria no primeiro turno se as eleições fossem hoje. Ou seja: o ex-capitão, que se tornou um fenômeno eleitoral em 2018 ao vencer a disputa numa legenda nanica, sem aliança partidária e com poucos segundos na propaganda de TV, pode atingir um outro feito em 2022 — este inédito: ser o primeiro mandatário a não conquistar a reeleição.

Bolsonaro até encena certo cansaço com o exercício do cargo e, de vez em quando, afirma que só não desiste porque a Presidência seria uma espécie de missão divina designada a ele. Entoada para adular os ouvidos dos eleitores mais religiosos, essa pregação não condiz com a realidade, tanto que o presidente resolveu deflagrar uma guerra, em múltiplas frentes, para vencer o pleito a qualquer custo. O plano de combate prevê a aprovação de um pacote de quase 40 bilhões de reais em novas despesas, a consolidação de alianças políticas controversas, a intensificação da estratégia de intimidação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a exploração de denúncias de corrupção contra Lula e o PT. Entre essas iniciativas, a aposta principal recai sobre a liberação bilionária de recursos, com a qual Bolsonaro pretende angariar votos principalmente entre os eleitores mais pobres e as mulheres. A coordenação de sua campanha esperava que, com essa ação, o presidente passasse a cuidar de uma agenda essencialmente positiva, mas as coisas não saíram como o esperado. Nos últimos dias, a oposição apresentou o pedido de instalação da CPI do MEC, e o presidente da Caixa caiu após ser acusado de assédio sexual.

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Esses dois episódios têm potencial para desgastar a imagem do governo, mas a preocupação de Bolsonaro e seus assessores continua a ser com a economia e, principalmente, a inflação. Assim como os petistas, os bolsonaristas entendem que a carestia e o poder de compra das famílias serão decisivos para o resultado da eleição. “Antes, os eleitores de direita me abordavam com declarações de amor ao presidente. Agora, estão metralhando e reclamando dele”, diz uma pessoa próxima ao ex-capitão, que pediu para não ser identificada. “Algumas pessoas do governo conseguiram destruir o legado do Plano Real e isso, na ponta do lápis, está matando o pessoal, o eleitor, no supermercado”, acrescenta. Pressionado pelo aumento dos preços dos combustíveis e dos números da fome no Brasil, o presidente decidiu driblar o teto de gastos e recorrer à gastança para recuperar terreno. A ideia inicial era lançar um pacote de 29 bilhões de reais. Como o valor foi considerado insuficiente para atender à demanda eleitoral, chegou-se a uma fatura de 38,7 bilhões de reais, mais do que foi arrecadado com a privatização da Eletrobras. Esses recursos serão usados, entre outras iniciativas, para pagar um vale de 1 000 reais a caminhoneiros autônomos, subsidiar tarifas do transporte público para quem tem mais de 65 anos, ajudar famílias carentes a comprar um botijão de gás e ampliar o valor do Auxílio Brasil, de 400 para 600 reais, além de incluir mais 1,5 milhão de famílias no programa.

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O pacote de redenção eleitoral foi incluído numa proposta de emenda constitucional, que ainda depende de aprovação do Congresso. Para viabilizar o texto, o presidente conta com a sua aliança com o Centrão, firmada em bases conhecidas, como a distribuição de cargos e de verbas orçamentárias. Essa parceria é tão importante que o governo federal aceitou de bom grado a iniciativa de expoentes do Legislativo de incluir na proposta da nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) uma regra que torna obrigatório o pagamento das chamadas emendas de relator, que só neste ano somam 16 bilhões de reais. Pelo modelo atual, essas emendas podem ou não ser liberadas pelo presidente de turno. Até aqui, Bolsonaro optou por desembolsá-las, beneficiando os seus aliados, como forma de ter a cúpula do Legislativo e líderes de siglas do Centrão a seu lado. É literalmente uma moeda de troca. Em sua rendição à velha política, o ex-capitão também aceita alianças que seriam inimagináveis segundo o seu discurso de candidato em 2018. Na terça-feira 28, ele esteve em Maceió desfilando ao lado do notório senador Fernando Collor de Mello, que deixou a Presidência em 1992 na esteira de um escândalo de corrupção e hoje responde a processo no STF por acusações decorrentes da Operação Lava-Jato.

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Do outro lado da trincheira, hoje numa posição extremamente confortável, o PT torce para que as medidas econômicas anunciadas pelo governo não rendam dividendos eleitorais a Bolsonaro. A queda do índice de desemprego para 9,8%, anunciada na quinta 30, gerou alguma apreensão, mas existe a confiança de que a situação não vai melhorar o suficiente em apenas 100 dias. O partido não lutará contra o aumento do valor do Auxílio Brasil. A ideia é insistir na estratégia de culpar o presidente pelo preço salgado tanto dos combustíveis quanto dos alimentos. “O centro do nosso debate é o sofrimento do povo brasileiro com a carestia, a insegurança alimentar”, diz o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), um importante interlocutor da legenda com representantes dos bancos e do empresariado. Sobre o pacote bilionário do governo, Padilha acrescenta: “É um ato de desespero de quem já se mostrou fracassado para enfrentar a insegurança alimentar, o aumento da pobreza e as incertezas econômicas. O maior erro estratégico do Bolsonaro foi vir para o debate onde ele é mais fracassado”.

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Além da frente econômica, a estratégia presidencial engloba outras manobras. Há tempos, Bolsonaro tenta ampliar sua vantagem entre os eleitores evangélicos, uma de suas mais importantes bases de apoio. Hoje alguns levantamentos mostram os dois candidatos principais com desempenhos muito parecidos nesse segmento. Nos últimos dias, o presidente e seus aliados condenaram, em discursos e publicações nas redes sociais, a prática do aborto, numa tentativa de fazer um contraponto à declaração de Lula, que — de forma correta no mérito e duvidosa do ponto de vista eleitoral — disse que o tema deve ser encarado como uma questão de saúde pública. O petista depois recuou, mas sua fala será largamente explorada nesta reta final.

O presidente também dá sinais de que recrudescerá a sua ofensiva sobre ministros do STF e do TSE, sobretudo Edson Fachin e Alexandre de Moraes, alvos públicos e notórios. A provável escolha de Braga Netto para o posto de vice em sua chapa é um sinal disso. Bolsonaro conta com o general, que foi seu ministro, e com o atual titular da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, para garantir que os militares fiscalizem as eleições, o que não é atribuição deles. Leal ao chefe, Braga Netto já pressionou o Congresso a aprovar o voto impresso, o que não ocorreu, e está à frente das conversas com representantes da Justiça Eleitoral. Ele também é considerado um trunfo para garantir que as tropas tenham um papel de destaque nas manifestações a favor do presidente programadas para o feriado de 7 de Setembro. Com a parceria com o general, Bolsonaro quer mostrar que o “Meu Exército”, como ele costuma se referir às Forças Armadas, está a seu lado e não permitirá que ele seja declarado perdedor numa votação que, conforme o presidente, será certamente fraudada. Até hoje, Bolsonaro não apresentou um indício sequer de fraude. Mesmo assim, mantém o discurso e, com ele, a suspeita de que pode tentar no Brasil o que Donald Trump, seu modelo inspirador, tentou nos Estados Unidos, ao não reconhecer a derrota para Joe Biden e estimular a invasão ao Capitólio.

Outra arma importante do presidente será a retórica anticorrupção. Bolsonaro e aliados pretendem retomar todas as denúncias contra Lula e o PT, do mensalão ao petrolão. Eles alegam que nada do que ocorreu no atual governo se compara às monumentais roubalheiras das gestões petistas. É certo que velhos casos serão ressuscitados. Um deles é a delação premiada de Marcos Valério, o operador do mensalão, aprovada pelo Supremo. Num depoimento gravado a que VEJA teve acesso, Valério diz que o PT mantinha relações com a facção criminosa PCC quando o prefeito de Santo André (SP) era o petista Celso Daniel, assassinado em 2002. Valério, um misto de lobista e gerente de esquemas de corrupção na era Lula que ainda cumpre pena por corrupção, afirma ainda que, após a morte do prefeito, ele passou a gerir um caixa clandestino de 100 milhões de reais, usado para comprar apoios políticos, pagar despesas partidárias e calar testemunhas inconvenientes. Entre elas estaria o empresário Ronan Maria Pinto, que exigia 6 milhões de reais para não contar detalhes do esquema de corrupção em Santo André e não implicar Lula no caso.

No depoimento, Valério declara que não quis comprar o silêncio do empresário e que tratou do assunto com Silvio Pereira, então secretário-geral do PT. “O Silvio virou pra mim e disse: ‘Marcos, o assunto de Santo André é que o Ronan quer revelar que, além dos ônibus, a gente recebia dinheiro de bingos, a gente recebia dinheiro dos perueiros. (…) Os bingos estariam lavando dinheiro do crime organizado e financiando campanhas de candidatos a vereadores e de deputados do PT, em dinheiro vivo. E crime organizado, leia-se PCC’”, lembra Valério. Ele também afirma que Paulo Okamotto, o faz-tudo de Lula, chegou a ameaçá-lo de morte, durante a CPI do Mensalão, caso prestasse alguma informação que prejudicasse o ex-presidente. “O negócio é o seguinte: uma turma nossa acha que nós devemos fazer com você a mesma coisa que fizemos com o Celso Daniel, mas eu sou contra”, conta o delator, reproduzindo o diálogo que teve com o dirigente petista. A VEJA, Okamotto tachou de invenções as declarações de Valério. Sobre uma suposta ligação do PT com o PCC, acrescentou: “Tem de perguntar para o pessoal do PCC. Eu não tenho nada para te informar sobre isso”. O trecho completo do depoimento pode ser assistido no site da revista.

De acordo com as pesquisas, o tema corrupção, que teve peso importante nas eleições de 2018, não será tão preponderante neste ano. Mas o assunto cadeia, evidentemente, fará parte da pauta. Lula foi preso pela Lava-Jato por 580 dias. E Bolsonaro, segundo seus próprios aliados, teme ter sua prisão ou a de algum dos seus filhos decretada, caso perca a eleição. Nos últimos dias, aliados do ex-capitão divulgaram, em sinal de alerta, a notícia da prisão da ex-presidente da Bolívia Jeanine Áñez, condenada a dez anos sob a acusação de perpetrar um golpe contra Evo Morales. “Consegue entender o perigo que o Brasil vive?”, escreveu o deputado Eduardo Bolsonaro numa rede social. A guerra dos 100 dias mal começou, mas uma coisa é certa: ela será sangrenta, principalmente para os cofres públicos, e um enorme teste para a jovem democracia brasileira.

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