Lira adia votação da PEC eleitoreira e ameaça deputados

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Foto: Elaine Menke/Câmara do Deputados

A comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou ontem a proposta de emenda constitucional (PEC) das bondades, mas o governo não conseguiu mobilizar sua base e precisou adiar a votação no plenário para evitar o risco de uma derrota. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu convocar nova sessão para terça-feira e alertou aos parlamentares que cortará o salário de quem não aparecer.

O atraso foi uma vitória da oposição, que vem tentando adiar a votação do projeto com o argumento de que não aceita o rito acelerado adotado por Lira e o governo. A PEC ignorou o regimento interno, pulou a votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e foi anexada a outra, a dos Biocombustíveis, já em fase final de tramitação na comissão especial (única etapa onde poderia receber emendas dos partidos contrários).

A PEC aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 pra R$ 600, cria dois auxílios – um para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil e outro para taxistas, num valor global de até R$ 2 bilhões -, dobra o vale-gás e repassa R$ 2,5 bilhões para custeio da gratuidade do transporte público para idosos e R$ 500 milhões para agricultura familiar, tudo até dezembro.

Essas ações custarão aos cofres públicos R$ 41,25 bilhões, quantia que ficará fora do teto de gastos (que proíbe o crescimento das despesas do governo federal acima da inflação). Para contornar a lei eleitoral, que proíbe a criação de benefícios nesse ano, os senadores alegaram que há um “estado de emergência” por causa da alta dos combustíveis.

O deputado Danilo Forte (União-CE) foi o relator na comissão e, por pressão do governo, decidiu dar parecer favorável à aprovação integral da PEC, sem alterações de mérito em relação ao texto do Senado. Qualquer mudança na proposta exigiria uma nova avaliação pelos senadores, o que, para o governo, aumentaria o impacto fiscal e colocaria em risco a promulgação ainda em julho porque o Congresso sai de recesso sexta-feira.

A oposição discordou da estratégia do governo de não fazer nenhuma mudança. “O aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e do vale-gás tem que ser permanente. Não pode ser só até o fim do ano, o que tem caráter absolutamente eleitoreiro”, afirmou o deputado Elias Vaz (PSB-GO). “Essa PEC tem uma única razão: chama-se Datafolha [referindo-se ao instituto de pesquisa que faz levantamentos de intenções de voto]”, ironizou a líder do Psol, a deputada Sâmia Bonfim (SP).

O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG) rebateu que a proposta tem medidas para ajudar a população na faixa da miséria, os caminhoneiros e taxistas que sofrem com a alta dos combustíveis, o transporte público e a agricultura familiar. “É uma PEC que ajuda a população brasileira. Não podemos adiar [sua aprovação”, afirmou.

Dentro dos partidos governistas, poucos deputados, como Kim Kataguiri (União-SP) e os integrantes do Novo, posicionaram-se contra a PEC. “Responsabilidade fiscal não é incompatível com política social, política de transferência de renda. Muito pelo contrário: política social sem recursos, sem orçamento equilibrado, é demagogia, é criar uma bomba para as futuras gerações”, disse Pedro Paulo, ex-secretário da Fazenda do Rio de Janeiro.

A comissão reuniu-se ontem e aprovou a PEC, mas, depois, foram mais de seis horas de debates marcados por manobras de obstrução da oposição. A estratégia da oposição ficou clara: defender os benefícios, mas criticar a decretação de um estado de emergência que possa autorizar o desrespeito às leis fiscais e eleitoral neste ano.

Na comissão, onde a votação era por maioria simples, o governo venceu todos os requerimentos. Governistas já alertavam à tarde, contudo, sobre a grande possibilidade de a tramitação da PEC não acabar ontem por causa do baixo quórum (só 427 dos 513 deputados registraram presença). Para votar o texto principal, que contava com apoio da oposição, o quórum era suficiente, mas para as emendas que pretendiam suprimir o estado de emergência, foi detectado risco alto de não ter os 308 votos para impedir a alteração da PEC.

A falta de quórum foi confirmada quando os requerimentos foram votados no plenário. O primeiro, de “quebra de interstício”, para que o primeiro turno da PEC pudesse ser votado no mesmo dia da aprovação pela comissão, recebeu 294 votos a favor e 95 contra. O pedido para encerrar a discussão foi aprovado por 303 votos a 91. “Não vou arriscar nem essa PEC nem a próxima [do piso da enfermagem] com um quórum desses”, disse Lira, ao chamar nova sessão para terça-feira.

O placar não foi suficiente mesmo com a divisão da oposição. Enquanto os partidos aliados à pré-candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT, PSB, PCdoB, Rede e Psol) e o Novo votaram contra a tramitação acelerada, o PDT de Ciro Gomes apoiou o governo na quebra de interstício para votar a PEC. PSDB e MDB, que apoiam a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB), foram junto com os governistas.

Em outra frente, o deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, tentou suspender a tramitação da PEC por meio de ação judicial. Ele pediu uma liminar ao Supremo Tribunal Federal (STF) afirmando que a proposta tem o “único objetivo de atender à ganância eleitoreira” de Bolsonaro e que ela tem “incompatibilidade com a Constituição decorrente do abuso de poder político”.

Mas o ministro André Mendonça, um dos principais aliados de Bolsonaro na Corte, foi sorteado relator da liminar e a indeferiu. “Tenho que a autocontenção judicial deve nortear a atuação jurisdicional da Suprema Corte em tais casos, de modo que seja evitada, ao máximo, a prematura declaração de invalidade de ato legislativo”, disse o ministro.

Valor Econômico