Bolsonaro afunda no Nordeste

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Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cresceria entre jovens, moradores do Nordeste e eleitores de baixa renda em uma eventual disputa em segundo turno contra Jair Bolsonaro (PL). O pré-candidato à reeleição, por sua vez, atrairia para si o voto da parcela mais rica da população.

Os dados são da última pesquisa do Datafolha, publicada na semana passada. O levantamento mostra Lula com 47% das intenções de voto no primeiro turno, contra 29% de Bolsonaro. Para o segundo turno, o petista iria a 55% dos votos totais, com o atual chefe do Executivo federal chegando a 35%. O Pulso analisou o crescimento dos dois candidatos em cada estrato social entre o primeiro e o segundo turno de votação.

Lula contaria, em uma disputa direta com Bolsonaro, com o voto de seis em cada dez eleitores de 16 a 24 anos (63%). No primeiro turno a parcela desse grupo que declara a intenção de votar no petista é de 52%.

O ex-presidente supera Bolsonaro em todos os grupos etários num eventual segundo turno. Mas há hoje oscilação numérica favorável ao atual chefe do Executivo quando observado o crescimento entre os eleitores de 60 anos ou mais: sobe sete pontos percentuais do primeiro para o segundo turno, enquanto Lula cresce seis pontos.

A pesquisa do Datafolha, feita de 27 a 28 de julho, tem margem de erro estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos. Para cada grupo específico do universo de entrevistados essa margem é diferente, já que eles também têm tamanhos diferentes. Mas a evolução dos candidatos em cada grupo pode dar pistas importantes para as campanhas, segundo afirma o sociólogo Mauro Paulino, ex-diretor do Datafolha e atualmente comentarista da GloboNews.

O entorno de Bolsonaro está ciente das dificuldades do presidente entre o eleitorado jovem. O pré-candidato à reeleição intensificou a presença em redes sociais como o TikTok e passou a fazer discursos mais direcionados a esse público — e também aos pais dos eleitores novatos. Em junho, o PL usou sua primeira propaganda partidária na TV para divulgar vídeo de Bolsonaro em uma roda de conversa com jovens.

Paulino diz haver características diferentes no comportamento dos eleitores em uma disputa em segundo turno, e que há espaço para mudanças entre uma votação e outra. O sociólogo avalia que os apoiadores de Ciro Gomes (PDT) serão o principal grupo a ser disputado em eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro.

— Na grande maioria das vezes, os eleitores já têm na véspera do primeiro turno praticamente a decisão tomada para a disputa em segundo turno. O eleitor, ao decidir seu candidato na primeira votação, acompanhou a campanha e já tem uma ideia muito aproximada de quem escolherá no segundo caso o escolhido dele não passe. Mas há espaço para a persuasão de pequenos grupos do eleitorado. O Aécio passou na frente da Dilma nas primeiras pesquisas pós-primeiro turno em 2014. Neste ano os eleitores do Ciro podem ser o fiel da balança — analisa o comentarista da Globo News e ex-diretor do Datafolha.

Na região Nordeste, Bolsonaro tem 24% da preferência dos eleitores no primeiro turno e chegaria a 28% em eventual disputa direta com Lula. A oscilação de quatro pontos percentuais indica que o presidente fica praticamente estagnado de um turno para outro. Já Lula sairia de 59% das intenções de votos dos nordestinos no primeiro turno para 67% num cenário contra Bolsonaro em segundo turno.

Os números do Datafolha se assemelham com os captados pela pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta semana. O levantamento mostra Lula com 67% e Bolsonaro com 26% em um segundo turno só com eleitores nordestinos. No primeiro turno esse placar é de 61% a 20% para o petista.

— Teoricamente, os candidatos do primeiro turno levam para o segundo os seus votos e mais uma parcela razoável dos votos nos candidatos adjacentes no espectro político e ideológico. No campo da esquerda tem também o Ciro Gomes (PDT), que hoje tem 8% ou 9% das intenções de voto. A votação do Lula se expande nesse segmento. Já o Bolsonaro não tem nenhum candidato minimamente adjacente ideologicamente. Com a saída do João Doria (PSDB) da disputa, ele ficou isolado nesse campo — analisa o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.

Entre as mulheres, Lula salta de 46% de preferência no primeiro turno para 56% na disputa só com Bolsonaro se o segundo turno tivesse acontecido na semana passada. O chefe do Executivo avança menos, indo de 27% para 33% de um turno para o outro.

A preferência das eleitoras pelo petista, no entanto, já foi maior. Na rodada anterior do Datafolha, em julho, 62% das entrevistadas escolhiam Lula, enquanto 27% optavam por Bolsonaro no segundo turno.

Para a professora de ciência política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a preferência das mulheres por Lula reflete os efeitos do discurso de Bolsonaro ao longo de sua trajetória política. Efeitos esses que se reproduzem também em outros estratos demográficos.

— Bolsonaro tem inequivocamente um perfil de candidato que cresce entre os ricos, e que cresce entre aqueles que se percebem vencedores, enquanto Lula tem identificação com os vulnerabilizados. E nisso eu incluo as mulheres, os negros, os pobres, os nordestinos. Esse grupo tem maior rejeição ao voto em Bolsonaro. Se você pega os discursos do Bolsonaro enquanto deputado federal, sua imensa maioria é voltada aos militares e também às camadas médias. Não é dirigido às camadas populares. Ele se constrói como uma liderança política de perfil identitário de classe média e não se dirige aos marginalizados, aos oprimidos — diz a professora.

O eleitorado feminino é outro segmento em que a pré-campanha de Bolsonaro tem direcionado foco. O presidente passou a destacar mais as ações de seu governo que beneficiaram esse grupo, tal como fez a primeira-dama Michelle Bolsonaro na convenção que oficializou a pré-candidatura do marido, no fim do mês passado.

Mayra Goulart avalia que a primeira-dama tem potencial para elevar o percentual de votos de Bolsonaro entre as evangélicas:

— Eu atribuo a variação positiva do Bolsonaro entre as mulheres ao fato de que ele consolidou a preferência dos evangélicos. E isso é atribuído muito às mulheres evangélicas, que é para elas a quem a Michelle fala. O discurso dela é muito dirigido às mulheres conservadoras, com essa ideia de que o homem deve conferir proteção. E as lideranças evangélicas influenciam outros segmentos no campo conservador, inclusive entre outras religiões.

No recorte por renda, o crescimento de Lula é mais expressivo nas camadas mais pobres, que ganham, na família, até dois salários mínimos ou de dois a cinco salários mínimos por mês. O ex-presidente chega a 63% e 50% dos votos nesses grupos num segundo turno com Bolsonaro, respectivamente.

Já o atual presidente cresce mais entre os ricos, que têm rendimentos superiores a dez salários mínimos mensais na família. Bolsonaro superaria Lula nesse grupo, com 50% dos votos contra 35% do petista.

Para Mayra Goulart, a preferência do eleitorado mais rico pode representar um trunfo para Bolsonaro em um eventual segundo turno devido ao poder de influência desse grupo.

— Essa parcela é muito pequena em termos de potencial de voto. Mas esses eleitores são formadores de opinião. Eles têm acesso a mecanismos de formação de opinião, seja pelas mídias tradicionais, seja por outros meios. Eles são influentes e geram identificação entre membros das camadas populares que não se identificam com as camadas populares. Existem segmentos das classes mais baixas que se identificam com os mais ricos, e por isso mimetizam seus comportamentos — diz a professora da UFRJ.

O sociólogo e matemático Vinicius Pinheiro Israel, autor de artigo sobre estratificação social e tendências e padrões de votação, explica que o histórico social dos eleitores também influencia na definição do voto.

— O reconhecimento da mobilidade de classe se aplica aos indivíduos que vieram de famílias das classes trabalhadoras e tiveram ascensão social. Isso pode gerar um viés de voto, e foi o que aconteceu em 2006, quando Lula foi reeleito. Não é só o quanto o indivíduo ganha, mas também de onde ele veio e a percepção de que aquela pessoa melhorou de vida durante determinado governo. Ainda não temos como dizer se isso impactará a tentativa de reeleição de Bolsonaro — diz Israel, que é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio).

Contratado pela “Folha de S.Paulo”, o Datafolha entrevistou, entre 27 e 28 de julho de 2022, 2.556 eleitores em 183 municípios de todas as regiões do país. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-01192/2022. A margem de erro é de dois pontos percentuais, e o índice de confiança é de 95%.

O Globo