Carta Democrática chega a 1 milhão de nomes nesta semana

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Foto: ESTADAO CONTEUDO / ESTADAO CONTEUDO

Ter direitos fundamentais garantidos e acesso à justiça, defender uma ideia e escolher representantes por meio do voto – num processo em que há respeito à supremacia da maioria da população – são alguns dos elementos que formam o que chamamos de democracia, conceito que, basicamente, significa um governo em que o poder emana do povo.

Para o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (em inglês, International Institute for Democracy and Electoral Assistance – IDEA), a existência de uma imprensa livre com poder de fiscalizar o Estado, o respeito às liberdades civis, a pluralidade de partidos políticos, o combate à corrupção são elementos que indicam em que nível se encontra a democracia de um determinado país.

Foi durante o período democrático que importantes conquistas no Brasil recente, como acesso universal à saúde e aumento nos níveis de escolaridade, foram garantidas, avalia o professor de ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Tiago Borges.

A coexistência de diferentes ideologias é outro ponto fundamental para se analisar em que pé uma democracia se encontra. “Não dá para pensar em um regime democrático em que, ao mesmo tempo, uma pessoa não pode colocar a camiseta de seu candidato porque pode sofrer violência nas ruas”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Luis Felipe Miguel.

A participação popular no espaço democrático hoje no Brasil se dá, em grande medida, pelo voto, explica Miguel. E o voto existe porque, de maneira prática, seria impossível que toda a população brasileira, hoje estimada em 214 milhões de pessoas segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se reunisse a cada vez que fosse necessária alguma escolha importante para o País.

Dessa forma, o modelo adotado no Brasil foi a democracia representativa, em que o povo tem seus interesses e decisões defendidos por representantes, escolhidos por voto.

Conforme aponta o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para ocupar a Presidência, senado, governo estadual e prefeitura, o modelo é o voto majoritário, em que se elege aquele que recebe a maioria absoluta dos votos.

Já nos cargos legislativos, como deputados e vereadores, o modelo é o voto proporcional; primeiro são considerados os partidos vitoriosos e depois os candidatos individualmente.

Um marco importante no processo eleitoral brasileiro foi a criação da urna eletrônica em 1996. O objetivo era eliminar fraudes, comuns no antigo sistema de papel, e o novo sistema tornou o Brasil a maior eleição informatizada no mundo.

Considerando o período pós redemocratização, o primeiro presidente eleito por voto direto foi Fernando Collor de Mello, em 1989, que deixou o cargo em 1992 após sofrer Impeachment por crime de responsabilidade. Ele foi substituído por Itamar Franco, que ocupou o cargo até a eleição de Fernando Henrique Cardoso.

Um outro pilar importante para a democracia é a coexistência de diferentes ideologias e a possibilidade de livre oposição, o que permite a avaliação popular dos governos e alternância de poder.

Para o professor de ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Tiago Borges, a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2003, após oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, foi episódio que mostrou uma democracia em funcionamento, em que ambos não eram do mesmo campo político e ainda assim houve uma transição de poder tranquila.

“Um não fica feliz com a derrota, mas sai do jogo temporariamente, é isso, é assim que as democracias funcionam”, diz Borges.

Borges afirma que nos últimos anos, porém, os sintomas de que o Brasil passou a vivenciar uma competição muito severa no plano Federal começaram a ficar evidentes com o questionamento da vitória de Dilma Rousseff em 2014 pelo segundo colocado, Aécio Neves.

“É um problema para a democracia quando você contesta, sem fundamento e sem justificativas críveis, o processo eleitoral. Você gera desconfiança, insegurança, você abala a competição”, afirmou Borges. Hoje, esse fenômeno já é uma característica da atual disputa, com os constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eletrônico de votação, mesmo sem provas e a partir de teorias já descartadas pela Justiça Eleitoral, que garante a segurança da urna eletrônica contra fraudes, o que nunca ocorreu desde sua implantação.

No Brasil, o voto é obrigatório para pessoas acima de 18 anos e abaixo de 70. Garantir educação para a política e espaços de participação popular, para além do voto, é uma forma de avançar o grau da democracia num país, afirmaram os especialistas consultados pelo Estadão.

Isso pode ser fortalecido com a participação em conselhos de atuação junto ao Executivo e Legislativo, como os conselhos participativos municipais, e qualquer outro espaço de debate em que se possa pensar sobre questões da vida em sociedade, e como resolver seus problemas mais agudos.

A inclusão de diferentes grupos sociais no debate público está radicalmente atrelada ao aumento da sensação de que se é melhor representado pelos seus líderes, destaca Luís Felipe Miguel. Mas até hoje no Brasil, por exemplo, a representação das mulheres na política é uma das menores do mundo. O mesmo vale para a população negra, indígenas e LGBTQI+, por exemplo, dizem os cientistas políticos entrevistados pelo Estadão.

As desconfianças sobre a validade do processo eleitoral tomaram corpo com a chegada de Bolsonaro ao poder, em 2018, ano desde o qual ele vem afirmando, sem nunca apresentar provas, existirem fraudes nas urnas eletrônicas e que venceu as eleições já no primeiro turno.

Para Miguel, os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e constantes conflitos com o Judiciário prejudicam “a estabilização democrática do País”.

O Brasil foi a democracia que mais entrou em declínio no mundo em 2020, segundo o Relatório Global do Estado da Democracia, publicado em 2021 pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (em inglês, International Institute for Democracy and Electoral Assistance – IDEA).

Uma democracia que retrocede, como é o caso do Brasil, segundo o IDEA, é aquela que experimenta o enfraquecimento das liberdades civis, ataques às instituições e ao processo eleitoral, diminuição das associações entre indivíduos e dos mecanismos de monitoramento das ações de governo, um papel da imprensa, por exemplo

“O presidente abertamente testou as instituições democráticas do Brasil, acusando magistrados do Tribunal Superior Eleitoral de se preparar para fraudar as eleições de 2022, e atacando a mídia”, afirma o relatório.

Com a adesão de mais de 461 mil assinaturas em quatro dias, a carta pela democracia é uma reação às constantes tentativas de descrédito do processo eleitoral no país feitas pelo atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).

A carta colocou lado a lado setores envolvidos em disputas históricas, como por exemplo centrais sindicais, como a União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Juntas, essas centrais reúnem mais de 60 milhões de trabalhadores.

Na análise dos especialistas, o manifesto pela democracia organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo é uma tentativa de reconstruir o mínimo necessário para que exista uma democracia.

“Significa aceitar o processo eleitoral, a igualdade perante a lei, significa dizer que a política não deve ser marcada pela violência”, diz o professor da UnB, Luis Miguel.

“A gente precisa voltar para uma normalidade em que não tenhamos preocupações em relação à sobrevivência da democracia, porque um país que faz carta em defesa da Democracia é um país que está com problemas democráticos”, afirma o cientista político, Tiago Borges. “É preciso voltar aos trilhos, em que oposições e partidos se comportam como tal e, a partir disso, conseguiremos sanar problemas econômicos e sociais”, afirma.

Estadão