Carta pela Democracia combate o racismo

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Foto: Ronny Santos – 11.ago.21/Folhapress

O lugar é o mesmo, e a inspiração, também. Mas o significado da palavra democracia no debate público se ampliou consideravelmente entre a carta em defesa do Estado de Direito de 1977 e a de 2022, que será lida nesta quinta-feira (11) na Faculdade de Direito da USP.

A reivindicação da soberania da vontade popular permanece e está na raiz dos dois textos, mas o atual deixa claro que o mero respeito ao voto não basta. Articulada por nomes do mundo jurídico e já endossada por mais de 800 mil signatários, a carta que reage às investidas golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL) destaca também a agenda contra a desigualdade.

“Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito”, diz o texto. “Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.”

A cerimônia também deve ter um perfil mais diverso de oradores, com falas de pelo menos duas mulheres negras: a presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Bruna Brelaz, 27, e a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Manuela de Morais Ramos, 19.

A presença de mulheres negras nas duas entidades é recente. Em 2021, Bruna se tornou a primeira mulher negra eleita para presidir a UNE nos mais de 80 anos da organização. Manuela é a segunda líder da agremiação estudantil que completa 119 anos. A primeira foi Leticia Chagas, eleita em 2019.

Manuela deve incluir a pauta antirracista em sua fala. “A população negra é mais da metade do país, mas não vê essa representação nos espaços de poder”, afirma. “A gente ainda tem no Brasil uma política muito familiar, de pessoas que chegaram a algum lugar porque o pai ou o avô estiveram lá.”

Na própria faculdade, ainda falta representatividade, ressalta ela. A bibliografia dos cursos, diz, praticamente só tem homens brancos.

A desigualdade ainda está marcada pela profusão de salas com quadros e espaços com nomes de homens brancos, com exceções conquistadas após movimentos de estudantes e professores. A mais recente delas é a inauguração do anfiteatro José Rubino de Oliveira, primeiro professor negro da faculdade.

Sinal dos tempos em uma USP cujo perfil, desde a implementação das cotas raciais, em 2018, mudou consideravelmente. Em pouco mais de cinco anos, a proporção de ingressantes autodeclarados pretos e pardos na universidade cresceu de 17% para 25%.

Também recente é a incorporação da pauta antirracista como agenda obrigatória de governos, instituições e empresas, afirma a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, autora de “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” (Companhia das Letras, 2019).

Ela ressalta que os movimentos negros sempre atuaram nesse sentido.

Mas a ideia de que não basta não ser racista, é preciso combater o racismo, entrou no debate público de vez após os protestos motivados pelo assassinato de George Floyd nos EUA, em maio de 2020, asfixiado por um policial que se ajoelhou em seu pescoço por mais de oito minutos.

A morte de outro homem negro, Beto Freitas, em um supermercado Carrefour em Porto Alegre lembrou a de Floyd e mostrou a urgência do combate ao racismo também no Brasil, diz Schwarcz.

Ela acrescenta que o regime militar e o mito da democracia racial também fizeram o país entrar tarde na agenda por direitos civis. O combate à ditadura, nesse sentido, foi colocado como uma prioridade em detrimento de outras causas.

De fato, o direito à igualdade perante a lei é citado na carta de 1977 sem destacar especificamente o aspecto racial, e em conjunto com outros direitos como a propriedade, a inviolabilidade do domicílio e o de não sofrer tortura, entre outros.

Embora a luta contra o racismo tenha ganhado terreno no debate público, ainda há um longo caminho a percorrer para que ela se traduza em igualdade. Isso é visível não só nos dados socioeconômicos, mas também no aspecto mais comumente associado à democracia: a representação política.

Estudo recente dos economistas Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, do Insper, mostra que o percentual de pretos e pardos entre deputados é muito menor do que seu peso na população em todos os estados.

Além disso, candidatos brancos têm pelo menos o dobro de chance de serem eleitos deputado federal ou estadual na comparação com candidatos negros.

Em artigo, eles citam a importância da representatividade para melhorar a qualidade da democracia, ao aumentar a legitimidade das instituições políticas e a chance de implementação de medidas concretas.

“Grupos que não possuem representação política adequada com o seu tamanho dificilmente serão capazes de colocar pautas de seu interesse como prioritárias”, escrevem.

Folha