Censura do TSE a Lula é censura a debate político

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A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que determina a remoção de vídeos em que o ex-presidente Lula (PT) chama o presidente Jair Bolsonaro (PL) de genocida pode colocar o tribunal em uma posição complicada de mediador do debate político, avaliam professores de direito ouvidos pela Folha.

O receio aumenta na medida que a disputa deste ano está repleta de termos como genocida e “Bozo”, em alusão a palhaço, de um lado, e corrupto e presidiário, de outro, diz Alexandre Pacheco da Silva, professor da FGV Direito SP.

“Uma característica específica dessa disputa é que vêm se normalizando apelidos de parte a parte. A preocupação é o quanto uma decisão como essa pode colocar a Justiça Eleitoral no papel de mediadora do debate político”, afirma. “No limite pode empobrecer o debate.”

A decisão do ministro do TSE Raul Araújo Filho tem caráter liminar (provisório). Ele atendeu a pedido apresentado em ação do PL, partido de Bolsonaro, e determinou que o YouTube removesse vídeos em até 24h após ser notificado.

A fala de Lula foi feita durante ato em Garanhuns (PE) em 22 de julho. “O genocida acabou com o Minha Casa Minha Vida e prometeu Casa Verde e Amarela”, disse o petista na ocasião. “Eu quero dizer para ele que vocês vão ganhar essas eleições para mim, e que nós vamos voltar, nós vamos voltar, e que nós vamos voltar a fazer o Minha Casa Minha Vida.”

Em sua decisão, o ministro do TSE disse que é viável a republicação do vídeo, desde que seja excluído o trecho em que Bolsonaro é chamado de genocida.

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O magistrado considerou que o discurso pode ter configurado “propaganda eleitoral extemporânea negativa, por ofensa à honra e à imagem de outro pré-candidato ao cargo de presidente da República”.

“Os participantes do processo eleitoral devem orientar suas condutas de forma a evitar discursos de ódio e discriminatório, bem como a propagação de mensagens falsas ou que possam caracterizar calúnia, injúria ou difamação”, escreveu.

O magistrado é o mesmo que tentou censurar manifestações políticas das cantoras Pabllo Vittar e Marina no festival Lollapalooza, em março.

A ação do PL foi proposta em meio a uma ofensiva da equipe jurídica de Bolsonaro, que começou no último dia 5 com um pacote de sete ações apresentadas pelo PL contra o petista por propaganda eleitoral antecipada.

Para o professor da FGV, além de eventualmente empobrecer o debate político, a determinação tem outro aspecto problemático, que é o elemento temporal para caracterizar a ofensa. Isso porque Bolsonaro já vem sendo chamado de genocida há um tempo.

O termo se popularizou como forma de crítica à gestão do presidente da pandemia de coronavírus. Ao longo da emergência de saúde, Bolsonaro promoveu medicamentos sem eficácia, realizou afirmações falsas sobre vacinas e desrespeitou orientações sanitárias, como uso de máscara e a não realização de aglomerações. Seu governo também sofreu críticas por decisões que atrasaram o início do processo de imunização no país.

Também professor da FGV Direito SP, Caio Mario da Silva Pereira Neto afirma que tanto a palavra genocida como outras a exemplo de presidiário e corrupto têm sido usadas na atual disputa de uma forma mais geral, com o sentido mais de se fazer uma avaliação negativa do que de apontar um crime específico.

“Se a leitura de qualquer um desses termos passa a ser uma limitação significativa no discurso, coloca-se que o TSE quer ser o filtro da escolha de palavras”, diz.

Ele afirma que o precedente, se mantido, pode ser repetido por outros partidos e truncar o debate político. “Passa a ser uma estratégia questionar toda palavra negativa que alguém usar”, diz.

Já o advogado Rodolfo Assis, pesquisador do grupo Pleb (Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil), da PUC-Rio, afirma que depende muito do contexto e da subjetividade de quem julga a avaliação de qual termo é suficientemente pejorativo para configurar uma propaganda negativa com ofensa à honra.

“A meu ver, não deveria caber ao TSE proteger a honra do candidato, mas sim proteger o processo eleitoral”, diz. “Há outras instâncias que poderiam lidar com a proteção da honra.”

Ainda assim, ele afirma que a legislação permite que a Justiça Eleitoral faça esse tipo de avaliação e que, quando se emprega palavras mais fortes como genocida, aumenta a chance de um entendimento como esse.

Para Assis, seria importante ter decisões mais precisas sobre quais aspectos são mais relevantes para definir o que caracteriza a propaganda antecipada negativa. “Minha impressão é que essa avaliação ainda é feita de maneira muito intuitiva”, diz.

Folha