EUA proíbem venda de armas a Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Vai levar tempo para as Forças Armadas brasileiras recuperarem confiança e credibilidade nos Estados Unidos.

O ativismo na política, intensificado sob Jair Bolsonaro, resultou numa corrosão do relacionamento com os EUA, e deixou em risco acordos com principal aliado de Defesa, provedor de tecnologia e de treinamento profissional.

Na Casa Branca, no Congresso e na burocracia do governo americano (dos departamentos de Estado e de Defesa à CIA) sobram evidências de suspeição sobre os objetivos dos chefes militares brasileiros em minar a confiabilidade do processo eleitoral. Avisos sobre a possibilidade de isolamento do país, em consequência da interferência militar na política interna, tornaram-se rotina nos últimos meses.

Na prática, o governo americano já congelou iniciativas para destravar o comércio de produtos militares com o Brasil, previstas em acordo assinado por Bolsonaro em 2020, no início da pandemia, durante visita de à sede do Comando Sul, em Miami.

Promovido pela administração Donald Trump, esse acordo abriu uma “via rápida” para o Brasil na compra e venda de material bélico nos EUA, sob o status de “aliado preferencial”. É uma forma de certificação que serve, também, para facilitar a negociação de alguns tipos de armamento de defesa com países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Com o novo status, os militares foram às compras nos EUA. Um dos pedidos foi um lote de armas antitanque guiadas, passível de uso por um único soldado, em plataforma de lançamento ou em missões individuais de reconhecimento. O equipamento desenvolvido pela Lockheed Martin e Raytheon Technologies é conhecido como Javelin (LWCLU, nos manuais em inglês). Foi testado no Afeganistão, Iraque e, agora, está em uso na Ucrânia. Custa em média US$ 500 mil (R$ 2,7 milhões) a unidade.

As Forças Armadas, no entanto, acabaram tropeçando na desconfiança política que provocaram em Washington. Reportagem de Matt Spetalnick, Gabriel Stargardter, Patricia Zengerle e Mike Stone, divulgada ontem pela agência Reuters, mostra como a proposta do Exército brasileiro para compra de 220 Javelin — negócio estimado em US$ 100 milhões (R$ 540 milhões) — está mantida num limbo burocrático americano.

Dele não deve sair enquanto não houver recuperação da credibilidade política dos potenciais clientes brasileiros, acham diplomatas. É improvável anúncio de bloqueio, congelamento ou coisa parecida, acrescentam. Haverá apenas a reiteração permanente da política de Defesa integrada entre países democráticos para “dissuasão confiável” promovida pelo governo Biden. Ela foi resumida pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, duas semanas atrás em Brasília: “Dissuasão confiável exige forças militares e de segurança que estejam prontas, capazes e sob firme controle civil.”

Desde o ano passado, parlamentares democratas e republicanos têm afirmado descrédito no governo brasileiro em consequência da ofensiva contra o Judiciário e o processo eleitoral.

É novidade a designação das Forças Armadas como alvo político em Washington. Mês passado, por exemplo, parte da bancada do Partido Democrata na Câmara pediu ao Departamento de Estado que “avalie o papel das forças brasileiras em um ‘golpe de estado’”.

O texto subscrito pelo deputado Tom Malinowski, de Nova Jersey, e outros, apareceu como emenda ao orçamento de defesa para 2023. Na essência, é iniciativa parlamentar com o objetivo de obrigar o Departamento de Estado a produzir documento sobre a “neutralidade” dos militares para, eventualmente, justificar a imediata interrupção de assistência de segurança ao Brasil.

Nele prescreve-se o exame da “interferência, interrupção ou obstrução” dos militares no processo eleitoral, a partir de aspectos como: *

“Manipular, tentar manipular ou anular resultados eleitorais”;

* Envolvimento em “informações coordenadas ou compartilhadas, esforços de comunicação para minar a fé popular e confiança em autoridades eleitorais independentes ou questionamento da validade dos resultados eleitorais”;

* Uso de “redes sociais ou outros meios de comunicação e de sistemas de comunicação, incluindo aplicativo de mensagens móveis, para tentar influenciar as opiniões generalizadas sobre a validade dos resultados eleitorais ou sobre a conveniência de qualquer resultado particular”;

* Promoção do “encorajamento, incitação ou facilitação de distúrbios físicos, atividades ou desafios em matéria eleitoral, processos, cálculos eleitorais ou resultados eleitorais, ambos antes e depois das eleições presidenciais.”

Semana passada, em São Paulo, avaliações sobre a interferência militar na política brasileira foram tema de conversas de uma delegação de deputados americanos.

À frente do grupo estava Stephanie Murphy, da Flórida, vice-presidente da Subcomissão de Inteligência e Operações Especiais da Câmara, e que também integra o comitê encarregado de investigar o ataque ao Capitólio. Acompanhavam Mark Green, republicano do Tenessee, da Comissão de Serviços Armados; Kathleen Rice, democrata de Nova York, da Comissão de Segurança Doméstica; e, Kurt Schrader, democrata do Oregon, da Comissão de Energia e Comércio.

Desde a ditadura não se registravam tantas e tão explícitas manifestações de desconfiança do Congresso e do governo americano sobre a ambiguidade das Forças Armadas na democracia brasileira.

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