Telegram ferve com golpismo bolsonarista

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Foto: Eduardo Anizelli-24.jul.22/Folhapress

Declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) convocando a população para atos em 7 de Setembro instigam no Telegram, de forma quase instantânea, grupos de direita a postarem mensagens não apenas com convites para ir às ruas, mas tratando a data como crucial para questionar o processo eleitoral.

É o que mostra uma comparação entre postagens na rede e falas de Bolsonaro.

O número de mensagens no Telegram que tratam sobre o 7 de Setembro neste ano é bem maior que o do ano passado, segundo dados da pesquisa “Democracia digital —análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022”.

Dedicada a acompanhar o comportamento de grupos de direita, ela monitora regularmente 479 canais e 156 grupos no Telegram.

Pesquisa Datafolha realizada em março deste ano identificou que 24% dos entrevistados tinham conta no Telegram.

Comparando o volume de postagens nos grupos de direita na plataforma, o total de mensagens sobre o 7 de Setembro, de janeiro a julho, passou de 592 no ano passado para 4.704 neste ano, um aumento de 695%.

Os pesquisadores explicam que é natural um aumento à medida que a data se aproxima, mas chamam a atenção para um repique. Registrado em junho, o número de mensagens mensais que convocam para a mobilização bolsonarista mudou de patamar.

De janeiro a maio, a média de postagens sobre 7 de Setembro nos grupos acompanhados foi de 337. Em junho, porém, foram 887.

O momento do mês de junho em que a mudança ocorreu foi no dia em que foi ao ar uma entrevista de Bolsonaro ao SBT News. Nela, o presidente contou que o 7 de Setembro deste ano seria a data para defender a lisura nas eleições e apoiar “um certo candidato”.

Um dia depois, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) reforçou o convite do pai. Em entrevista à CNN Brasil, o senador afirmou que a comemoração da independência em 2022 “será um grito de socorro da população”.

A partir dali, a média diária de mensagens nos grupos de direita do Telegram para convocar a mobilização do 7 de Setembro foi multiplicada por dez.

Ocorreu nova disparada em julho, mês em que ocorreu a convenção do PL que lançou Bolsonaro e seu vice, Braga Netto (PL), para a reeleição. Na ocasião, Bolsonaro voltou a chamar apoiadores para a mobilização em 7 Setembro e fez ataques aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

O número de postagens sobre o tema em julho fechou em 2.129, mais que o dobro do mês anterior. Nas primeiras duas semanas de agosto, já estavam na casa de 1.500.

Um dos coordenadores da pesquisa, Leonardo Nascimento, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), diz que há estudos sobre como apoiadores de um líder político reagem no ambiente online a seus chamados no mundo real.

Segundo ele, ocorre uma espécie de “populismo digital”. A pessoa se identifica tanto com o seu líder que qualquer mensagem é interpretada como se fosse enviada especialmente para ela, diretamente pelo líder —ainda que seja a reprodução de terceiros de uma entrevista do líder ou a fala de outra pessoa sobre o ele.

“Sem dúvida nenhuma, Bolsonaro ativa a direita no Telegram”, afirma Nascimento. “E o risco de bloqueio da plataforma não conseguiu deter os radicais.”

Em 18 de março, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, acolheu pedido da Polícia Federal e determinou que plataformas e provedores de internet bloqueassem o Telegram em todo o Brasil. Dois dias depois, revogou a própria decisão.

A pesquisa identificou que os grupos mais radicais até submergiram por um um tempo, porque ficaram com medo de estarem sendo vigiados. Mas posteriormente retornaram, intensificando técnicas para não serem identificados pelas autoridades. Trocam nomes e adotam grafias alternativas, por exemplo.

“O ministro Alexandre de Morais é o que tem mais apelidos, não mencionam ministro ou Alexandre, mas minhoca, careca. Também é comum agora trocar o S de Supremo por $”, afirma Nascimento. “É um jogo de gato e rato complicado até para a plataforma.”

Foi possível ainda identificar uma mudança no conteúdo das mensagens, considerada preocupante pelos pesquisadores.

Neste ano, há um arrefecimento de postagens moderadas e a intensificação de narrativas extremistas. “O discurso que contagia e se repete é o de conteúdo mais radicalizado”, diz outra coordenadora do estudo, a pesquisadora Letícia Cesarino, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Predominam as postagens que tratam de uma teoria da conspiração, em que os ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) estariam fechados com o PT para promover uma fraude eleitoral em benefício de Lula.

“A narrativa que estamos identificando aponta para o 7 de Setembro como um movimento que claramente vai questionar a eleição, pois o centro dos ataques é o TSE e a urna”, afirma Letícia.

“E algo que não estava colocado no 7 de Setembro do ano passado, que foi marcado por um tom mais golpista e de confronto com o STF.”

No relatório do primeiro semestre, a teoria da conspiração é um destaque. As mensagens que associam o STF e TSE com Lula e o PT já somavam 9.000, um aumento de 45% em relação ao mesmo período de 2021, quando foram identificadas 6.171 com esse tipo de conteúdo.

Os pesquisadores afirmam que não é possível saber se o aumento da movimentação no ambiente online vai se reproduzir no offline.

Em 2021, a manifestação do Dia da Independência foi destaque na avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o presidente Bolsonaro tem convocado os apoiadores a se concentrarem na praia de Copacabana, local que se tornou um marco carioca para manifestações bolsonaristas.

A intensificação das convocações para o ato em 7 de Setembro também foi identificada em levantamento sobre grupos do WhatsApp.

Folha