Centrão tenta colocar novo governo contra parede

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Foto: Cristiano Mariz

Luiz Inácio Lula da Silva sempre soube que seu primeiro grande desafio, antes mesmo da posse, seria conseguir recursos para cumprir a promessa de manter o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) em R$ 600 e dar mais R$ 150 por criança de até 6 anos frequentando a escola. Mas lá se vão três semanas desde a vitória, e o que se vê em Brasília é uma briga de foice no escuro entre a equipe da transição e o Congresso.

O time de Lula quer tirar do teto de gastos as despesas com o Bolsa Família e outros programas sociais, que somam quase R$ 200 bilhões, de forma permanente. Os líderes do Congresso não aceitam. A cifra considerada razoável varia, mas o que mais se ouve no Parlamento é que essa “licença para gastar” não deverá passar de R$ 80 bilhões e poderá valer por apenas um ano.

Entre as razões para a resistência está o risco de um aumento descontrolado da dívida pública. Muita gente já falou, mas não custa explicar de novo: quando a dívida de um país cresce, o risco de calote aumenta, e o governo é obrigado a pagar juros mais altos para continuar se financiando. Mais juros levam a mais inflação, e quem mais sofre são os mais pobres.

O outro motivo para frear a pretensão de Lula, porém, nada tem a ver com a economia. É estritamente político e fácil de resumir. Se o Congresso der ao presidente eleito o que ele mais quer antes mesmo de o governo começar, o que sobrará para negociar depois?

Lula sabe como a banda toca. Mesmo assim, antes das eleições, dizia que acabaria com as emendas de relator, batizadas de orçamento secreto pela falta de transparência sobre os donos do dinheiro e os critérios para sua aplicação. Seus assessores mais próximos ainda apostavam que seria fácil montar uma ampla base de apoio no Congresso.

Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) calculavam que poderiam chegar a 300 deputados e 51 senadores, o que garantiria maioria folgada nas duas casas. A fórmula incluía o lançamento de uma candidatura alternativa a Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara, de preferência de um partido do Centrão — como o União Brasil.

Previa ainda que Lula evitasse pedir a licença para gastar ao Congresso via Proposta de Emenda Constitucional (PEC), justamente para não ficar nas mãos de Lira e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado.

A realidade, porém, se impôs rapidamente. Em sua primeira reunião com o presidente da Câmara, Lula ouviu que, se não apresentasse a PEC, nada feito. Ah: se atacasse o orçamento secreto, também não haveria conversa. Uma ala importante do petismo convenceu o presidente eleito de que não era prudente brigar contra a reeleição de Lira, e a formação da base no Congresso foi ficando para depois.

Depois disso, Lula foi ao Egito no jatinho de um amigo empresário para receber os aplausos da comunidade internacional na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP27. Na volta, submeteu-se a uma cirurgia para retirar uma lesão na garganta. Enquanto isso, em Brasília, seu pessoal bate cabeça.

No Congresso, pelo menos três deputados, dois senadores e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin negociam os termos da PEC.

“O Wellington Dias (eleito senador pelo PT do Piauí) fala uma coisa no Senado, o Enio Verri (deputado do PT do Paraná) diz outra na Câmara, e o Alckmin toma notas no caderninho”, diz um senador envolvido na negociação. “Mas como não há um líder do governo, nem ministro da Fazenda, não sabemos quem está no comando. E Lula? Diz que vai conversar com a gente, mas até agora, nada”.

Há quem aposte que Lula está apenas usando seu velho método de deixar que os aliados briguem para depois liderar a solução. O problema é que, para ser incluído no Orçamento e começar a pagar o auxílio de R$ 600 em janeiro, o projeto precisa ser aprovado na Câmara e no Senado até o dia 17. Quanto mais o tempo passa, mais o novo governo depende do Centrão, e mais cara fica a fatura.

Davi Alcolumbre (União-AP), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, portanto, determinará o ritmo de tramitação e as chances de sobrevivência da PEC, já avisou que quer um ministério para se mexer. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cujo partido também pleiteia dois ministérios ao menos, diz que, sem consenso, a coisa não anda.

E o orçamento secreto, que o próprio Lula já disse ter transformado Bolsonaro em “bobo da corte” e “refém do Congresso”, segue intacto. Lula pode ter todo o prestígio e habilidade política do mundo, mas o Congresso Nacional não é a COP27. Se demorar demais a entrar em campo, ele terá de seguir o roteiro de Bolsonaro e começar o mandato já comendo na mão do Centrão.

O Globo