Lula empenhará R$ 5 bi para reerguer Ciência

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Foto: Davilym Dourado/Valor

Um dos setores com maior defasagem de orçamento no atual governo federal, o da ciência e tecnologia, tem condições de “mudar de patamar” no ano que vem, afirma o ex-ministro Sérgio Rezende, ex-titular da pasta. O físico que comandou o MCTI de 2005 a 2010 liderou o grupo de trabalho do governo de transição, que entregou nesta semana ao presidente eleito Lula um relatório com suas recomendações.

No documento, o comitê pede que a pasta ganhe um maior direcionamento, escolhendo algumas áreas prioritárias, e afirmam que a PEC da Transição vai ajudar a reerguer o financiamento do setor, contando com R$ 5 bilhões fora do teto de gastos. Em entrevista ao GLOBO, Rezende detalhou o que o grupo listou no documento.

O que o grupo de transição avaliou sobre a situação de orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia para financiamento a pesquisas?

O ministério faz fomento a projetos através das suas duas principais agências: o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Existe uma despesa direta do ministério com as suas unidades de pesquisa, como o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), além de cerca de mais vinte unidades. O que aconteceu nos últimos anos é que o orçamento do ministério caiu, derrubando junto o das unidades de pesquisa.

Além disso, o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) foi fortemente contingenciado. Este é o maior fundo do ministério, mas ele não é executado diretamente pelo ministério, e sim pela Finep.

No conjunto, o orçamento do ministério caiu nos últimos anos. Comparado com 2010, o valor corrigido para a inflação de 2021, correspondeu a R$ 11,5 bilhões. Agora, em 2021, ele não passou de R$ 3 bilhões. Então, ele caiu em mais de três vezes, principalmente porque o FNDCT foi fortemente contingenciado. Em 2021 o fundo teve um orçamento entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões, mas executou menos de R$ 1 bilhão, porque grande parte ficou contingenciada.

Além do problema de recursos financeiros, o que mais foi apontado?

Nós chamamos atenção ao fato de que o MCTI não teve nos últimos anos uma estratégia de ação nem uma política de ciência e tecnologia como teve no passado. A as iniciativas ficaram, em parte, personalistas, porque o ministro da ciência e tecnologia [Marcos Pontes] era personalista. As outras iniciativas eram o que alguém sugeria ao ministério, e o ministério anunciava. Então, o MCTI ficou lançando programas sem uma estratégia articulada. Isso é um problema muito sério. Os dois problemas, então, foram a ausência de política de estratégia e a diminuição dos recursos.

Duas iniciativas articuladas durante sua gestão, as colaborações com o CERN (Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear), e o ESO (Observatório Europeu do Sul), não foram levadas adiante. As parcerias internacionais devem ser retomadas?

A cooperação internacional é muito importante para o Brasil, em vários aspectos, porque em algumas áreas o trabalho é feito com grandes equipes. Em astronomia, nós não temos no Brasil sítios com com as condições climáticas necessárias para observatórios de grande porte. Então, se nós não tivermos cooperação com o ESO ou outros centros, nós ficamos sem trabalhar em astronomia que é uma área importante da ciência. Na área de partículas elementares, que é um campo de fronteira na física, uma associação nossa ao CERN não custaria muito dinheiro, mas não foi concluída até hoje. Então isso também está nas nossas recomendações.

O MCTI deve retomar o foco em pesquisa sobre clima, que é uma área estratégica que perdeu espaço com Bolsonaro?

Isso é uma consequência deste governo, que é negacionista em tudo na ciência. Existe uma corrente negacionista para quem o aquecimento global não é provocado pela humanidade, e seria uma questão de oscilação do clima. Mas a ciência demonstra com indicadores claros que é a atividade antrópica que causa o aquecimento. A cooperação internacional na área do clima também é muito importante, e o Brasil pode se beneficiar muito enviando pesquisadores para outra regiões para fazer estudo e também atraindo pesquisadores para trabalhar aqui, na Amazônia e em outros lugares.

Muitas das recomendações que o sr. menciona dependem de articulação política no Congresso, para aprovação de verbas. Isso está sendo costurado?

O nosso subcomitê de ciência e tecnologia na transição tem 17 pessoas, e duas delas são deputados federais: o deputado Expedito Netto [PSD] e o deputado Leo de Brito [PT]. Por meio dos deputados e de assessores que atuam no Senado nós conseguimos duas coisas importantes.

A primeira foi colocar emendas no PLOA (projeto de lei orçamentária anual) de 2023 para aumentar o recurso no CNPq e mais algumas unidades. A segunda é que na PEC emergencial aprovada no Senado, e que provavelmente vai ser aprovada na Câmara nos próximos dias, tem cerca de R$ 5 bilhões de reais para ciência e tecnologia. A PEC vai permitir que esse valor não seja contado no teto de gastos, e uma boa parte dele é em recursos do FNDCT. Então, o FNDCT no ano que vem vai aumentar bastante.

E nós conseguimos nas emendas do PLOA aumentar o orçamento do CNPq em cerca de R$ 400 milhões, para as bolsas. Isso permite um reajuste já em janeiro de 40% nas bolsas, que não são reajustadas desde 2013. E ainda daria para fazer apoio a projetos com R$ 150 milhões.

Como o orçamento do MCTI como um todo deve ficar?

O orçamento total do ministério em 2022 foi de R$ 9,5 bilhões, e o que está aprovado já no projeto de lei para 2023 é R$ 14,5 bilhões. É um aumento de 50%, um aumento considerável. Esse dinheiro ainda não é suficiente para fazer tudo que a gente precisa, mas ele já marca uma posição do novo governo, que é a de de mudar de patamar o tratamento dado à ciência. Nesses R$ 14 bilhões já estão os R$ 5 bilhões da PEC emergencial, mais precisamente R$ 4.989.800.000,00. Os dois deputados que estão no nosso grupo técnico estão seguros de que isso vai passar sem problema na Câmara.

O presidente Lula já decidiu quem será o ministro e quando ele será anunciado?

Nós não sabemos quem será o ministro. O nosso papel é, na verdade, de fazer recomendações.

Nas recomendações vocês estão elencando áreas estratégicas a serem priorizadas, como a genômica, por exemplo, foi no passado?

Temos. A genômica é uma delas, e a biotecnologia também. Precisamos voltar a ter redes de pesquisas mais articuladas nessas áreas, e também nas áreas de energia e do clima.

Vocês avaliam que o ministério foi muito aparelhado? Vai haver muitas exonerações?

Quando o Ministério das Comunicações foi fundido com o da Ciência e Tecnologia, ainda no governo Temer, várias pessoas de comunicações originalmente passaram a ocupar cargos ou funções gratificadas. Depois de um ano do governo Bolsonaro, essa fusão foi desfeita, mas eu eu sei que tem algumas dezenas de funcionários das comunicações que continuaram com as funções gratificadas com cargos comissionados na ciência e tecnologia. Isso não tem justificativa. Eu não tenho uma informação detalhada, mas certamente vai haver uma mudança grande lá porque houve uma involução muito grande durante seis anos.

Vai haver revogação de muitos decretos e medidas do executivo na área de ciência e tecnologia?

Nós levantamos uma quantidade enorme de portarias que foram emitidas pelo ministério e que não se justificam. O ministério passou a fazer portarias para definir como certas comissões da comunidade científica que vão trabalhar no CNPq e na Finep deveriam trabalhar. Era uma tendência de burocratização muito grande, normatização muito grande. Estamos recomendando que, nos primeiros dias do ano, o governo passe decretos ou portarias cancelando essas outras que foram feitas.

O relatório que vocês produziram vai ser divulgado na íntegra?

Vai. Ele foi entregue segunda-feira para a equipe do da transição, ao coordenador dos grupos temáticos, Aloízio Mercadante. Eles vão preparar o pacote para o novo governo, e depois nós vamos ter condições de fazer uma divulgação. O relatório acabou ficando extenso porque, além de todas as considerações e recomendações, nós resolvemos anexar todos os documentos importantes que recebemos de entidades e outros grupos, então ficou um relatório com várias centenas de páginas.

O Globo