Oposição entope STF de ações contra Lula
Foto: Divulgação/STF
Uma das queixas mais recorrentes de parlamentares e de líderes partidários, a judicialização de temas relacionados ao Legislativo e ao Executivo aumentou nos cinco primeiros meses deste ano na comparação com o início de mandatos anteriores por iniciativa dos próprios políticos. Do papel das Forças Armadas aos critérios de divisão de comissões da Câmara, deputados, senadores e partidos recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) quase uma vez a cada dois dias para resolver conflitos.
Segundo levantamento do GLOBO, foram 69 ações apresentadas desde o inicio do ano. No mesmo período de 2019, após o ex-presidente Jair Bolsonaro tomar posse, 53 ações desse tipo tinham sido levadas à Corte, enquanto em 2015, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff, havia 59.
A análise leva em conta seis classes processuais utilizadas frequentemente por legendas e parlamentares, como Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e mandados de segurança (MS).
A motivação de partidos e parlamentares para acionar o STF varia. Inclui tentativas de evitar derrotas no Congresso, contestar medidas do governo e até mesmo investigar adversários.
Quem mais usou a estratégia neste início de ano foi o partido Novo, que faz oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A legenda apresentou nove ações. A maioria tem o governo federal como alvo: a sigla pediu a investigação de dois ministros (Flávio Dino, da Justiça, e Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e contestou medidas, como o decreto que alterou o marco do saneamento e a medida provisória que criou um imposto de exportação do petróleo bruto.
O Novo também contestou práticas do Legislativo ao questionar os critérios para participação em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). O partido, que elegeu três deputados, reivindica o direito de ter ao menos uma vaga de “rodízio”, reservada aos partidos menores. O entendimento dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), contudo, é que legendas que não atingiram a chamada cláusula de barreira — regra que prevê um percentual mínimo de votos nas eleições — não têm esse direito.
Secretária de assuntos jurídicos do Novo, Carolina Sponza afirma que as ações ao STF são uma estratégia do partido, mas são apresentadas apenas quando há flagrante desrespeito às leis.
— Não temos a intenção de ser um partido histérico. O que estamos fazendo são petições muito bem embasadas. Não são ações do tipo: “entra aí e reclama, só para dar mídia” — diz. — É uma estratégia, mas não é vazia. Vamos entrar quando o desrespeito à segurança jurídica, à legislação brasileira, é flagrante. Simplesmente coisas que não concordamos, por visão política, mas que não existe argumento jurídico forte, não vamos judicializar.
No início do governo Bolsonaro a oposição também foi quem mais acionou o STF: a Rede Sustentabilidade foi recordista, com 10 ações, quase todas contestando atos do Executivo.
Já em 2015, no segundo mandato de Dilma, o Solidariedade foi quem liderou os processos, com 11, mas a maioria deles era relacionada a leis estaduais.
Mas as ações apresentadas ao STF não se restringem a partidos da oposição. O PV, partido da base aliada e que faz parte da federação do PT no Congresso, é o segundo que mais acionou a Corte neste ano. Uma das ações, bem sucedida, foi a que acabou com presunção de “boa-fé” no mercado do ouro, que constava em uma lei de 2013.
O presidente do partido, José Luiz Penna, afirma que as ações são uma forma de contornar dificuldades no Congresso Nacional e na própria sociedade. Diz ainda que, antes de criticar a judicialização da política, é necessário defender a melhora do Legislativo.
— Já que não conseguimos pautar algumas questões nas casas de ideias, estamos indo para o Judiciário — explica Penna. — Achamos meio descabida a judicialização da política, mas temos que dizer que precisamos melhorar o Legislativo.
Entre os parlamentares, a maioria das ações está relacionada a pedidos de abertura de investigação sobre colegas de Congresso, ministros ou até contra o presidente Lula. Boa parte delas tem como motivação os atos golpistas de 8 de janeiro, o que ajuda a explicar a alta neste ano.
A prática de pedir a abertura de investigações diretamente ao STF encontra, contudo, resistências no Ministério Público Federal. No mês passado, em resposta a uma notícia-crime apresentada pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) contra o ministro Juscelino Filho (Comunicações), a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araujo, afirmou que esse tipo de procedimento deveria ser enviado diretamente ao Ministério Público.
Lindôra ressaltou, contudo, que muitos peticionam no Supremo com “possíveis intenções midiáticas”.
No mês passado, o ministro Luiz Fux também criticou a “judicialização” feita por parlamentares:
— Em primeiro lugar, o Parlamento deve assumir o custo social. O que não pode haver é essa judicialização que tem havido. Tudo eles vão ao Supremo Tribunal Federal porque não querem pagar o custo social de uma deliberação que não agrade o povo — disse o ministro.
Para o professor Juliano Zaiden Benvindo, da Faculdade de Direito da UnB, há uma “litigância estratégica da política”.
— É um movimento estratégico da política você usar as cortes constitucionais — afirma. — Mas não é um erro. Acho que o partido tem que fazer isso também.
Benvindo ressalta que Congresso e STF não devem ser vistos como polos opostos, e que há uma espécie de negociação entre eles.
— Mapeamos a ideia do Congresso de um lado e do Supremo do outro. Tendemos a imaginar que é quase um dualismo. Só que quando olhamos concretamente, a relação é quase simbiótica.