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PRONUNCIAMENTO DO MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO

NA ABERTURA DA SESSÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DE

9.09.2021

I. INTRODUÇÃO

1. A propósito dos eventos e pronunciamentos do último dia 7 de setembro,

o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, já se manifestou com

relação aos ataques àquele Tribunal, seus Ministros e às instituições, com o vigor que se

impunha.

2. A mim, como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral cabe apenas

rebater o que se disse de inverídico em relação à Justiça Eleitoral. Faço isso em nome

dos milhares de juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo – não o da

retórica de palanque, mas o do trabalho duro e dedicado –, e que não devem ficar

indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira.

3. Já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir

falsidades, para que não sejamos dominados pela pós-verdade, pelos fatos alternativos,

para que a repetição da mentira não crie a impressão de que ela se tornou verdade. É

muito triste o ponto a que chegamos.

 Antes de responder objetivamente a tudo o que precisa ser respondido,

faço uma breve reflexão sobre o mundo em que estamos vivendo e as provações pelas

quais têm passado as democracias contemporâneas. É preciso entender o que está

acontecendo para resistir adequadamente.

II. A RECESSÃO DEMOCRÁTICA NO MUNDO

1. A democracia vive um momento delicado em diferentes partes do mundo,

em um processo que tem sido batizado como recessão democrática, retrocesso

democrático, constitucionalismo abusivo, democracias iliberais ou legalismo

autocrático. Os exemplos foram se acumulando ao longo dos anos: Hungria, Polônia,

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Turquia, Rússia, Geórgia, Ucrânia, Filipinas, Venezuela, Nicarágua e El Salvador, entre

outros. É nesse clube que muitos gostariam que nós entrássemos.

2. Em todos esses casos, a erosão da democracia não se deu por golpe de

Estado, sob as armas de algum general e seus comandados. Nos exemplos acima, o

processo de subversão democrática se deu pelas mãos de presidentes e primeiros- ministros devidamente eleitos pelo voto popular. Em seguida, paulatinamente, vêm as

medidas que desconstroem os pilares da democracia e pavimentam o caminho para o

autoritarismo.

III. TRÊS FENÔMENOS DISTINTOS

1. Há três fenômenos distintos em curso em países diversos: a) o populismo;

b) o extremismo e c) o autoritarismo. Eles não se confundem entre si, mas quando se

manifestam simultaneamente – o que tem sido frequente – trazem graves problemas para

a democracia.

2. O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as

necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment,

diferentes “de tudo o que está aí” e prometendo soluções simples e erradas, que

frequentemente cobram um preço alto no futuro.

3. Quando o fracasso inevitável bate à porta – porque esse é o destino do

populismo –, é preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de

arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, a imprensa ou os

tribunais.

4. As estratégias mais comuns são conhecidas:

a) uso das mídias sociais, estabelecendo uma comunicação direta com as massas,

para procurar inflamá-las;

b) a desvalorização ou cooptação das instituições de mediação da vontade

popular, como o Legislativo, a imprensa e as entidades da sociedade civil; e

c) ataque às supremas cortes, que têm o papel de, em nome da Constituição,

limitar e controlar o poder.

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5. O extremismo se manifesta pela intolerância, agressividade e ataque a

instituições e pessoas. É a não aceitação do outro, o esforço para desqualificar ou destruir

os que pensam diferente. Cultiva-se o conflito do nós contra eles. O extremismo tem se

valido de campanhas de ódio, desinformação, meias verdades e teorias conspiratórias,

que visam enfraquecer os fundamentos da democracia representativa. Manifestação

emblemática dessa disfunção foi a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, após a

derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais. Por aqui, não faltou quem pregasse

invadir o Congresso e o Supremo.

6. O autoritarismo, por sua vez, é um fenômeno que sempre assombrou

diferentes continentes – América Latina, Ásia, África e mesmo partes da Europa –,

sendo permanente tentação daqueles que chegam ao poder.

7. Em democracias recentes, parte das novas gerações já não tem na memória

o registro dos desmandos das ditaduras, com seu cortejo de intolerância, violência e

perseguições. Por isso mesmo, são presas mais fáceis dos discursos autoritários.

8. Uma das estratégias do autoritarismo, dos que anseiam a ditadura, é criar

um ambiente de mentiras, no qual as pessoas já não divergem apenas quanto às suas

opiniões, mas também quanto aos próprios fatos. Pós-verdade e fatos alternativos são

palavras que ingressaram no vocabulário contemporâneo e identificam essa distopia em

que muitos países estão vivendo.

9. Uma das manifestações do autoritarismo pelo mundo afora é a tentativa de

desacreditar o processo eleitoral para, em caso de derrota, poder alegar fraude e

deslegitimar o vencedor.

10. Visto o cenário mundial, falo brevemente sobre o Brasil e os ataques

sofridos pela Justiça Eleitoral.

IV. REFERÊNCIAS AO TSE E AO PROCESSO ELEITORAL

1. No tom, com o vocabulário e a sintaxe que é capaz de manejar, o

Presidente da República fez os seguintes comentários que dizem respeito à Justiça

Eleitoral e que passo a responder.

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I. “A alma da democracia é o voto”.

1. De fato, o voto é elemento essencial da democracia representativa.

2. Outro elemento igualmente fundamental é o debate público permanente e

de qualidade, que permite que todos os cidadãos recebam informações corretas, formem

sua opinião e apresentem seus argumentos.

3. Quando esse debate é contaminado por discursos de ódio, campanhas de

desinformação e teorias conspiratórias infundadas, a democracia é aviltada.

 O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser:

“Conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará”.

II. “Não podemos admitir um sistema eleitoral que não fornece qualquer

segurança”

1. As urnas eletrônicas brasileiras são totalmente seguras. Em primeiro lugar,

elas não entram em rede e não são passíveis de acesso remoto. Podem tentar invadir os

computadores do TSE (e obter alguns dados cadastrais irrelevantes), podem fazer

ataques de negação de serviço aos nossos sistemas, nada disso é capaz de comprometer

o resultado da eleição. A própria urna é que imprime os resultados e os divulga.

2. Os programas que processam as eleições têm o seu código fonte aberto à

inspeção de todos os partidos, da Polícia Federal, do Ministério Público e da OAB um

ano antes das eleições. Estará à disposição dessas entidades a partir de 4 de outubro

próximo. Inúmeros observadores internacionais examinaram o sistema com seus

técnicos e atestaram a sua integridade.

3. Ainda hoje, daqui a pouco, anunciarei os integrantes da Comissão de

Transparência das Eleições, que vão acompanhar cada passo do processo eleitoral.

Nunca se documentou qualquer episódio de fraude.

 O sistema é certamente inseguro para quem acha que o único resultado

possível é a própria vitória. Como já disse antes, para maus perdedores não há remédio

na farmacologia jurídica.

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III. “Nós queremos eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem

pública de votos”

1. As eleições brasileiras são totalmente limpas, democráticas e auditáveis.

Eu não vou repetir uma vez mais que nunca se documentou fraude, que por esse sistema

foram eleitos FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro e que há 10 (dez) camadas de auditoria no

sistema.

2. Agora: contagem pública manual de votos é como abandonar o

computador e regredir, não à máquina de escrever, mas à caneta tinteiro. Seria um

retorno ao tempo da fraude e da manipulação. Se tentam invadir o Congresso Nacional

e o Supremo Tribunal Federal, imagine-se o que não fariam com as seções eleitorais!

3. As eleições brasileiras são limpas, democráticas e auditáveis. Nessa vida,

porém, o que existe está nos olhos do que vê.

IV. “Não podemos ter eleições onde (sic) pairem dúvidas sobre os eleitores”

1. Depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas

eletrônicas, por parte de ninguém menos do que o Presidente da República, uma minoria

de eleitores passou a ter dúvida sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada

artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de

circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão.

V. “Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada pelo presidente do

Tribunal Superior Eleitoral”

1. O Presidente da República repetiu, incessantemente, que teria havido

fraude na eleição na qual se elegeu. Disse eu, então, à época, que ele tinha o dever moral

de apresentar as provas. Não apresentou.

2. Continuou a repetir a acusação falsa e prometeu apresentar as provas.

Após uma live que deverá figurar em qualquer futura antologia de eventos bizarros, foi

intimado pelo TSE para cumprir o dever jurídico de apresentar as provas, se as tivesse.

Não apresentou.

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3. É tudo retórica vazia. Hoje em dia, salvo os fanáticos (que são cegos pelo

radicalismo) e os mercenários (que são cegos pela monetização da mentira), todas as

pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história.

VI. “Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse

processo é seguro e confiável”.

1. Não sou eu que digo isso. Todos os ex-Presidentes do TSE no pós-88 – 15

Ministros e ex-Ministros do STF – atestam isso. Mas, na verdade, quem decidiu que não

haveria voto impresso foi o Congresso Nacional, não foi o TSE.

2. A esse propósito, eu compareci à Câmara dos Deputados após três

convites: da autora da proposta, do Presidente da Comissão Especial e um convite

pessoal do Presidente daquela Casa. Não fiz ativismo legislativo. Fui insistentemente

convidado.

3. Lá expus as razões do TSE. Não tenho verbas, não tenho tropas, não troco

votos. Só trabalho com a verdade e a boa fé. São forças poderosas. São as grandes forças

do universo. A verdade realmente liberta. Mas só àqueles que a praticam.

4. Foi o Congresso Nacional – não o TSE – que recusou o voto impresso. E

fez muito bem. O Presidente da Câmara afirmou que após a votação da Proposta, o

assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente do Senado afirmou que após

a votação da Proposta, o assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente da

República, como ontem lembrou o Presidente da Câmara, afirmou que após a votação

da proposta o assunto estaria encerrado. Não cumpriu a palavra.

5. Seja como for, é uma covardia atacar a Justiça Eleitoral por falta de

coragem de atacar o Congresso Nacional, que é quem decide a matéria.

VII. CONCLUSÃO

1. Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma

derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca

Brasil sofre, nesse momento, uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e

de desprezo mundial.

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2. Um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a

queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que o desmatamento

da Amazônia, do que o número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e

de investimentos. Mas, pior que tudo, nos diminui perante nós mesmos. Não podemos

permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral

que estamos vivendo.

3. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que

nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que

compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem

pretenda destruí-la.

 Com a bênção de Deus – o Deus do bem, do amor e do respeito ao próximo

– e a proteção das instituições, um Presidente eleito democraticamente pelo voto popular

tomará posse no dia 1o de janeiro de 2023.