Bolsonaro de Regina são exaltados pelos… “Trapalhões”

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Foto: Reprodução

O ex-Trapalhões Dedé Santana, 83, conheceu Jair Bolsonaro muito antes do encontro que teve com o presidente, em janeiro, para defender os interesses do circo. Era para ser um encontro de artistas —mas ele acabou incluído no grupo de sertanejos que tinha também uma agenda com o presidente.

“O Paulo Cintura que me apresentou o Bolsonaro”, diz o humorista nascido em Niterói (RJ), citando o ator eternizado na “Escolinha do Professor Raimundo” pelos seus bordões “issa!” e “saúde é o que interessa, o resto não tem pressa!”.

“Sou muito amigo do Cintura, e o Cintura é muito amigo do Bolsonaro. Eles andam juntos o tempo inteiro. Vão à praia, à feira, ele faz ginástica com o Bolsonaro. E fui vizinho do Bolsonaro [no condomínio em que ele tem casa até hoje, no Rio de Janeiro].”

“Naquela época, ele [Cintura] me apresentou: ‘Esse é o capitão, um cara legal’. Ele não era candidato”, lembra. “Fui visitá-lo depois da facada. O pessoal diz que é mentira, mas vi que era verdade. Ele [Bolsonaro] me recebeu com as honras da casa. Pôs cafezinho, cortou bolo. Estava todo enfaixado. Falou: ‘Dedé, desculpa, mas não posso te abraçar’.”

“Ele [o presidente] é muito legal. Fui várias vezes à casa dele. Ele conversa assim: ‘Porra, Dedé, caralho, bicho, tô fodido aqui’. É um cara, assim, povão mesmo”, relata o ator.

 

Mas fazia tempo que Dedé não via “o capitão”, até que outro amigo do humorista, “o Thiago, que trabalha lá no governo”, o chamou para o evento com artistas em Brasília. “Pensei: ‘É a oportunidade. Vou falar o que preciso sobre o circo.”

“Aí veio um cara [presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos] e falou que era contra a meia-entrada. Achei um absurdo. Vou fazer 84 anos, pago meia! Fiquei puto [risos]! Aí o que a imprensa fez? Me atacou injustamente. Falou que o Dedé apoia a extinção da meia-entrada. Porra, não falei nada. Eu só estava vendo, e não concordando”, relata.

“Aliás, nenhum dos sertanejos [no encontro] estava apoiando o fim do meio-ingresso. Foi só aquele cara, falando asneira assim na frente de um presidente, pô.”

No fim das contas, Dedé não conseguiu falar de circo com Bolsonaro. Mas foi tietado por autoridades como o ministro Sergio Moro. “Ele pediu pra tirar uma foto comigo. Eu virei meio boi de piranha lá [no encontro], porque os sertanejos todos vieram tirar foto comigo, mais alguns políticos. Era uma roda em volta do presidente e outra em volta de mim [risos].”

“Aí eu entrei no avião em Brasília pra vir embora e dei de cara com o Paulo Guedes”, conta. “Eu sou fã do Paulo Guedes. De carteirinha”, emenda. “Ele disse que gostava muito do meu trabalho. Eu falei: ‘Pô, que legal. Hoje completei uma missão, que foi te conhecer’.”

“Gosto do Guedes. Gosto do Moro. E gosto do Bolsonaro, pronto [risos]. Gosto dele. Até me provarem o contrário, né?”, afirma o ator. “Um amigo falou: ‘Pô, você foi no encontro [com o Bolsonaro], é capaz de você estar na peça e um petista ir lá e te vaiar’. Paciência. Quer vaiar, vaia. Graças a Deus nunca aconteceu.”

 

Dedé recebeu a coluna no sábado (1º), em um hotel no centro de São Paulo horas antes da sessão da peça “Palhaços”, que apresentou até domingo (2). Eram 15h30 quando ele sacou o celular para mostrar mensagens que recebeu em um grupo de WhatsApp chamado Circos do Rio de Janeiro. Leu uma delas: “Alguém conseguiu contribuir com o circo das anãs? Vale qualquer valor, cesta básica, um botijão de gás”.

“Você vê: pô, a anãzinha lá perdeu o circo dela com esse temporal [em Minas Gerais]. Tá passando fome”, diz.

Batizado Manfried Sant’Anna, Dedé conta que estreou no palco aos três meses de idade, “no colo da minha mãe”, que era contorcionista, na peça “A Cabana do Pai Tomás”. “Ela era afro. Meu pai [que era palhaço] era brancão, olho verde. Ela fazia uma escrava que era vendida, e aí tiravam o filho dela. Tinha um boneco [pra usar em cena], mas meu pai falou: ‘Pega o Dedé mesmo’. Aí ela me levou no colo. A coincidência é que eu chorei na hora certa, e o público ficou emocionado”, lembra. “Com sete anos, eu já era palhaço.”

 

Mas foi com Renato Aragão, Antônio Carlos Bernardes Gomes e Mauro Faccio Gonçalves, respectivamente Didi, Mussum e Zacarias, que ele se tornou conhecido. “Quem levou o Mussum para Os Trapalhões fui eu. Sabe quem me apresentou o Mussum? O Jair Rodrigues”, lembra Dedé, o “escada” do quarteto —ator que serve de apoio para a piada de outro.

“O ator escada nos Estados Unidos é o primeiro lugar. Por exemplo: é Dean Martin e Jerry Lewis. É o Gordo e o Magro. Porque eles valorizam muito lá o cara que prepara a piada. Mais que o próprio comediante. Aqui é o contrário. O comediante está em primeiro lugar, e o escada vem depois”, diz ele.

Mas Dedé afirma nunca ter se incomodado em ocupar essa posição. “Quando nós começamos, eu e o Renato, os dois éramos os comediantes. Era Dedé e Didi —pela ordem alfabética mesmo”, lembra.

“Aí um dia eu falei: ‘A gente não tem quem prepara a piada. Isso não dá certo. Eu vou ser o escada’. Ele disse: ‘Mas, pô, isso vai te prejudicar’. Falei: ‘Não, o que interessa é a dupla ir pra frente. Vamos lutar pela dupla’. Ele: ‘Mas por que você acha que tem que ser o escada?’ Eu: ‘Porque você é mais engraçado do que eu’. Aí eu passei a ser o escada.”

“Quando nós reunimos o grupo, eu falei: ‘Vamos trabalhar para o Renato. Ele é o cara’. Foi combinado isso antes. Ele é muito inteligente, não é brincadeira. Eu era o trabalhador braçal que conseguia executar as coisas. Mas ele era a cabeça.”

Dedé se converteu evangélico nos anos 1990, quando passou a frequentar a igreja Assembleia de Deus, da qual foi fiel por 15 anos antes de aderir à Igreja Quadrangular —hoje ele vai à Nova Igreja.

“Foi uma coisa que endireitou a minha vida. Eu era muito mulherengo. Depois que fui pra Assembleia, me casei direitinho. Tô com a mesma mulher há 30 e poucos anos”, diz ele, que vive com Christiane Bublitz, “a primeira rainha da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul [RS]”. “Sou ‘paiaço’, mas não sou burro: peguei logo uma rainha [risos]”, diz o pai de nove filhos de diferentes matrimônios —na década de 1950, um filho do humorista morreu de leucemia.

Dedé não assistiu ao especial de Natal do grupo humorístico Porta dos Fundos que retrata Jesus como gay e foi censurado pela Justiça do Rio. Mas acha desnecessário fazer piada com religião. “Vai mexer com Jesus, Deus e essas coisas? Apesar que também acho que Deus não está se incomodando com isso. Acho que não tem necessidade. Sei lá”, diz.

Mas, para ele, o politicamente correto “amordaçou os comediantes”. “A gente brincava com bicha, mas não era pra sacanear. Era brincadeira. Hoje não pode. Como vou falar ‘um negão’? Não dá. Hoje tem que falar afrodescendente. Pra pedir um doce eu me policio. ‘Me dá uma nega maluca’. Porra, [se eu disser isso] tô em cana. Tem que falar: ‘Me dá uma afrodescendente desmiolada!’ [risos]”

 

“Lembro de uma vez em que o Mussum encheu o camarim [do Didi] de rapadura [Renato Aragão é cearense]. Na outra semana, o Renato botou um monte de banana [no camarim do Mussum]! Essa brincadeira existia entre a gente. E hoje você não pode falar nada, né? Amordaçou.”

“A censura hoje está pior do que no tempo que tinha censura. Tem palhaço de circo sendo chamado na delegacia porque fez uma brincadeira, jogou água na plateia. Acredita?”

O humorista diz ser muito amigo de Regina Duarte, nomeada para a Secretaria Especial da Cultura do governo federal. “Acho que ela vai arrumar muita briga com isso, muita dor de cabeça. Só de levantar a bandeira do Bolsonaro ela arrumou 500 inimigos no meio. O próprio Zé de Abreu está malhando ela.”

“A gente tem que respeitar [Regina]. Ela é o mito da TV. Pra mim, o Pelé da televisão chama-se Regina Duarte. Ela foi namoradinha do Brasil não é à toa. Ela começou essa merda tudo em preto e branco, ralando. Pô, tem que valorizar”, diz.

“Até o Dedé é desrespeitado. O quanto você acha que eu e o Renato trabalhamos desde o começo? Foi uma luta”, diz. “Nós ensinamos crianças a ver filme nacional. Eram filas enormes pra ver filmes dos Trapalhões. É como você dar um livro para a criança, acostumá-la.”

“Fui diretor, produtor, contra-regra —nós já fizemos de tudo. Não acha que devem ter um respeito com a gente? Porra! Vai dar [homenagem] na hora que eu morrer?”

Horas depois da entrevista, Dedé enviou à reportagem uma lista de demandas em benefício do circo que ele quer apresentar ao presidente —ainda não há uma nova reunião agendada. Entre elas estão um alvará único para que grupos possam se apresentar em diferentes cidades, isenção para a importação de lonas e trailers e o uso do vale-cultura em espetáculos circenses.

“Eu luto muito pelo circo, não quero ele agonizando. É o meio mais popular de cultura do país, e o mais barato que tem. É a mãe de todas as artes, mas ninguém dá apoio”, diz. “É isso que eu quero falar pra ele [Bolsonaro]. E eu sei que ele vai me atender. Tenho certeza.”

Redação com Folha