Brasileiro prefere enfrentar coronavírus na China que violência no Brasil
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Há vários dias, Rodrigo Duarte não tem contato com mais ninguém além de sua namorada, com quem está confinado no apartamento onde moram em Wuhan, na China, por causa do surto do novo coronavírus.
Desde 31 de dezembro, quando o país notificou à Organização Mundial da Saúde (OMS) que um vírus até então desconhecido estava se espalhando, foram registrados 73 mil casos em 26 países – nenhum deles na América Latina, com um total de 1.874 mortes, a grande maioria, na província de Hubei, onde fica Wuhan.
No final de janeiro, toda a cidade de Wuhan, que é considerada epicentro do surto, foi colocada em quarentena pelo governo chinês na tentativa de conter a disseminação do Covid-19, como foi batizado oficialmente o novo coronavírus.
Desde então, Rodrigo só vê outras pessoas pela janela de casa — normalmente, elas também estão em seus apartamentos, esperando a epidemia passar. “A cidade está deserta. Só os profissionais de segurança e de saúde circulam pelas ruas”, diz o brasileiro de 28 anos.
Rodrigo vive em Wuhan desde 2016. Ele era professor de judô em Natal, no Rio Grande do Norte, e soube por dois alunos que havia poucos lugares que ensinavam esta arte marcial em uma cidade de 11 milhões de habitantes.
Depois de passar um mês conhecendo Wuhan, em 2015, ele gostou do que viu. Mudou-se para lá no ano seguinte e abriu uma academia.
Ele conta que as primeiras informações sobre o novo vírus chegaram quando a cidade estava em clima de festa, na semana entre o Natal e o Ano Novo.
Rodrigo se recorda de estar dirigindo quando Rosie, com quem ele namora, viu a notícia pelo celular. Ela se lembrou da epidemia da Síndrome Respiratória Grave (Sars, na sigla em inglês), que também começou na China e afetou quase 8,1 mil pessoas em 29 países entre 2002 e 2003, causando a morte de mais de 800 pessoas. “Meu Deus, será que vai ser a mesma coisa?”, Rosie comentou na hora.
O casal decidiu se prevenir e comprou “muitas máscaras e tudo que é tipo de álcool”. “A vida continuou normal. Não havia pânico nem alarde. A gente usava máscara quando saía, mas nem metade das pessoas fazia isso. Ninguém sabia que seria algo em grande escala e tomaria essa proporção”, conta ele.
Mas o número de casos confirmados começou a crescer rapidamente, e o governo chinês tomou medidas cada vez mais restritivas até anunciar a quarentena de Wuhan. “Não posso falar que foi algo tranquilo, mas foi algo progressivo, passo a passo”, diz Rodrigo.
Nesta época, diante da incerteza de como seria viver na cidade dali em diante, estrangeiros que moram em Wuhan entraram em contato com suas embaixadas para voltar aos seus países e aguardar por lá até que a situação na China melhorasse.
Em 9 de feveireiro, 34 cidadãos brasileiros que estavam na cidade foram trazidos de volta e, agora, estão em quarentena em uma base militar em Anápolis, em Goiás.
Mas Rodrigo preferiu permanecer. Pesou na sua decisão o fato de já estar estabelecido na cidade e ter se preparado para ficar isolado em casa por um longo tempo.
“Minha namorada é de Wuhan e me ajudou a entender o que estava acontecendo, a não entrar em pânico e a resolver o que era necessário para conseguir ficar. Pensei no que já havia investido para isso e nos custos financeiros de ficar um tempo no Brasil e depois voltar para a China. Não estou em um bom momento financeiramente, então, é importante ter mais controle”, diz ele.
O brasileiro conta também ter levado em consideração a dimensão do surto, em comparação com, por exemplo, a pandemia de gripe suína de 2009, que infectou dezenas de milhões de pessoas no mundo e matou mais de 200 mil.
Até o momento, 1.874 pessoas morreram por causa do Covid-19, das quais a grande maioria na China continental. Apenas 5 mortes foram registradas fora do território chinês (uma morte na França, uma no Japão, uma em Taiwan, uma nas Filipinas e uma em Hong Kong), de acordo com dados da OMS.
Isso indica que o vírus tem uma taxa de letalidade de 2,4%, bem abaixo dos índices de 10% entre os 8,1 mil infectados no surto de Sars e de 35% entre os quase 2,5 mil infectados na epidemia da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), em 2012 — ambas causadas por outros tipos de coronavírus.
Desde meados de janeiro, a OMS trata o surto do Covid-19 como a uma situação de emergência de saúde, decisão tomada por haver uma preocupação com a ocorrência de casos de transmissão entre pessoas fora da China e com o impacto que o vírus poderia ter em países em sistemas de saúde mais frágeis.
“Em termos de números, esse vírus não é tão alarmante”, opina Rodrigo. “Acho que existe um sensacionalismo que faz com que esta situação pareça ser maior do que realmente é. Coisas piores já aconteceram no mundo e não causaram tanto alarde. Se você parar para pensar, tem mais mortes por assassinatos no Brasil em um mês do que mortes pelo coronavírus no mundo inteiro.”
Ele não sente estar correndo um risco ao permanecer em Wuhan, junto com uma dezena de outros brasileiros que fizeram o mesmo. “Basta ter paciência, cooperar com as ações do governo e ficar em casa para se manter a salvo.”
Ele conta que às vezes acabam alimentos perecíveis, como frutas, legumes e verduras. “Mas não é um problema, porque, antes da quarentena, dava para ir ao supermercado comprar e, agora, os serviços de entrega voltaram a fucionar e ficou mais fácil comprar.”
O potiguar diz que tenta manter uma atitude positiva e aproveitar o tempo em casa para pensar em novos projetos e aprender mais sobre a cultura chinesa e mandarim.
“Minha vida é bem corrida normalmente, então, ficar em casa é um privilégio. Eu me distraio assistindo filmes, cozinhando, jogando vídeo game. Parece um feriado prolongado”, diz Rodrigo.
Ele diz estar confiante de que as medidas tomadas pelo governo chinês surtirão efeito. Sua expectativa é que, quando o frio passar, por volta de março ou abril, o vírus desapareça, mas diz que “ainda não dá para ter certeza” se isso realmente vai acontecer e de como será a vida em Wuhan após a epidemia.
“Com certeza, vai ser diferente daqui em diante, mas vamos superar. A história mostra que, sempre que os chineses passam por uma crise, eles ficam mais fortes. O mesmo vai acontecer em Wuhan.”