Disputa entre PF e MP enfraquece Lava Jato
Foto: Nelson Antoine/Folhapress
Às vésperas de completar seis anos de existência, a Lava-Jato vive um novo ritmo, resultado de mudanças na legislação, da troca de servidores que atuam nos casos nas diversas esferas do Judiciário, e de disputas internas e externas à operação que protagonizou o debate político no Brasil nos últimos anos. Apesar de ter feito mais operações de rua do que em 2017 e 2018, a Lava-Jato em Curitiba fechou o ano passado com seu menor número de prisões desde seu início, em 2014.
Com atuação ramificada pelo país, a iniciativa anticorrupção também sente os reflexos da falta de sintonia entre alguns de seus principais protagonistas — a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) — que disputam o direito de fechar acordos com réus que desejam ser colaboradores.
Em 2019, a Justiça Federal em Curitiba determinou o cumprimento de 16 mandados de prisão preventiva ou temporária. Em 2018, foram 48. No ano anterior (2017), que até então tinha registrado o menor número, foram 26.
Não há uma explicação única para a queda das prisões. Advogados da área criminal, com experiência na Lava-Jato, afirmam que os desgastes vividos pela operação após o vazamento de mensagens entre juiz e procuradores colocaram algumas amarras na atuação de quem hoje está à frente da tomada de decisões. Outra razão é a mudança no perfil de servidores que atuavam nos casos, tanto na Polícia Federal quanto no Judiciário Federal paranaense.
Desde que foi deflagrada, a Lava-Jato adotou como prática a decretação de prisões preventivas por prazos longos, estratégia duramente criticada pela defesa dos réus. Para eles, as prisões sem julgamento se transformaram numa forma de pressão para que os investigados firmassem acordos de delação premiada.
No primeiro ano da operação, foram 53 prisões. Alguns réus, como o lobista Fernando Baiano, chegaram a ficar mais de um ano presos sem julgamento. Apontado como operador do MDB, Baiano foi detido em novembro de 2014, fechou delação em setembro de 2015 e deixou a cadeia três meses depois.
As prisões tendem a ficar ainda mais restritas, já que alterações recentes nas leis dificultaram a decretação desse tipo de medida. Desde janeiro, a nova lei de abuso de autoridade passou a prever punição a quem, “dentro do prazo razoável”, deixar de relaxar a prisão, abrindo brecha para que o instrumento seja contestado.
O pacote anticrime, proposto pelo ministro Sergio Moro, mas alterado no Congresso Nacional, também trouxe novas regras a esta seara. O texto, em vigor desde 23 de janeiro, prevê que prisões preventivas só podem ser decretadas quando for comprovada a existência concreta de “fatos novos ou contemporâneos” à investigação. É um elemento particularmente prejudicial para a Lava-Jato, já que a operação investiga crimes cometidos, em sua maioria, até 2014.
— Temos um cenário em que nós não fazemos mais pedidos de prisão preventiva, o que agilizaria os processos, porque os fatos investigados são um pouco mais antigos. Não estou dizendo que seja uma perda completa. Mas existe uma deterioração, uma queda parcial. É uma queda que é significativa, sim — disse o procurador Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa em Curitiba.
Reservadamente, procuradores afirmam que a decisão do juiz Marcelo Bretas, da Lava-Jato do Rio, de prender o ex-presidente Michel Temer, em março de 2019, contribuiu para a mudança de entendimento das cortes superiores sobre as prisões.
Temer ficou na cadeia cinco dias, até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou relaxar a prisão sob o argumento de que ele não causava risco à ordem pública ou de obstrução à Justiça, os requisitos legais necessários para levar alguém sem condenação à cadeia. A ação dos policiais, que perseguiram o carro do ex-presidente e o prenderam no meio da rua, também foi criticada por advogados.
— O ano foi marcado por uma série de incursões contra o sistema Lava-Jato. Demonstrou-se a aproximação indevida entre o Ministério Público e magistratura (com a divulgação de conversas entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Dallagnol pelo site The Intercept), um excesso de punitivismo, barrado depois pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e se percebe por parte dos investigadores um maior cuidado. As operações seguem, as investigações continuam, mas com mais reflexão e menos ação — afirma o criminalista Daniel Gerber, que já defendeu acusados na operação, como o ex-ministro Eliseu Padilha, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro e o ex-deputado Marco Maia (PT-RS).
Recentemente, em pelo menos duas oportunidades a Justiça Federal de Curitiba negou pedidos de prisão feitos pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público Federal. O último foi em novembro, quando Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho mais velho do ex-presidente Lula, foi alvo de operação que investiga repasses da Oi/Telemar para empresas controladas por ele. A PF queria a prisão temporária do filho do ex-presidente e de seus sócios. Os pedidos, no entanto, foram negados pela juíza Gabriela Hardt. Ela é substituta do juiz Luiz Antônio Bonat, sucessor de Moro à frente da Lava-Jato no Paraná.
Desde que Bonat assumiu os processos da operação, há quase um ano, houve mudança no ritmo dos trabalhos. Ele só assinou sua primeira sentença na Lava-Jato na última quarta-feira. Antes de chegar à 13ª Vara Criminal, Bonat cuidava de processos previdenciários e, por isso, teve que reexaminar ações que já tramitavam há tempos no Paraná.
A mudança no perfil de delegados que atuavam na Lava-Jato em Curitiba durante o governo Temer e a falta de priorização nas investigações da área também explicam a alteração no status da operação. Os conflitos entre PF e MPF se intensificaram mesmo depois de o STF, em tese, pacificar a disputa pelo direito a fechar acordos de colaboração, decidindo, no meio de 2018, pelo direito de delegados também fecharem acordos.
Entre réus da operação anticorrupção dispostos a colaborar, a tentativa de acordo com procuradores federais ainda é prioridade, na medida em que podem obter garantias de redução de pena e definição de multa. Mas, quando o plano não funciona, buscar a PF tem sido a saída, que procuradores do MPF consideram ser pela “porta dos fundos”.
Procuradores têm reclamado reservadamente que delegados estão atravessando investigações e estratégias do Ministério Público, trazendo prejuízo para investigações. A dificuldade de relacionamento entre as instituições no Rio, por exemplo, se agravou depois que o STF decidiu homologar a colaboração premiada do ex-governador Sérgio Cabral. Mesmo que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, tenha explicitado a impossibilidade de redução das penas já aplicadas ao ex-governador, a Procuradoria-Geral da República (PGR) mantém a contestação ao acordo, por entender que não foram apresentadas provas suficientes para investigações.
Até agora, conseguiram fechar acordos via PF o operador mineiro Marcos Valério, Antonio Palocci, Sérgio Cabral, o executivo José Antunes Sobrinho e o marqueteiro Duda Mendonça. O ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, tentou fechar um acordo em Curitiba, mas não conseguiu. Segundo o colunista Lauro Jardim, Myra Athayde, namorada do doleiro Dario Messer, está negociando sua delação premiada com a PF.
O gabinete de Fachin informou que desde 2018 — ano em que o STF autorizou delegados a também fecharem acordos — até 2020, foram homologados 19 acordos propostos pelo MPF, e cinco pela PF. Atualmente não há acordos pendentes de homologação, segundo o gabinete.