Ombudsman da Folha critica checagem de falas de Lula
Foto: Eduardo Knapp/Folhapress
A Folha publicou no sábado (1º) um longo material do que seria declarações falsas e distorcidas de Lula desde a sua saída da prisão, em novembro.
O texto busca fazer o que sempre foi lei no jornalismo—a checagem das informações—a partir de um método que, no Brasil, ganhou força nos últimos anos: a verificação de cada afirmação feita por personalidade pública e o seu confronto com fatos e dados.
A matéria esclarece que Lula errou ao dizer que a TV Globo não deu a denúncia do Ministério Público contra o jornalista Glenn Greenwald (o que foi feito em longa reportagem que deu voz aos envolvidos), ou quando disse que a emissora deu apenas duas matérias sobre a Vaza Jato.
Como a Globo produziu mais de uma reportagem sobre o tema, Lula teria evitado cair na checagem se tivesse optado por analisar a forma como a cobertura foi feita.
O resultado da checagem, porém, causou estranhamento em parte dos leitores que procuraram a ombudsman.
“A matéria impõe definições casuísticas, como a do que vem a ser uma cela solitária, quem é um terraplanista ou o que significa acabar com a miséria e a fome”, diz um leitor.
De fato, há alguns problemas no levantamento.
Em nome de uma pretensa objetividade, o texto empilha declarações com níveis de importância bastante variados e, em alguns momentos, desrespeita regras básicas do processo de checagem.
O “fact-checking”, como a checagem é conhecida, é uma técnica jornalística nascida na década de 1990 que ganhou relevância e virou febre com as redes sociais e a facilidade de reproduzir desinformação com cara de notícia.
Algumas regras básicas, no entanto, costumam ser seguidas no exercício de etiquetar o que é falso no discurso alheio.
A checagem leva em conta não apenas quem fala, mas a relevância do que foi dito, além do impacto da declaração.
Opiniões não são checáveis: a verificação deve se limitar a dados históricos e estatísticos.
A Lupa—uma das principais agências independentes de checagem ao lado da Aos Fatos—diz que não checa opiniões, a não ser quando contraditórias, e busca verificar o grau de veracidade de frases com dados históricos, estatísticos, comparações e que envolvam questões legais.
Partindo-se desses pontos, fica difícil entender o critério usado pela matéria para colocar sob escrutínio algumas das falas de Lula.
Por exemplo, Lula disse que o governo tem como “orientador cultural” um homem que acredita que a Terra é plana.
A Folha diz que a declaração foi distorcida porque, “apesar de Olavo de Carvalho já ter dito que não encontrou nada que refute experimentos que mostram a planicidade das superfícies aquáticas, ele não se define como terraplanista”.
Lula tem uma opinião sobre Carvalho. Este tem uma opinião sobre um dado científico (o que é preocupante). E a Folha gastou tinta para dizer que a opinião de Lula é distorcida.
O ex-presidente disse também que ficou preso numa solitária. O jornal então foi discutir o conceito técnico de uma solitária (cela de presídio onde se isola o preso, diz o Aurélio) para negar que, ao pé da letra, Lula tenha ficado num lugar com essas características.
Ele também declarou que a segunda instância da Justiça passou o processo do sítio de Atibaia na frente de outros processos. Nesse caso, a Folha preferiu fazer ponderações.
Tecnicamente, a afirmação está correta (matéria do jornal mostrou que o processo do sítio teve um período inicial de tramitação na segunda instância mais rápido do que o de 76% dos casos julgados pela mesma Turma), mas o texto aponta nuances (na prática, a tramitação envolveria outros fatores).
As regras da checagem também não recomendam juntar várias frases num mesmo pacote, o que a matéria faz. Há outros momentos da checagem que poderiam ser analisados.
Consultado, o editor de Poder da Folha, Eduardo Scolese, afirmou que “Lula disse que Olavo é terraplanista, mas o ideólogo nunca disse nem sim nem não. Portanto, declaração distorcida. Lula disse que a Globo só deu duas notícias sobre o Intercept. Errado. Portanto, declaração falsa”.
Por fim, o direito ao contraditório—pilar do jornalismo— não pode ser negligenciado.
Pela metodologia da checagem, o contato precisa ser feito antes de a matéria ser publicada e o prazo a ser dado para a resposta precisa ser razoável— o que, segundo assessores do ex-presidente, não aconteceu.
A checagem lida com a última instância da credibilidade e precisa seguir um método claro para que não alimente discursos de desconfiança ou se restrinja a abastecer o universo da chacota.
Incluir na discussão se Olavo de Carvalho é ou não um terraplanista parece aproximar a técnica da banalização. Tudo de que a imprensa não precisa num cenário em que é atacada dia sim, outro também.
Redação com Folha