Trapalhada no Enem afeta 87% nas universidades federais
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Um levantamento feito por O GLOBO em 3.353 cursos de universidades federais aponta que, em 87% deles (2.908), a nota de corte caiu na comparação entre o último dia de inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e o resultado final. A diferença indica que os dados que basearam a escolha dos alunos não eram confiáveis, o que confundiu os candidatos. O total de cursos oferecidos pelas federais é de 6.481. A amostra do GLOBO abrange 51% dos cursos.
A nota de corte é o resultado do candidato com o menor desempenho que está sendo aprovado em cada curso. Ela é atualizada diariamente no Sisu e funciona como uma base para o aluno saber se está sendo aprovado ou não.
Caso a nota do candidato seja maior que a de corte, ele permanece na lista por estar sendo aprovado. Se for menor, pode trocar de curso, turno ou universidade para uma opção que tenha a nota de corte menor. A outra alternativa é permanecer no mesmo curso e tentar uma vaga na etapa seguinte, a lista de espera.
Neste ano, porém, uma mudança que não havia sido anunciada pelo MEC inviabilizou a utilização da nota de corte como referência.
Fiz um esquema pra mostrar o erro, mas não adianta, não entendem. pic.twitter.com/n31lh26kfR
— Francis Sales (@salespoa) January 25, 2020
Em anos anteriores, o sistema apresentava a seguinte mensagem: “Sua posição (na segunda opção) não foi considerada pois você estava temporariamente classificado em sua primeira opção”.
O novo modelo, no entanto, não tirou da segunda opção alunos que já conseguiram uma vaga na primeira escolha. Isso faz com que a nota suba artificialmente — pois os candidatos ficaram só com a primeira vaga.
O GLOBO comparou a nota de corte do último dia — quando os candidatos que, naquele momento, estavam aprovados em duas opções ainda ocupavam ambas as vagas — com o resultado final, momento em que os aprovados em primeira opção deixavam a segunda alternativa. Todos os dados são relativos apenas à modalidade de ampla concorrência.
Essa análise mostrou que a nota de corte do último dia de inscrições era, em média, dez pontos acima do resultado do último aluno que conseguiu o ingresso em cada curso. No caso mais extremo, a diferença chegou a 140 pontos, na lista para História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no campus de Caicó.
A mudança no método de exibição do Sisu — que inaugurou um novo site em 2020 — prejudicou alunos como Gustavo Morais, de 21 anos. Ele sonhava cursar Economia na USP e, com o resultado do Enem 2019, teria a chance de aguardar uma vaga na lista de espera.
No entanto, o jovem preferiu trocar de curso porque a nota de corte estava 40 pontos acima do seu resultado — ele era o 308º de 16 vagas. Porém, após o fechamento do Sisu, a nota de corte real apareceu: apenas dois pontos acima do que ele havia conseguido.
— Eu ficaria na lista de espera. Nesses cursos, em média, rodam quase metade das vagas. Teria muitas chances — conta o rapaz, que acabou aprovado em uma universidade que não estava entre suas favoritas: — Estudei um ano para passar no curso que era meu sonho e, por conta de uma desinformação do MEC, não consegui. Se fosse incompetência minha, tudo bem, mas, como foi um erro externo, o sentimento de frustração é muito mais forte.
Ex-diretora de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin avalia que as mudanças no Inep, órgão responsável pelo Enem, atrapalharam o planejamento do Sisu. O instituto teve quatro presidentes em 2019 e o departamento responsável pelo Enem ficou três meses sem um diretor responsável.
— Eles acabaram atropelando tudo para cumprir prazos. Assim, uma sucessão de erros novos foram cometidos — afirma Costin. — Tudo me leva a supor que essa mudança da apresentação da nota de corte foi um erro que eles não admitiram.
O MEC foi procurado na última quarta-feira, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Durante o Sisu, o ministério alegou que a mudança se deu para dar mais transparência ao processo “auxiliando os participantes em sua decisão”. Pelo Twitter, o ministro Abraham Weintraub também defendeu o modelo.
— O método deste ano é melhor. Ninguém será prejudicado — alegou.