Bolsonaro é criticado por general que trabalhou consigo
Foto: Alan Marques / Folhapress
1. O presidente Jair Bolsonaro tem sido cobrado para que lidere um plano de combate ao novo coronavírus. O senhor acha que falta liderança?
Falta consistência, conhecimento, discernimento estratégico, isso falta. Agora, ele é uma pessoa idealista, inteligente. É muito intuitivo, mas não vai conseguir dar a guinada que o Brasil precisa. Ele (no governo) está prestando um serviço ao país. Depois vai ter de vir alguém com mais consistência para colocar o barco na rota. O presidente tem uma personalidade um pouco rebelde. Por um lado, pode ser bom. Por outro lado, tem esses inconvenientes. Ele teve o mérito de tirar o PT e ensejar uma mudança de ares no país. Entendo que esse governo, presidido por ele, está numa transição. Ele não tem um projeto.
2. Como o senhor vê a atuação do presidente ante essa crise?
Ele não tinha noção do problema. Agora, já faz um juízo mais adequado da situação e demonstra que tomou uma posição. É importante que ele esteja à frente de tudo, acho que já se recuperou dessa indecisão. Antes, foi uma espécie de imaturidade. Cabia ao presidente apoiar o ministro Luiz Henrique Mandetta e ajudá-lo a reforçar, validar o que ele estava fazendo, e não se contrapor a ele. Como ele (presidente) mostrou ambiguidade, e viu que não deu certo, caiu em si.
3. Ele fica muito incomodado quando um ministro se destaca?
Sim. Demonstra a insegurança do líder. Senti isso. De memória, só me lembro do caso do ministro Sergio Moro. Isso para mim significa insegurança.
4. O senhor dirigiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) até pedir exoneração. Caberia à SAE auxiliar o presidente neste momento?
De forma indireta. Um dos sete temas propostos por nós ao presidente era ter um programa para erradicar as moléstias tropicais do Brasil. Inclusive, chegamos a influir não só no Ministério da Saúde, mas também no Ministério da Ciência e Tecnologia, nos órgãos de pesquisa, na Fiocruz e no Instituto Evandro Chagas para revitalizar esses institutos e para ter um programa que visasse à erradicação das principais moléstias tropicais. A intenção era erradicar a malária, a leishmaniose e a doença de Chagas, principalmente porque já existe tecnologia e os recursos necessários não são muito grandes. O coronavírus não existia (ainda), mas as epidemias são questões mundiais. E a SAE poderia ajudar no papel da integração. Eles (pesquisadores) trabalham de forma feudal. Tanto as instituições como os cientistas não operam em uma rede que integre e estabeleça objetivos a serem alcançados. Trabalham de forma isolada. Nossa meta era criar uma rede integradora e estipular metas.
5. O que aconteceu no período de sua saída?
Quando o (ex-ministro Gustavo) Bebianno saiu da Secretaria (-Geral da Presidência), à qual a SAE estava subordinada, o presidente me chamou e também ao general Floriano Peixoto Vieira Neto. Ele era o adjunto (do Ministério) e eu era chefe da SAE. O presidente resolveu colocar o Floriano como ministro da Secretaria.
6. Por quê?
O argumento que o presidente achou foi que ele é mais novo. Eu me senti um fóssil (risos). Mas tudo bem, quem decide é ele. Assim foi feito. Até que o Floriano foi afastado para assumir os Correios numa manobra palaciana que nós descobrimos depois ter sido feita por Jorge Oliveira, que já estava querendo ser ministro.
7. O ministro Jorge Oliveira assumiu a Secretaria e também é cotado para ser ministro do STF. Como avalia essa hipótese?
Sinceramente, ele não tem capacidade. Ele foi nomeado para aquela Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ). Ele é um advogado recém-formado, não teve prática forense. (Jorge Oliveira obteve a OAB em 2013.) Foi colocado lá por razões pessoais. Tanto é que já houve incidente, como a apresentação da MP, que era inconstitucional e teve de ser retirada. No caso do STF, ele não tem habilidade, nem conhecimento jurídico, ele foi guindado para a posição de ministro cumulativamente com a SAJ. E isso está muito além do potencial que ele tem. (O general se refere à medida provisória que pretendia transferir para a Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas, que é da Funai. A medida foi encaminhada duas vezes pelo governo, e a AGU chegou a alertar sobre sua retirada, por ser inconstitucional.)
8. Por que, então, cogita-se sua nomeação?
Isso foi anunciado pelo próprio presidente, que ele seria um bom nome. Ele foi guindado à posição de ministro para poder ganhar a aura de capacidade, para depois ser indicado para o STF. Esse plano existe. Mas como o presidente se precipitou quando fez aquela declaração, acabou tornando isso difícil. Assim como quando o presidente quis colocar o filho (Eduardo) como embaixador nos Estados Unidos e não conseguiu devido ao custo que o Senado exigiria dele, a mesma coisa vai acontecer com o doutor Jorge Oliveira. Ele não vai conseguir colocá-lo porque o Senado vai cobrar muito caro para aprovar isso.