Bolsonaro irritou militares indo a protestos
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Toda gestão presidencial produz imagens que a simbolizam. A do contra-almirante médico Antônio Barra Torres descendo ontem a rampa do Planalto ao lado do presidente Jair Bolsonaro será uma delas. Militares costumam ver fatos que passam despercebidos dos civis. Assim, a cena deste domingo, 15, lhes fez lembrar o velho fantasma que ronda as Forças Armadas: a identificação destas com caprichos e irresponsabilidades do governo.
O presidente se fez acompanhar do almirante que preside a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para se aproximar de seu povo, tirar fotos, abraçar e festejar quem carregava cartazes pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. A turma dizia lutar por reformas que ninguém sabe como serão porque o governo que apoia ainda não as enviou ao Parlamento.
Tudo isso já seria um fato político de consequências institucionais graves. Mas a ele se uniu a falta de disciplina de quem deveria respeitar o isolamento sanitário após sete pessoas da comitiva que o acompanhara aos Estados Unidos terem sido diagnosticadas com o vírus corona. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, aconselhara aos brasileiros todo o cuidado.
Desobedecer a ordens e recomendações não é novidade para o capitão. “Indisciplinado e desleal” era como o ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves o considerava. “A gente achava que depois de eleito presidente e com a liturgia do cargo, ele ia se comportar como estadista, mas não. Os generais que estão lá são bons, mas fica difícil passar o tempo todo consertando as coisas que ele e os filhos fazem”, disse um general ouvido ontem pela coluna.
Ele votou em Bolsonaro contra o petismo e contra a corrupção. Agora teme as consequências de seu governo para as Forças Armadas. E elas estavam ali na caminhada de Bolsonaro representadas pelo almirante quando ele decidiu dividir com os apoiadores a certeza de que a Covid-19 é uma bobagem inventada por chineses espertalhões para passar a perna nos EUA.
Pergunto se disciplina e o respeito à hierarquia se esgarçam a cada dia com os exemplos dados pelo capitão. “Não existe combate à corrupção ou antipetismo que justifiquem o mau exemplo, pois este corrompe os valores. E é de valores que a Nação precisa”, disse um outro general. Além de atacar os Poderes da República, “como faziam a CUT e o MST”, Bolsonaro dava mais um mau exemplo aos brasileiros preocupados com a saúde.
O presidente se justifica dizendo acreditar que a pandemia está superdimensionada, que outros vírus piores no passado não despertaram essa preocupação porque – pasmem – o País era governado pelo PT. Sempre o PT… O que Bolsonaro não sabe é que a humanidade aprendeu a combater doenças, como a Covid-19, justamente, por se preocupar com elas.
O mandatário faz troça da doença para defender seu governo, manter-se em campanha eleitoral e emparedar os outros Poderes da República. Um oficial começou assim a conversa com a coluna: “Esse governo, meu amigo, é tudo de estranho”. E completou: “Só amarrado em uma árvore você segura o Bolsonaro.”
Há duas semanas, o general Luiz Eduardo Ramos não conseguiu demover o presidente da ideia de deixar um humorista distribuir bananas a jornalistas. Quem não segurou o presidente desta vez foi um almirante. O médico ficou a ver navios enquanto o presidente desrespeitava o isolamento. “Ele não segue disciplina alguma. Dá na cabeça dele e sai aprontando; e uns dez vem consertando”, resumiu o general.
Bolsonaro despreza até a opinião do Exército. Diz diretriz da Força: “Em caso de recomendação por isolamento domiciliar, este deverá totalizar 14 dias, seguindo as orientações da quarentena domiciliar, com ambiente privativo e ventilação natural, distância dos demais familiares, enquanto houver sinais e sintoas clínicos, manter a higienização das mãos e orientar que indivíduos próximos, que tiverem sintomas, procurem imediatamente um serviço de saúde.“ E conclui: “Todos devem fazer sua parte para responder a essa ameaça emergente à saúde pública.”
O presidente prefere chamar de “histeria” a preocupação com a doença. Na Itália, de onde vieram seus antepassados, 328 pessoas morreram ontem. Indagado sobre a situação, o líder da direita italiana, Matteo Salvini, lembrou de seu pai e de sua mama, com 75 e 74 anos, aos quais aconselhou que ficassem em casa. Ele disse à RAI: “Há quem fale que essa doença é como a gripe. Recordo aos senhores que só na Lombardia morreram 265 pessoas nos últimos dois dias. Isso não é uma doença de estação.” Salvini pediu o fechamento de tudo na Itália. No Brasil, Bolsonaro se queixa de ficar sem futebol…
Ele pode não saber quem é Salvini – seu filho Eduardo pode dizer quem ele é. O italiano é populista, mas não é burro. Bolsonaro não deve pôr seus interesses particulares acima do bem comum. Pressionar o Supremo e o Congresso não pode ser mais importante do que a saúde de seus concidadãos. Se o comportamento responsável dos brasileiros nos salvar das piores consequências da epidemia, Bolsonaro ainda vai dizer que tinha razão. E, ao afirmar, talvez tenha um oficial general sorridente ao seu lado.