Bolsonaro também pratica “pedaladas” que derrubaram Dilma

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Adriano Machado/Reuters

Ao descumprir determinações legais e atrasar a concessão de benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o governo Jair Bolsonaro pedalou para 2020 o pagamento de aproximadamente R$ 2,3 bilhões que deveriam ter sido liberados em 2019.

O represamento aliviou artificialmente o Orçamento federal do ano passado e vai deteriorar ainda mais as contas públicas neste ano, em um momento de forte demanda por recursos para enfrentar a crise do novo coronavírus.

A promessa do governo de zerar a fila terá de ser cumprida em meio à pandemia, que vai gerar perda de arrecadação e levar a uma disparada de gastos públicos.

O problema não se restringe às esferas legal e econômica, já que o represamento dos benefícios deixa sem pagamento milhares de pessoas consideradas vulneráveis à doença.

A pedalada é um termo informal usado quando o governo empurra ou distorce compromissos financeiros, o que acaba mascarando a real situação fiscal da União.

A ex-presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment em 2016 sob a acusação de ter cometido crime de responsabilidade ao pedalar despesas. Na gestão da petista, o governo atrasou repasses a bancos públicos para o custeio de programas sociais. Com isso, eles tiveram de usar recursos depositados pelos seus clientes para fazer os pagamentos.

As antecipações foram consideradas empréstimos ilegais das instituições financeiras ao seu controlador, a União.

Há aproximadamente três meses, a Folha pede ao INSS informações sobre a fila de espera por benefícios no encerramento de 2019 e pagamentos que foram empurrados para este ano. O órgão não detalha os dados sob o argumento de que há restrições técnicas.

“Em razão da reestruturação dos procedimentos relativos à extração de registros dos sistemas de gerenciamento de dados do INSS, não é possível fornecer dados relacionados a competências anteriores”, informou em fevereiro, em resposta a pedido feito via Lei de Acesso à Informação.

Diante da recusa, a Folha reuniu todas as variáveis que compõem o processo de liberação dos benefícios e estimou o valor que deveria ter sido pago em 2019, conforme determinação da lei, mas foi adiado por 2020. Os cálculos foram validados reservadamente por técnicos do Congresso especializados em Orçamento.

Lei de 1991 define que o primeiro pagamento do benefício, pelo INSS, será efetuado até 45 dias após a data da apresentação da documentação pelo segurado.

No encerramento do ano, a fila de benefícios em atraso estava em 1,3 milhão. Em média, o INSS autoriza o pagamento de 55% dos pedidos que estão nessa fila —outros 45% são indeferidos.

Em dezembro, o tempo médio de espera estava em 75 dias. O valor médio dos benefícios pagos, também em dezembro, foi de R$ 1.286,87.

O cálculo que compila todos os fatores aponta que o montante que deveria ter sido pago em 2019 é de aproximadamente R$ 2,3 bilhões.

De acordo com a presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, embora o prazo de 45 dias para concessão esteja previsto em lei, o gestor público não é punido se há descumprimento. Para ela, porém, esse quadro desrespeita a Constituição.

“A Previdência precisa cumprir princípio da eficiência, que está na Constituição. Isso hoje não existe”, afirmou.

A advogada alerta para o risco de que haja uma explosão de pedidos de benefícios diante da pandemia do novo coronavírus. “Agora temos mais esse agravante. Vamos ter um boom de pedidos de auxilio-doença e de pensão por morte. É uma questão social relevante e preocupante”, disse.

Economista e professor da PUC-RJ, José Márcio Camargo explica que a fila de espera do INSS cresceu no ano passado por causa da digitalização dos pedidos de benefícios. O atraso prejudica as contas públicas, pois, quando a aposentadoria for concedida, o governo é obrigado a pagar os valores retroativos e com correção monetária.

“O sistema [do INSS] não comportou a demanda. Para o governo, isso foi péssimo, mas não houve capacidade para atender a todos”, avaliou.

Os gastos, somente com correção monetária, são de aproximadamente R$ 200 milhões por ano.

Em 2019, o ano foi encerrado com folga em relação à meta de resultado primário. Apesar da autorização de déficit de R$ 139 bilhões, o resultado ficou em R$ 95 bilhões.

Para este ano, a meta foi estipulada em déficit de R$ 124,1 bilhões. Porém, com a decretação de estado de calamidade pública com o novo coronavírus, o governo não será mais obrigado a cumprir a meta.

Cálculos preliminares da equipe econômica após o anúncio das primeiras medidas de enfrentamento à pandemia já apontam para um rombo fiscal superior a R$ 200 bilhões neste ano.

Para acabar com a fila no INSS, o governo apresentou, no começo do ano, mais uma força-tarefa. O plano inclui contratação temporária de militares na reserva e de servidores aposentados, além da realocação de mais funcionários do INSS para a área de análise de pedidos de aposentadoria e outros benefícios.

Mesmo com a crise do novo coronavírus, a previsão do governo não foi alterada: a fila deverá ser praticamente zerada entre setembro e outubro.

O edital para contratação de militares reservistas e servidores aposentados ainda não foi publicado. A expectativa é que funcionários inativos do INSS possam atuar também na avaliação de requerimentos de benefícios, apesar das limitações impostas por medidas de combate à covid-19.

A força-tarefa foi anunciada em janeiro e a principal medida (contratações) ainda não entrou em vigor por causa dos trâmites burocráticos. A seleção depende do edital do INSS.

A estimativa mais recente é que sejam contratados 9,5 mil servidores, sendo 8 mil militares inativos e aposentados do serviço público federal e 1,5 mil aposentados do INSS.

A ideia é que militares reservistas e aposentados civis atuem nas agências da Previdência Social e na parte administrativa. Por isso, o coronavírus poderá atrasar a contratação desse grupo.

O presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Leonardo Rolim, negou que o governo tenha feito uma pedalada fiscal ou premeditado o represamento de benefícios.

Segundo o técnico, o estoque de pedidos atrasados vinha aumentando desde 2014, mas só ficou evidente em 2018 e 2019, depois que o governo digitalizou os processos.

Ele justificou que, com isso, requerimentos que estavam “escondidos” passaram a aparecer.

Rolim responsabiliza o governo da ex-presidente Dilma Rousseff por uma piora na fila.

“Eu não entendo que houve pedalada nenhuma. Na verdade, houve uma irresponsabilidade do governo Dilma em 2015”, disse, explicando que a ex-presidente autorizou que mais de um terço dos servidores do INSS se aposentassem a partir de janeiro do ano passado, o que derrubou a força de trabalho do órgão no primeiro ano de gestão de Bolsonaro.

Rolim afirma que o governo implementou uma série de ações no ano passado para ampliar a análise de processos, incluindo teletrabalho e bônus de desempenho para servidores, o que levou a uma gradual redução do estoque.

“Não houve nenhuma ação premeditada, ou ainda que não fosse premeditada, de não analisar benefício para jogar para frente. Pelo contrário”, afirmou.

O presidente do INSS ressaltou que o impacto orçamentário gerado pela regularização das concessões está nas contas do governo e foi explicitado em nota técnica elaborada pelo Ministério da Economia em dezembro.

Rolim afirmou ainda que não espera uma explosão de pedidos de benefícios por conta do novo coronavírus. Além de acreditar que o número de mortes será menor do que em outros países, ele afirma que a maior parte das pessoas em quarentena volta às atividades em 14 dias, prazo menor do que o necessário para solicitar auxílio-doença.

Folha